Fosse ele ainda vivo, talvez até mesmo J. Edgar Hoover, o patrono e chefão do FBI de seis presidentes dos Estados Unidos, se surpreenderia com o curso que o caso do atentado de Boston vem tomando.
Hoover, que reinou à frente da polícia federal americana por 37 anos (de 1935 a 1972), com empenho especial no combate a inimigos reais ou imaginários, também estava a postos na mais famosa sexta-feira de meio século atrás. Mais precisamente, na sexta-feira 22 de novembro de 1963. Data indelével para qualquer bípede de qualquer país que naquele dia ouviu a notícia do assassinato, em Dallas, Texas, do jovem presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy .
O crime, que este ano completa 50 anos e promete uma enxurrada de eventos comemorativos, paralisou o país de comoção e horror, mas não de medo. E revelou um culpado, Lee Harvey Oswald, capturado no mesmo dia pelo FBI, e assassinado dois dias depois ao ser transferido para uma prisão. Naqueles tempos de Guerra Fria, seu perfil teria tudo para fazer dele um pária social, um inimigo da pátria. Mas até à morte de Kennedy, ele viveu sem ser incomodado.
Imagine-se os irmãos terroristas Tsarnaev, do atentado de Boston, com uma biografia semelhante à que Lee Oswald ostentava publicamente em plena era Hoover: fuzileiro naval que desertou, aos 19 anos, para o pior dos inimigos do país, a então União Soviética. O próprio regime comunista de Nikita Kruchev parece ter ficado perplexo. Deu-lhe asilo e acomodou-o na aprazível cidade de Minsk, mas manteve-o sob vigilância permanente. O furo numa das paredes de seu apartamento e um miniolho mágico clandestino instalado à época são mostrados até hoje a turistas ou jornalistas interessados na história.
Em 1962, depois de dois anos e meio de vida no socialismo soviético, Oswald cansou e decidiu voltar para casa. Requereu - e obteve - novo passaporte americano, desembarcou nos Estados Unidos com uma esposa e filha russas e instalou-se em Dallas.
Dali em diante passou a ficar sob o radar do FBI de Hoover como comunista declarado, possível espião e alcoólatra. Mas não como assassino em potencial. Sua ficha não sofreu alteração sequer quando ele viajou até o México e fez duas visitas ao consulado de Cuba (o que equivaleria, hoje em dia, a um americano frequentar alguma caverna da al-Qaeda no Afeganistão).
Compare-se esse périplo à ainda incompleta revelação de que Tamerlan Tsarnaev, tido como o cabeça dos irmãos terroristas de Boston, passara a metade de 2012 na Chechênia e no Daguestão, terras onde tinha raízes e onde pode, ou não, ter recebido doutrinamento militante. A notícia foi recebida como verdadeiro escândalo.
"Ele aprendeu algo no lugar para onde viajou e retornou [aos Estados Unidos] com a determinação de matar", proclamou John Kerry, o secretário de Estado americano, sugerindo uma contaminação direta que nenhum dos serviços de inteligência ainda conseguiu comprovar.
Rand Paul, o mesmo senador que no mês passado ocupou a tribuna por 13 horas para exigir do novo secretário da Defesa do governo Barack Obama a promessa de jamais usar aviões não tripulados contra cidadãos americanos em solo doméstico, declarou-se a favor do uso de drones para localizar "um assassino solto na vizinhança". E Greg Ball, deputado republicano de Nova York, um dos estados mais liberais do país, sentiu-se à vontade para indagar: "Por que não recorrer à tortura contra esse indivíduo [Dzhokhar Tsarnaev] para salvar mais vidas?"
Cabe registrar que meio século atrás poucos americanos clamaram por uma vigilância maior dos serviços de inteligência, pelo fato de Lee Oswald ter escapulido do radar de Hoover. Hoje, a exigência é por controle máximo - o FBI jamais poderia ter abandonado a vigilância a Tamerlan, mesmo depois de não ter constatado sinais de ameaça real.
Decorridas duas semanas desde o horrendo atentado, sabe-se que muitas das informações fornecidas em meio à dinâmica dos acontecimentos continham imprecisões e erros, o que é compreensível. Outras revelaram-se desprovidas de qualquer fundamento, induzindo conspiromaníacos a conclusões perigosas e apressadas.
Em algum momento, questões cruciais, como o alegado plano dos irmãos de também explodir Times Square, a "troca de tiros" com o caçula desarmado, o "armamento pesado" que era uma única pistola e outras incongruências, precisarão ser esclarecidas.
Mais incerta é a eficácia da resposta dada pelas autoridades ao atentado. A polícia de Boston, as forças especiais e as equipes do FBI que optaram por lacrar a cidade, manter cativos seus residentes, com a anuência deles, transformar a metrópole numa estrutura-fantasma e paralisar a vida urbana para caçar um terrorista fugitivo que estava a pé pode ter sido um tiro no pé: eficaz na aparência e a curto prazo, difícil de sustentar como política. Além de semear ideias de megalomania em candidatos a terroristas malucos.
Como se sabe, o objetivo de um ato terrorista é aterrorizar o maior número de pessoas. O antídoto mais eficaz, portanto, tende a se alterar o mínimo possível a rotina do menor número possível de cidadãos. No horrendo atentado múltiplo em vários locais de Londres, oito anos atrás, com 52 mortos e mais de 700 feridos, a cidade continuou funcionando embora a polícia acreditasse que os terroristas ainda estivessem vivos (eles explodiram junto com as bombas).
O jornalista israelense Yaakov Katz, que no dia do atentado se encontrava em Cambridge, um dos pontos centrais da caçada aos irmãos terroristas, escreveu: "Qual a mensagem que os Estados Unidos querem passar ao paralisar Boston?... [assim] um único terrorista consegue alterar tantas vidas e possivelmente o mais importante - o jeito americano de viver."
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