FOLHA DE SP - 16/03
Desonerações tributárias têm efeito provisório sobre o nível de preços. Somente com a elevação dos juros é possível controlar a inflação.
Antes de elaborar, deixe-me apresentar alguns "caveats" teóricos. Depois analisarei impactos econômicos e quantificarei minha conclusão.
Mas, antecipando, obtenho que a folga fiscal do governo é tão grande que é possível postergar a elevação de juros para após as eleições sem deixar a inflação furar o teto da banda, de 6,5%.
Ao responder a pergunta da Folha, decidi assumir que ela se refere ao momento em que vivemos, com as políticas econômica e monetária atualmente presentes no Brasil. Se estivéssemos sob um regime de câmbio fixo, em que os juros flutuam livremente, o controle inflacionário se daria pelo câmbio.
Mesmo no regime de metas inflacionárias atualmente em operação, é possível fazer alguns truques monetários para substituir a alta nos juros. Por exemplo, elevações nos compulsórios bancários, controles sobre prazos e modalidades de crédito ou outras formas de indiretamente controlar a inflação. Mas, na prática, elas causam uma elevação nos juros ao tomador de empréstimo, ainda que a Selic fique parada.
Mas considerei que essas possibilidades não são formas válidas ou pelo menos não as que interessam na atualidade.
A verdadeira questão é se o governo pode controlar a inflação por meio das desonerações. Como um corte de impostos afeta a inflação?
O primeiro impacto de uma desoneração é relativamente óbvio. É pontual, rápido e reduz a inflação. Com menos impostos sobre o produtor, o custo de um bem ou serviço fica menor. Parte disso é repassado ao consumidor. É claro que os produtores gostariam de usar o evento para simplesmente aumentar suas margens de lucro. Mas a competição no mercado e a própria demanda dos consumidores fazem com que boa parte de uma desoneração seja passada para os preços finais.
O segundo efeito de uma desoneração vai em sentido oposto. Atua a longo prazo e eleva a inflação. Equivale a uma expansão fiscal, causada pela redução de impostos. Quando o governo gasta mais ou, alternativamente, reduz a quantidade de recursos que está tirando do setor privado, ele está estimulando a economia por meio de um impulso fiscal. O impacto disso é bem conhecido: a demanda aumenta e os preços sobem. O difícil é mensurar esse impacto, saber quando ele ocorre e em quanto ele eleva a inflação.
Uma particularidade desse segundo efeito é que ele é permanente, isto é, ele continua elevando a inflação para sempre. A razão é um pouco técnica. A piora no superavit primário ocorre só uma vez, mas há um efeito sobre a dívida e os juros que persiste com o tempo. O governo continua transferindo recursos para o setor privado, pois paga cada vez mais juros.
Embora pouco intuitivo, esse efeito é quantitativamente relevante mesmo no Brasil, em que somente uma minoria dos consumidores detém dívida pública.
Para quantificar os efeitos de uma desoneração, utilizei um modelo computacional que simula as atitudes de famílias e firmas que reagem inteligentemente a choques.
Por meio de uma desoneração típica, o governo pode gerar uma redução instantânea de 0,5% na inflação, mas piora o resultado fiscal em 0,5% do PIB. Aos poucos, o efeito desinflacionário desaparece e o governo tem de recorrer a outra desoneração. Contudo, eu obtive que isso só é necessário depois de alguns trimestres.
Dessa forma, recorrendo repetidamente a esse truque, é possível manter tanto a inflação como a dívida pública controladas, ao menos até a próxima eleição. Depois disso, a elevação dos juros ficaria mesmo inevitável.
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