GAZETA DO POVO - PR - 16/06
“Será ranzinzice minha ou a música brasileira empobreceu, abastardou-se, vulgarizou-se?”
“Nosso amor que eu não esqueço... e que teve seu começo em uma festa de São João... Morre hoje sem bilhete, sem recado e sem foguete, sem luar, sem violão” (Noel Rosa, Último Desejo).
“Nossa, nossa, assim você me mata... Delícia, delícia.”
“A porta do barraco era sem trinco e a lua furando nosso zinco, salpicava de estrelas nosso chão... Tu pisavas nos astros distraída, sem saber que a alegria desta vida é a cabrocha, o luar e o violão” (Silvio Caldas, Chão de Estrelas).
“Piri, pipiri, pipiri, piri piradinha... Ela tá maluca ela tá doidinha... Piri, pipiri, pipiri, piri piradinha, Ela tá doidona fora da casinha.”
“Palmas para a ala dos barões famintos, o bloco dos napoleões retintos e os pigmeus do bulevar... Meu Deus, vem olhar, vem ver de perto uma cidade a cantar... A evolução da liberdade até o dia clarear” (Chico Buarque, Vai Passar).
“Eu quero tchu, eu quero tchá, eu quero tchu tchá tchá tchu tchu tchá tchá tchu tchu tchá.”
Será ranzinzice minha ou a música brasileira empobreceu, abastardou-se, vulgarizou-se? Repita, paciente leitor, a mesma pergunta com a poesia e a literatura e os resultados são igualmente melancólicos. Os grandes poetas do passado recente são Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Mario Quintana, Vinicius de Moraes, Thiago de Mello... Os grandes poetas brasileiros de agora são quem mesmo? E por aí afora. Um quase deserto, com as exceções de praxe como os nossos Cristovão Tezza na literatura e João Manoel Simões na poesia.
O Brasil, independentemente de posições ideológicas, teve grandes oradores parlamentares capazes de mobilizar as massas e moldar o pensamento das elites: Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda, Leonel Brizola, Adauto Lucio Cardoso, Bento Munhoz da Rocha. Quais são os grandes oradores e líderes do parlamento brasileiro hoje?
Antes que se apele para o simplismo de achar que minha opinião seja um ressentimento da elite contra a cultura das “camadas populares”: Noel Rosa e Silvio Caldas não pertenciam à elite, Chico Buarque sim; Bento Munhoz da Rocha era do patriciado paranaense, Leonel Brizola era filho órfão de pai de uma trabalhadora. Trata-se, pura e simplesmente, de uma valorização sistemática do vulgar e do ordinário em detrimento da qualidade estéstica. Hoje em dia se lê pouco, se ouve mal e se escreve menos e se escreve mal. Infelizmente, isso é glorificado como sinal de uma sociedade moderna, midiática, imediatista e essencialmente de massa que não honra a língua portuguesa e, portanto, a despreza em favor do “falar popular” do “nós vai, nóis quer”, dos emoticons e das abreviaturas.
Parafraseando Vinicius de Moraes, que me perdoem os críticos, mas a beleza da língua é fundamental até para brigar com namorados e amantes. Que é mais bonito? Receber um fora do amado ou da amada como a Isaurinha Garcia, que “quando o carteiro chegou e meu nome gritou com sua carta na mão” descobriu que ele estava “farto” dela; ou um e-mail determinando “Fui. Delete meu nome do seu mailbox e me tire do seu Facebook. ass. Fulano (ou Fulana)”?
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