O Brasil se move lento demais. O ritmo aflige quem sonha, há muito tempo, com um país mais civilizado. Ontem, 37 anos depois, foi finalmente entregue a certidão de óbito de Vladimir Herzog sem a mentira imposta pelos militares. Hora da morte não se sabe, mas agora está lá o local, II Exército, e a causa, “lesões e maus tratos”. Por que o Brasil precisou esperar tanto?
Muita gente fez a coisa certa para que o momento de ontem chegasse, mas ninguém fez mais que Clarice. Com 34 anos, viúva, dois filhos, decidiu enfrentar o regime nos terríveis anos 70. Conseguiu em 1978 que a União fosse responsabilizada, numa sentença inédita dada pelo corajoso e jovem juiz Márcio de Moraes.
“Obrigado mãe pelos seus valores e princípios inegociáveis” e “por ter cuidado tão bem de todos nós em momentos tão difíceis da sua vida”, disse Ivo para a mãe, Clarice. A música de Aldir Blanc e João Bosco, cantada por Elis, dizia: “Choram marias e clarices no solo do Brasil”. Era dela que se falava.
Hoje, o Instituto Vladimir Herzog, sob o comando de Ivo, tem belos planos para o Brasil na defesa de direitos humanos, no resgate da história e na proteção dos jornalistas.
Uma névoa ainda encobre os fatos que levaram à morte do jornalista naquele 25 de outubro de 1975. Uma campanha contra o jornalismo da TV Cultura começou um pouco antes de Vladimir ser preso. Uma das vozes era do deputado José Maria Marin. Em aparte ao deputado Wadih Helu, num discurso contra os jornalistas, Marin pediu: “É preciso mais do que nunca uma providência para que a tranquilidade volte a reinar nos lares paulistanos.”
O lar dos Herzog foi, duas semanas depois, atingido pela prisão e morte de Vladimir. Agora, tudo o que há é uma certidão de óbito com a verdadeira causa da morte. E José Maria Marin é presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Esta semana, Marin usou o site da CBF para se defender. Disse que lembrar esses fatos é uma tentativa de conturbar “as atividades do futebol brasileiro”. O Futebol não é Marin. Ele devia responder por seus atos fora da CBF. É um espanto como o Brasil é arcaico às vezes.
Há muito o que ser louvado nos esforços da Comissão da Verdade e nas reportagens que têm iluminado parte desse tempo obscuro. Mas, tudo somado, é pouco, e o ritmo, muito lento.
A Fortaleza de São João é um prédio lindo, construído em 1565, na fundação da cidade do Rio de Janeiro. Fica no sopé do Pão de Açúcar. Fui lá esta semana entrevistar a almirante Dalva, a primeira oficial general do Brasil. Ela entrou na Marinha e logo depois engravidou. Nem ela esperava e muito menos a Marinha:
— Foi uma surpresa para todos e a gente não sabia como lidar. E outras três apareceram grávidas.
A Marinha adaptou o uniforme fazendo batas de grávidas e as quatro se formaram exibindo orgulhosamente suas barrigas. Até um berçário para que elas amamentassem foi providenciado. Mas a Força não permite até hoje que mulheres entrem para o coração da carreira, que passa pela Escola Naval e leva ao comando.
Quando ela ingressou, em abril 1981, o pior da ditadura havia passado, mas se recusava a ir embora. Tanto que dias depois houve o atentado do Riocentro.
Perguntei sobre a Comissão da Verdade, um assunto que os militares enfrentam com desconforto. Ela falou:
— A Marinha é legalista e cumprirá a lei e a vontade da nossa comandante em chefe. Eu, pessoalmente, sou a favor de que as verdades sejam sempre ditas.
Os avanços acontecem no Brasil, mas muito devagar. Ontem, um pedaço da verdade foi dita. Mas muito está encoberto. A esperança ainda tem que se equilibrar.
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