Valor Econômico - 21/06
O governo precisa de um choque de confiança. Uma percepção muito ruim tomou conta dos mercados externos e internos e está impondo um "overshooting" nos preços do câmbio e dos juros. Há, e isso é inegável, um deslocamento brutal de recursos dos mercados emergentes para os Estados Unidos, economia que surge renovada e altamente competitiva da crise de 2008/2009. Por si só, esse é um motivo de fortes trepidações.
Mas há, simultaneamente, uma destruição de riqueza no país por causa das incertezas sobre os rumos da taxa de juros e sobre o valor do real frente ao dólar. Ao fazer marcação a mercado dos papéis públicos e outros investimentos em renda fixa, o investidor está vendo seu patrimônio ruir. Empresas com dívidas em dólar e fundos de investimentos em geral contabilizam perdas.
O teto para esse movimento é desconhecido e todos querem encerrar suas perdas de imediato. Os investidores já perderam mais de R$ 130 bilhões nas aplicações em títulos públicos com juros prefixados e atrelados à inflação.
Esse evento guarda semelhança com 2002, ano em que houve uma imensa desconfiança no que poderia ser a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República. Lula reagiu e fez a carta aos brasileiros. Ali ele reescreveu o discurso do PT e se comprometeu com o cumprimento de contratos e com a estabilidade econômica. Em 2003 o presidente promoveu um forte ajuste fiscal e teve a seu favor, a partir de então, o crescimento do mundo para embalar a distribuição da renda sem graves conflitos distributivos. A expansão da economia mundial e o "boom" das commodities deram ao Brasil o benefício dos termos de troca.
A crise de 2008/2009 encerrou a prosperidade nas economias desenvolvidas e, agora, a saída da crise pelos Estados Unidos encerra, também, os anos de farta liquidez que irrigou as economias emergentes, a partir da redução dos estímulos monetários. Isso já seria motivo suficiente para preocupação dos governos emergentes. E é pior ainda para os que fizeram muito pouco por suas economias.
Lula, no ano da eleição de Dilma, colocou o país em marcha forçada, anabolizou o crescimento e deixou para ela uma forte pressão inflacionária e um ritmo insustentável da atividade. A presidente assumiu com a missão de desaquecer a atividade e conter o processo inflacionário, além de acalentar um objetivo obstinado: reduzir a taxa de juros. Para derrubar a inflação, houve uma combinação de medidas de contenção do crédito, reforço na meta fiscal e elevação dos juros. A essas, porém, se sobrepôs o aprofundamento da crise mundial, abrindo uma janela para baixar os juros. A economia, porém, já estava no chão e só agora começa a se levantar.
No segundo ano, o governo se trancou para produzir as regras para as concessões, visto que o Estado não seria capaz de tocar os investimentos necessários à infraestrutura do país. Tentou, originalmente, dizer quem, como, quando, com que regras e qual o lucro que seria permitido para a concessionária. Não deu certo. Flexibilizou. Endureceu e se atrapalhou no setor elétrico, cedeu em alguns pontos. Ao mesmo tempo, abriu os cofres públicos com desenfreada emissão de títulos (dívida) como instrumento para animar o crescimento.
O relaxamento fiscal foi sendo mascarado pelos truques contábeis. Para não matar a indústria, desvalorizou-se o câmbio. Juros e câmbio, nesse momento, passaram a ser percebidos como preços administrados politicamente pelo governo. E o fiscal, solto. Veio a inflação.
Cedo ou tarde, o Banco Central reagiu e começou a aumentar a Selic. O dólar, agora, se valoriza e o real despenca. Falta saber o que o governo fará com seus compromissos com as contas públicas. Até a semana passada, sequer havia meta de superávit primário. Agora há: 2,3% do PIB. Mas achar alguém que acredite na execução dessa meta pelo Ministério da Fazenda é procurar agulha no palheiro. Sem a ajuda da política fiscal para conter a inflação, os juros não têm limite. Com aumento da Selic e o real enfraquecido, o efeito imediato é desaquecer mais uma economia já desaquecida. O crescimento deste ano e de 2014 está comprometido.
Há um clamor, nos mercados, pela volta à ortodoxia fiscal. E, nas ruas, surge um movimento popular inesperado, grandioso e apartidário, por melhores serviços públicos - a revolta dos centavos.
Em 1999, Fernando Henrique Cardoso reinventou seu governo. Em meio a uma crise monstruosa, trocou o presidente do BC duas vezes em menos de um mês e abandonou o regime de câmbio quase fixo. Ali, inaugurou a política macroeconômica sustentada no tripé: meta de inflação, austeridade fiscal e câmbio flutuante.
Em 2005, na crise do "mensalão", Lula reinventou seu governo. Demitiu os dois principais ministros, o da Casa Civil, José Dirceu, e o da Fazenda, Antônio Palocci, e pôs força na transferência de renda aos mais pobres. Dilma, pressionada, pode ser levada a se reinventar. Se o problema é de confiança, só ela pode resolver.
De pouco adiantaria trocar o ministro da Fazenda, Guido Mantega, por exemplo, pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, conforme boatos insistentes que correm há tempos. Embora Meirelles tenha credibilidade e traga confiança para os mercados, Dilma não tem com ele uma boa interlocução e não está disposta a abdicar do poder. Ontem Lula teve que desmentir a notícia de que ele próprio teria sugerido essa substituição.
A presidente, agora, enfrenta dois movimentos explícitos e opostos: o das ruas, que ela quer entender, criar interlocução e, se possível, construir uma agenda comum de melhoria dos serviços públicos. E o dos mercados, que não faz o barulho das ruas nem sensibiliza os corações, mas faz os preços que a população terá que pagar. Esses querem austeridade do gasto público e confiança.
Só Dilma pode dar essas garantias. Nela, os agentes ainda creem.
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