O GLOBO - 26/05
O governo aprova um orçamento inflado, parte de premissas de crescimento econômico que não se realizam. O Congresso eleva essas previsões de arrecadação para incluir as emendas dos parlamentares. Há
um momento no ano em que os ministros do Planejamento e da Fazenda juntos anunciam os cortes — ou contingenciamentos. O que tudo isso significa? Pouca coisa.
As emendas são incluídas pelos parlamentares para mostrar para as suas bases que estão trabalhando, embora não pareça, e o governo as corta para dar a impressão de austeridade. Em momento de necessidade, o governo pode usar isso como parte da negociação política da liberação. Semana passada, foi encenado esse teatro mais uma vez. Ele é velho, mas o que era antes um fato excepcional, uma exceção, virou o hábito. A imprensa registrou este ano que o governo “contingenciou” metade do que no ano passado. Está, portanto, mais gastador.
O economista Mansueto de Almeida diz que o mecanismo de contingenciamento não permite dizer se o governo está sendo mais ou menos econômico:
— Tanto é que o gasto público do Brasil aumenta desde sempre, apesar da prática corrente do contingenciamento anual. O que arriscaria a dizer é que desta vez há mais uma prova de que o governo está mesmo abrindo as torneiras.
Sobre a antiguidade do instrumento de nome esquisito que, na prática, significa deixar em reserva parte do que o governo está autorizado a gastar, a leitura indicada é a das páginas 145-147 do livro “As Leis Secretas da Economia”, de Gustavo Franco. Ele lembra que, em um diálogo público entre o poeta Carlos Drummond de Andrade e o economista Eugênio Gudin, a estranha palavra foi o tema central. “Com o intuito de exaltar a prosa de
boa qualidade de Gudin, o poeta debruçou-se sobre um texto de uma portaria interministerial em que havia a expressão ‘operacionalização do contingenciamento’ e exclamou: que bicho é esse, evadido de que reserva léxica?”
Assim é o economês com o qual os brasileiros já se acostumaram. Gudin respondeu ao poeta: “Nem tudo pode
ser claro, um pouco de confusão talvez seja bom no caso.” Esse velho diálogo serve perfeitamente para o momento atual. Porque ninguém está interessado em ser claro, do contrário o governo não garantiria que vai cumprir o superávit de R$ 155 bilhões ou 3,1% do PIB. Ele sabe que não vai cumprir. Vai descontar os investimentos que forem feitos no PAC, não vai compensar com recursos federais a frustração da meta fiscal dos estados, e ainda vai descontar as desonerações. Essa última decisão é realmente notável.
O governo desonerou, ou seja, autorizou empresários a não pagarem alguns impostos. Logo, o dinheiro não vai entrar nos cofres públicos. Mas essa não receita será considerada receita. Na hora de fazer a conta das despesas e receitas ele não vai descontar esse dinheiro que receberia e não recebeu. Ou seja, é preferível mesmo que bichos evadidos de reservas léxicas exógenas ocupem o diálogo econômico, porque a confusão é providencial.
Por que o governo não faz simplesmente um orçamento mais realista, já negociando as emendas de parlamentares que são de bons projetos e assim aprova o que de fato será executado? Mansueto explica que isso tiraria do governo poder de barganha e aumentaria a transparência da formação da base aliada, a quem ele atende e a quem não atende. A confusão, portanto, é deliberada.
— Quando o governo faz contingenciamento do Orçamento e libera recursos apenas nos últimos dois meses, não há mais tempo hábil para ser executada a despesa e tudo se transforma nos “restos a pagar” — diz o economista.
Assim, quando o ano começa, o governo já tem “restos a pagar”. Se ele for executar tudo e mais o que estiver orçando para aquele período, não haverá dinheiro que chegue:
— Neste ano, o investimento aprovado do Orçamento Geral da União foi por volta de R$ 82 bilhões, mas já havia inscrito como restos a pagar algo próximo de R$ 67 bilhões. Como o contingenciamento foi de apenas R$ 28 bilhões, o governo apenas cortou uma parte do que ele não terá capacidade de executar.
Todos os governos contingenciam e deixam restos a pagar. Mas este ainda faz malabarismos para que os números não pareçam com o que realmente são. O ideal mesmo é que nada nesse léxico seja claro..
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