O GLOBO - 26/05
O Christopher Hitchens escreveu certa vez que se fizera uma promessa: não leria mais nada escrito pelo Henry Kissinger até que fossem publicadas suas cartas da prisão. Hitchens morreu sem realizar seu desejo. Kissinger está fazendo 90 anos esta semana e nunca foi preso ou sequer indiciado pela sua participação em alguns dos maiores crimes do século passado. Foi ele quem trouxe a palavra “realpolitik” do alemão de Bismark para o vocabulário da política moderna e como secretário de Estado e conselheiro de governos americanos foi o responsável pelo bombardeio semiclandestino do Cambodia durante a Guerra do Vietnã e o apoio mal disfarçado ao golpe e ao regime assassino do
Pinochet no Chile, entre outros exemplos de pragmatismo amoral que custaram milhares de vidas. Ele foi
o modelo para o Dr. Strangelove do filme do Kubrick, interpretado pelo Peter Sellers com seu sotaque alemão intacto.
Mas Kissinger chega aos 90 anos honrado e – na medida em que o Barack Obama tem se mostrado ser também um pragmático em matéria de política externa – até reabilitado entre os que antes o criticavam. Já se disse que quem sentar no terraço do café Les Deux Magots por um tempo indeterminado mais cedo ou mais tarde verá passar pela calçada toda a humanidade. O mesmo exagero pode ser aplicado ao tratamento dado pela história aos seus vilões mais notórios, que ela cedo ou tarde absolverá ou no mínimo justificará. Átila, o Flagelo de Deus, trouxe uma cultura exótica, até então desconhecida, às margens do Danúbio. Hitler, digam o que disserem, acabou com a maior inflação do mundo e uniu o povo alemão. Na Itália de Mussolini pela primeira vez os trens andaram no horário. Calígula e Ricardo III foram dois incompreendidos, só eram um pouco celerados. E quem nos assegura que as mulheres do Barba Azul não eram mesmo insuportáveis?
No caso de Kissinger a historia dirá, quando a poeira do tempo baixar e permitir uma visão mais clara do seu pragmatismo, que ele não foi totalmente letal. Foi ele que arquitetou o encontro, antes impensável, do Nixon com o Mao e uma reavaliação da China Comunista como potência, pelo Ocidente, que mudou a geopolítica e evitou, ou pelo menos adiou, o enfrentamento. Credita-se às suas reuniões secretas com os vietnamitas do Norte o encurtamento da guerra que já tinha matado milhares. As vidas salvas por Henry Kissinger com suas maquinações escondidas não foram tantas quanto as vidas destruídas pelo Dr. Strangelove. Mas talvez tenha dado empate.
Um comentário:
E do Fidel, nada?
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