O GLOBO - 16/03
A Igreja foi buscar um papa quase no fim do mundo, comentou ironicamente o escolhido.
É o primeiro não europeu em mais de 1.200 anos. Para dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB, a escolha de um latino-americano mostra que a Igreja já não se volta só para a Europa e está disposta à renovação.
Outras instituições ainda não deram passos semelhantes - continuam presas a convenções de um mundo eurocêntrico que não mais existe.
Faço parte, leitor, de outro tipo de conclave ou cúria: a diretoria executiva do FMI, que tradicionalmente cuida de disseminar e garantir a sobrevivência de uma teologia econômico-financeira - às vezes mais nociva do que a teologia propriamente dita. As teologias mais insidiosas são as que se dão ares de "ciência".
O processo de reforma e "deseuropeização" do FMI tem longo caminho a percorrer. O cargo mais importante no Fundo, o de diretor-gerente, é por tradição sempre ocupado por um europeu, atualmente pela francesa Christine Lagarde.
Como ela é a primeira mulher no cargo, a sua eleição em 2011 foi muito badalada. A primeira mulher, mas o décimo primeiro europeu. Nacionalidade pesa mais do que gênero. Regra geral, os diretores gerentes europeus trabalham com afinco para preservar os privilégios da Europa na instituição. A sra.
Lagarde não foge à regra.
Não é por acaso que os europeus se empenham em manter o controle do cargo, juntando-se sempre aos americanos para assegurar a continuação da prática anacrônica que reserva a posição de diretor- gerente do FMI a um europeu e a de presidente do Banco Mundial a um cidadão dos Estados Unidos.
Em suma, o FMI e o Banco Mundial estão mais atrasados do que a Igreja Católica.
Ao quebrar uma tradição e escolher um não europeu, a Igreja indicou que está aberta ao mundo. As instituições de Bretton Woods precisam seguir o exemplo.
Mas essas questões são em última análise secundárias. Do ponto de vista do Evangelho, do cristianismo originário, nada disso importa. "O meu reino não é deste mundo", disse Cristo em réplica a Pilatos - resposta tão citada quanto difícil de compreender no sentido mais forte da palavra, não só com a cabeça, mas com o coração.
O que significa "reino dos céus"? Quem deu a explicação mais interessante e - por que não dizer? - mais delicada e comovente talvez tenha sido, paradoxalmente, um anticristão, Friedrich Nietzsche.
O "reino dos céus", escreveu Nietzsche, é "um estado do coração" - não algo que está "acima da terra" ou que vem "depois da morte". O próprio conceito de morte natural está ausente do Evangelho. A "hora da morte" não é uma noção cristã - a "hora", o tempo, a vida física e suas crises sequer existem para o pregador da "boa nova", sustenta Nietzsche. O "reino de Deus" não é algo que se aguarde, não tem ontem nem depois de amanhã, não virá em "mil anos" - é a experiência de um coração; está em toda parte, não está em parte alguma... ("O Anticristo", 1888).
É o primeiro não europeu em mais de 1.200 anos. Para dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB, a escolha de um latino-americano mostra que a Igreja já não se volta só para a Europa e está disposta à renovação.
Outras instituições ainda não deram passos semelhantes - continuam presas a convenções de um mundo eurocêntrico que não mais existe.
Faço parte, leitor, de outro tipo de conclave ou cúria: a diretoria executiva do FMI, que tradicionalmente cuida de disseminar e garantir a sobrevivência de uma teologia econômico-financeira - às vezes mais nociva do que a teologia propriamente dita. As teologias mais insidiosas são as que se dão ares de "ciência".
O processo de reforma e "deseuropeização" do FMI tem longo caminho a percorrer. O cargo mais importante no Fundo, o de diretor-gerente, é por tradição sempre ocupado por um europeu, atualmente pela francesa Christine Lagarde.
Como ela é a primeira mulher no cargo, a sua eleição em 2011 foi muito badalada. A primeira mulher, mas o décimo primeiro europeu. Nacionalidade pesa mais do que gênero. Regra geral, os diretores gerentes europeus trabalham com afinco para preservar os privilégios da Europa na instituição. A sra.
Lagarde não foge à regra.
Não é por acaso que os europeus se empenham em manter o controle do cargo, juntando-se sempre aos americanos para assegurar a continuação da prática anacrônica que reserva a posição de diretor- gerente do FMI a um europeu e a de presidente do Banco Mundial a um cidadão dos Estados Unidos.
Em suma, o FMI e o Banco Mundial estão mais atrasados do que a Igreja Católica.
Ao quebrar uma tradição e escolher um não europeu, a Igreja indicou que está aberta ao mundo. As instituições de Bretton Woods precisam seguir o exemplo.
Mas essas questões são em última análise secundárias. Do ponto de vista do Evangelho, do cristianismo originário, nada disso importa. "O meu reino não é deste mundo", disse Cristo em réplica a Pilatos - resposta tão citada quanto difícil de compreender no sentido mais forte da palavra, não só com a cabeça, mas com o coração.
O que significa "reino dos céus"? Quem deu a explicação mais interessante e - por que não dizer? - mais delicada e comovente talvez tenha sido, paradoxalmente, um anticristão, Friedrich Nietzsche.
O "reino dos céus", escreveu Nietzsche, é "um estado do coração" - não algo que está "acima da terra" ou que vem "depois da morte". O próprio conceito de morte natural está ausente do Evangelho. A "hora da morte" não é uma noção cristã - a "hora", o tempo, a vida física e suas crises sequer existem para o pregador da "boa nova", sustenta Nietzsche. O "reino de Deus" não é algo que se aguarde, não tem ontem nem depois de amanhã, não virá em "mil anos" - é a experiência de um coração; está em toda parte, não está em parte alguma... ("O Anticristo", 1888).
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