sexta-feira, junho 21, 2013

Fazer contas - CRISTOVAM BUARQUE

GAZETA DO POVO - 21/06

Há oito anos a população do Brasil se dedica à construção de estádios para a realização da Copa. Não se pode esperar algo diferente em um país que já foi chamado de “pátria de chuteiras”. A população do Distrito Federal, por exemplo, ainda não tem times que atraiam torcedores, mas está deslumbrada com um monumental estádio para 71 mil espectadores a custo superior a R$ 1,6 bilhão. Poucos, porém, fizeram as contas do que significa este custo.

A obra custou R$ 800 para cada brasiliense. Considerando apenas os adultos, o custo subiria para cerca de R$ 3 mil por pessoa. Se considerar o dinheiro que deixou de ir para os 208 mil moradores mais necessitados, com rendimentos de até um salário mínimo mensal, o custo foi de cerca de R$ 8 mil, mais ou menos um ano de trabalho de cada um deles. Se cada brasiliense soubesse que esse valor saiu do seu bolso e conhecesse seus usos alternativos, a euforia com o estádio não seria tão grande.

Com os recursos gastos com o estádio seria possível financiar a formação de 6,8 mil engenheiros de excelência, desde a 1.ª série do ensino fundamental em superescolas de qualidade internacional, ao custo anual de R$ 9 mil por aluno, pagando R$ 9,5 mil por mês para cada professor, até o fim do curso de Engenharia, em cursos universitários de excelência iguais aos do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Esse número seria maior que a soma de todos os engenheiros já formados no ITA nos seus 64 anos de funcionamento. Além disso, a formação seria pública, igual para os filhos dos mais pobres e dos mais ricos, desde que tenham vocação e persistência.

Se considerarmos que cada um desses profissionais contribuiria para o desenvolvimento do país e geraria uma renda no mínimo igual ao salário, tomando para efeito de simulação a quantia de R$ 20 mil por mês, o montante gerado ao longo de 35 anos de trabalho resultaria em renda de aproximadamente R$ 63,6 bilhões. Algo equivalente a 40 estádios similares ao novo Mané Garrincha. Mais importante ainda é que esses profissionais serviriam como base para o desenvolvimento científico e tecnológico de que o Brasil tanto necessita.

Se considerarmos o custo de todos os 12 estádios da Copa, atualmente orçados em R$ 7,2 bilhões (e que certamente será maior), deixaremos de formar cerca de 30 mil cientistas e tecnólogos da mais alta qualidade. Por mais benefícios que traga a Copa, não há dúvida de que investir em ciência e tecnologia seria um melhor uso do dinheiro na construção do futuro do país. Alguns vão dizer que aproximadamente 4 mil trabalhadores receberam seus salários por terem emprego diretamente gerado pela obra no DF, mas eles poderiam ganhar o mesmo construindo hospitais e escolas. Podem dizer também que as arenas vão permitir atividades esportivas e culturais, mas isso já seria possível com pequenas melhorias nos estádios anteriores.

Os mais de 500 mil jovens que nos últimos dias fizeram das nossas ruas a maior arquibancada do Brasil ainda não fizeram contas. Se fizessem, não sairiam das ruas até que as prioridades dos governantes fossem outras, e visassem especialmente creches, educação, saúde, transporte público e mobilidade.

O Brasil tem muitos problemas; a juventude está percebendo isso, tanto nas grandes cidades como nas médias e pequenas. Mas um dos mais graves é não fazer contas.

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