BBC Brasil - 20/06
Na praça de Madri, a musica é ruim, o copo de vinho é péssimo, a noite é esplêndida. A praça Puerta del Sol vive em estado de festa permanente e não há vestígios dos protestos que nasceram aqui há dois anos, se espalharam por 58 cidades espanholas e, nos meses seguintes, mobilizaram de 6 a 8 milhões de espanhóis.
Contra quem e o quê? Contra as eleições do dia 22 de maio, contra a proibição de protestos, contra os políticos no poder e fora do poder, contra a austeridade e a corrupção. Enfim, uma indignação contra o estado das coisas. Passagem de ônibus e metro não estavam em jogo. E são caras em Madrid.
O movimento nasceu com vários nomes: "Los Indignados", "Democracia Real Ya", "Tomar la Plaza", " Juventud Sin Futuro", mas acabou conhecido como 15-M ou 15 de maio, dia do nascimento dos protestos que, como no Brasil, não tinham pai. Nem mãe. Nem líderes. Nem herdeiros e, menos ainda, planos a longo prazo.
As conexões e mobilizações, como no Brasil, foram pela mídia social. Houve inspiração nos protestos da Tunísia e do Egito e o movimento chegou a ser chamado de Primavera Espanhola. O nome não pegou, como ainda não pegou no Brasil.
Entre os protestos brasileiros e espanhóis há uma grande diferença. Na indignação deles não apareceram os indignos que corrompem e destroem os valores dos indignados.
Na Espanha, em centenas de protestos não houve violência maior. Nos piores dias, 24 foram presos, nove deles menores de 18 anos. Os "indignados" tinham um esquema de 200 seguranças que continha os indignos.
Os protestos duraram, com maior ou menor intensidade, até o fim de 2011. Houve regurgitações em 2012, como a "Cavalgada dos Indignados", que reuniu 3 mil pessoas em dezembro. Este ano, 100 mil marcharam em Madrid contra as medidas de austeridade. Vale lembrar que os espanhóis não culpam os alemães nem os outros pela própria miséria. Eles reconhecem que gastaram o que não tinham.
Comparada com a economia brasileira, a espanhola vai pior, com o maior índice de desemprego na Europa, de 27%. Entre os jovens, 46%. Desde 2008, 350 mil espanhóis perderam suas casas por falta de pagamento das hipotecas e foram despejados pela Justiça. Só no ano passado, outros 50 mil ficaram sem teto, quatro vezes mais do que em 2008. O numero de suicídios de idosos é recordista.
Faltam crédito para pequenas empresas e pulso para novas reformas. 375 mil empregos públicos foram eliminados, milhares de funcionários demitidos, a idade de aposentadoria subiu de 65 para 67 anos, ficou mais fácil demitir empregados no setor privado, mas a recessão resiste. Há dez vezes mais falências do que antes da crise de 2008. Não há consumo nem investimentos.
O governo não tem força para enxugar mais os benefícios sociais ou baixar o salário mínimo em algumas regiões, como querem os austeros. Os espanhóis não gostam do governo, menos ainda da oposição.
Neste túnel, há pontos iluminados. A Espanha recuperou o crédito e paga pelos seus empréstimos os mesmo juros que pagava antes da crise. O deficit no orçamento caiu de 11% em 2009 para 7% ano passado. A meta é 3%. Em 2012, as exportações espanholas cresceram mais que as de todos os outros países da União Europeia e o deficit na conta corrente saiu de 10% para um superavit.
Em Madrid, naquela vasto centrão, não há sinais de crise. As ruas e os restaurantes estão cheios de turistas e madrilenhos. Depois da meia-noite, jovens andam sozinhas e tiram dinheiro das máquinas sem medo de assalto. Uma cidade segura. E bem iluminada. A prefeitura não economiza na conta de luz das ruas e das preciosas fachadas antigas nem na conta da limpeza.
Nova York, onde eu moro, não é uma cidade suja, mas, perto das ruas centrais de Madrid, é um lixão. Temos o Central Park e dezenas de outros, mas Madrid é a campeã mundial em número de árvores alinhadas e tem 16 metros quadrados de verde por habitante. A recomendação da ONU é de dez metros. Quem mora em Madrid está, no máximo, a 15 minutos de um parque.
Em quatro dias de longas caminhadas, eu e amigos vimos dois mendigos e nenhuma prostituta. Um madrilenho explica que elas não podem ficar nesta área central, mas há milhares delas fora dali e as brasileiras já não são maioria. "Jovens que ganhavam a vida como modelos hoje se vendem aos árabes em países do Oriente Médio", me conta um fotógrafo brasileiro que vive em Barcelona.
E o M-15? O movimento já não mobiliza milhares para seus protestos, mas atua em outras áreas sociais, ele ajuda despejados a ocupar os milhares de apartamentos vazios no país. É impossível medir com precisão as conquistas e derrotas do 15 de maio.
E no Brasil? As passagens de ônibus já foram reduzidas, a emenda PEC 37 deve ser derrubada. E depois? Quem vai pagar a redução nas passagens? De uma forma ou outra, eu e você. Porque não reduzir salários e verbas das mordomias do Executivo, deputados, senadores e vereadores? Os manifestantes condenam a impunidade. Por que nossos indignados não ajudam a policia a prender os indignos?
Última pergunta: quando este nosso Brasil, 6ª economia do mundo, vai ter educação, saúde e infraestrutura espanholas?
Daqui a um século chegamos lá. Sou um otimista.
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