FOLHA DE SP - 21/06
Apesar de mais do que defensáveis, os protestos não poderiam ter chegado em hora mais inconveniente
Durante vários anos, mesmo enfrentando alguns percalços, vivemos no Brasil momentos em que a conjuntura nos esteve bastante favorável.
Tínhamos conseguido estabilizar a nossa moeda, a economia mundial crescia a taxas elevadas e o preço das commodities, mola mestra das exportações brasileiras, subiu significativamente.
O país atingiu praticamente o pleno emprego, e, mesmo após a crise no fim de 2008, em grande parte por sermos um mercado emergente, termos equilibrado as nossas contas e oferecermos juros convidativos, continuamos a ser uma opção atrativa ao capital externo.
Mas o mundo é dinâmico e a gigante economia norte-americana começou lentamente a se recuperar.
Paralelamente, os indicadores brasileiros apresentando resultados continuamente inferiores aos esperados e os problemas estruturais existentes e cada vez mais evidentes começaram a criar dúvidas quanto à viabilidade de atingir taxas elevadas de desenvolvimento no país de forma duradoura.
A piora das expectativas, associada à redução dos juros, provocou a saída de um grande volume de recursos do país, causando uma desvalorização do real em relação ao dólar em nível superior ao da grande maioria das demais moedas e colocando pressão nos indicadores inflacionários.
Como se não fosse bastante, o país enveredou por uma sequência de protestos com a mobilização de um significativo contingente de pessoas e repercussão internacional.
Inicialmente focados no aumento das tarifas do transporte público, os movimentos foram crescendo em escala e espectro de reivindicações. As seguintes tiveram como foco os gastos com a construção de estádios para a Copa do Mundo.
É até compreensível que, em um país com tantas necessidades emergenciais em sua infraestrutura, destinar recursos públicos para estádios de futebol, principalmente em cidades como Manaus, Cuiabá e Brasília, todas sem nem sequer ter times com torcida e fluxo de torcedores para justificar esses investimentos, é mesmo algo questionável. Corre-se o risco de os estádios virarem grandes elefantes brancos após a Copa, algo semelhante ao ocorrido com vários deles na África do Sul.
Isso sem falar dos estouros orçamentários cujas causas são pouco transparentes e que elevaram significativamente o ônus ao contribuinte.
Os movimentos que se seguiram não podem ser atribuídos a nenhuma causa específica. As pessoas que de alguma forma se sentiam ultrajadas e queriam expressar seu descontentamento ou reivindicar alguma coisa sobre qualquer tema viram nesses movimentos uma oportunidade.
E, apesar de a quase totalidade agir de forma ordeira e pacífica, em situações como essas, onde não existe uma liderança definida, sempre acaba sobrando espaço para os baderneiros dispostos a destruir e agredir. E são essas imagens de desequilíbrio e aparente instabilidade política e institucional que acabam sendo repassadas e absorvidas pelas pessoas, notadamente as que vivem fora do Brasil.
Apesar de mais do que defensáveis, já que o direito de se expressar livremente é um dos princípios básicos da democracia, os protestos não poderiam ter chegado em hora mais inconveniente.
O mundo, que já não nos via com o mesmo glamour que tínhamos na década passada até em razão das mudanças no cenário mundial, observa agora as imagens aqui geradas com maior preocupação e descrença.
A impressão que fica é a de que estamos de fato saindo de um ciclo no qual a conjuntura sob o ponto de vista externo nos foi bastante favorável e o esforço para continuarmos a desenvolver o país terá que ser ainda maior daqui para a frente.
Contudo, fica a constatação de que boa parte do dever de casa foi feita, permitindo ao país dispor de reservas cambiais confortáveis, capazes de assegurar a estabilidade interna por muito tempo.
Mas fica também claro que, sem dispormos de uma força de trabalho com nível educacional eleva- do e infraestrutura compatível com o crescimento que precisamos ter, estaremos sempre mais sujeitos aos ciclos de humor do mercado mundial.
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