Este é um momento delicado e difícil do julgamento da Ação Penal 470. Há várias armadilhas nas quais se pode entrar e que anularão o trabalho feito até agora. É preciso garantir todo o direito à defesa, mas bloquear as infinitas possibilidades de protelação. Não é por outra razão que há tanto estresse institucional e ameaças ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério Público.
Pode acontecer um desfecho melancólico de toda a Ação que mobilizou o país, por quebrar o velho princípio de que aos poderosos não se aplica a lei. Nada está garantido ainda. O Supremo precisa ter a firmeza necessária para essa travessia no estreito caminho entre dois fogos. Não garantir a defesa dos réus será inaceitável, permitir as artimanhas da defesa será mostrar uma fraqueza que destruirá o processo.
Ao fim do período de análise do acórdão, vai se estruturar a defesa, e ela tem vários caminhos. Os embargos infringentes são os mais perigosos e os mais controversos. Eles são recursos através dos quais se pode praticamente refazer o julgamento da causa.
O problema é que eles existiam no regimento interno do Supremo na velha Constituição. O Supremo tinha o poder de legislar sobre seu próprio processo. Mas na nova legislação isso não seria mais possível, sustentam juristas. A Lei 8.038, que regulamenta todo o processo nos tribunais, não previu embargos infringentes, então, teoricamente, ele é um recurso que não pode ser usado. Se o Supremo Tribunal Federal os aceitar, o risco é de ocorrer praticamente um reinício do julgamento.
Há também os embargos de declaração, que são menos abrangentes porque esclarecem um ponto que ficou obscuro, uma contradição, um detalhe do acórdão. Eles são menos amplos, é mais fácil apreciá-los. O problema é que eles podem se multiplicar, e o Supremo, perder-se num labirinto de embargos ou ficar soterrado por eles. Nesse caso, a situação fugiria ao controle. A Justiça ficaria por anos a fio julgando a mesma ação.
O único caminho será o Supremo julgar os primeiros embargos de forma mais firme e rápida possível e determinar o cumprimento imediato das decisões já tomadas pelo tribunal, sem prejuízos de novos embargos. Os réus já estão condenados a penas de prisão, em regime aberto ou fechado, ou perda de mandato. Mas o tempo e a forma de reagir às armadilhas da defesa neste momento dirão se valerá o que foi escrito ao longo do processo.
Garantir todos os direitos dos condenados é uma obrigação no Estado de Direito. Por outro lado, a sociedade também tem direitos a serem respeitados: o que os juristas chamam de "efetividade da tutela penal", ou seja, a certeza de que aqueles que transgridem sejam punidos.
O caso do mensalão é emblemático por tudo o que ele foi até agora, por tudo o que se caminhou. A sociedade brasileira conseguiu romper com tradições que criavam duas classes de criminosos: os que podiam e os que não podiam ser julgados e condenados. Sobre os poderosos, nenhuma pena recaía. Sobre os fracos, a pena sempre foi aplicada com toda a sua força.
Por isso a importância desse caso vai além dele mesmo. E esse é o momento mais delicado: o de fazer cumprir o que foi determinado pelo Supremo. Os condenados têm a seu favor um batalhão de advogados, entre eles alguns dos mais brilhantes do Brasil, que conhecem todos os caminhos - e principalmente os descaminhos - da sistemática processual brasileira. Se o STF ficar perdido nas armadilhas do processo penal brasileiro, as penas jamais serão cumpridas. Não haverá um momento em que não restará nenhum recurso. Se for esperar esse momento, ele não chegará. Os embargos de declaração podem ser interpostos uns sobre outros e daqui a alguns anos estar lá o STF julgando o quarto ou o quinto embargo. Será o processo sem fim.
O Supremo mostrará equilíbrio se garantir tanto o direito aos réus quanto o direito da sociedade de ver a decisão efetivamente cumprida. Neste momento, o Congresso ameaça o Supremo de rebaixamento institucional, e o Ministério Público é ameaçado de perder seu poder de investigação. Nada disso é por acaso. O estresse institucional que o Brasil vive é parte do mesmo evento que pela importância que tem pode quebrar paradigmas ou confirmar velhos defeitos do país.
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