O GLOBO - 16/03
Não há razão para expandir a estrutura urbana do Rio enquanto bairros tradicionais da Zona Norte sobrevivem à míngua pela falta de investimentos públicos e privados
Desde os tempos mais remotos se observa a preocupação em tornar as sociedades mais justas e mais humanas. Alguns modelos de cidade foram idealizados com esses objetivos. O conceito de “Cidade Jardim” proposto em 1902 por Ebenezer Howard, as teorias modernistas de Le Corbusier reunidas no livro “Urbanismo” em 1925 e a “Broadacre City” apresentada por Frank Lloyd Wright em 1932, são alguns exemplos paradigmáticos.
No Brasil, foram poucas as cidades planejadas sob a influência desses princípios. Brasília foi, sem dúvida, a que mais se destacou como representação do modelo de urbanismo modernista do século XX. Concebida inicialmente para ser uma cidade igualitária viu esse ideal sucumbir diante da proliferação, em seu entorno, de cidades satélites constituídas pela população excluída do seu núcleo central. O fracasso dos objetivos desse e de outros projetos modernistas revelou aos arquitetos e à sociedade o fim da cidade ideal e a valorização da cidade possível, isto é, aquela com a qual estamos habituados a conviver.
A história nos mostra que as cidades não são como maquetes feitas para serem vistas de cima e na sua totalidade. Para se conhecer uma cidade é necessário andar por suas ruas, apreciar as suas particularidades, conviver com as suas gentes e admitir os seus contrastes e as diferenças. Afinal, como afirma Italo Calvino em seu livro “Cidades Invisíveis”, “de uma cidade não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas”. Quanto mais circulamos pelos seus espaços diferenciados maiores serão as probabilidades para refletir e entender os seus verdadeiros significados. Pessoas que vivem exclusivamente em ambientes socialmente restritos dificilmente poderão compreender a verdadeira dinâmica urbana de uma cidade.
Além das questões das desigualdades sociais, dos problemas de mobilidade urbana e de preservação do meio ambiente, as cidades contemporâneas enfrentam, nos dias de hoje, muitas outras dificuldades. Nas cidades europeias sobressai a problemática dos imigrantes que vivem em condições precárias em redutos pobres localizados nas suas periferias. No Oriente Médio, os espaços públicos costumam ser ocupados por populações marginalizadas que nascem, vivem e morrem nas ruas, como se observa na Índia. Na China, proliferam, em velocidade espantosa, cidades com cerca de 30 milhões de habitantes, ou seja, mais do que o dobro da população da cidade de São Paulo.
O Rio, apesar de todos os malfeitos praticados contra a cidade ao longo do tempo, sobrevive estoicamente graças à sua fantástica beleza natural e ao espírito fraternal do carioca. Se os programas de pacificação e urbanização de favelas se consolidarem como política de Estado não há dúvida de que a desejada integração social no espaço urbano será alcançada definitivamente. Lamenta-se, no entanto, o isolamento de alguns que preferem restringir o convívio, exclusivamente, aos espaços fechados dos condomínios residenciais e dos shoppings centers.
É fundamental que esse processo de integração social e espacial alcance toda a cidade. Nesse sentido, não há razão para expandir desnecessariamente a sua estrutura urbana enquanto bairros tradicionais da Zona Norte sobrevivem à míngua pela falta de investimentos públicos e privados. Como a população do Rio praticamente não cresce, verifica-se que a extraordinária oferta de imóveis na região da Barra e do Recreio se deve, em parte, à demanda dos moradores dos subúrbios que para lá se mudam deixando para trás inúmeros imóveis desocupados e espaços urbanos degradados. Basta percorrer o curto trajeto entre o Maracanã e o Engenhão para constatar essa triste realidade. Se os órgãos responsáveis pelo planejamento da cidade não reverterem essa tendência expansionista, em curto prazo, dificilmente haverá projeto futuro que dará jeito nas consequências desastrosas dessa política urbana equivocada.
Em tempo, pergunto até quando o IPHAN irá tolerar aquela profusão de coberturas em plástico transparente formando os indefectíveis “puxadinhos” que degradam o conjunto arquitetônico do Museu de Arte Moderna?
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