Uma excelente iniciativa para melhorar a educação superior e aumentar a inserção brasileira no cenário mundial, o Ciência sem Fronteiras patina na questão da proficiência em língua estrangeira de muitos candidatos. O programa “prevê a utilização de até 101 mil bolsas em quatro anos para promover intercâmbio, de forma que alunos de graduação e pós-graduação façam estágio no exterior, com a finalidade de manter contato com sistemas educacionais competitivos em relação à tecnologia e inovação”.
Ao constatar o problema, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), gestores do programa, adotaram duas medidas. Uma é perfeitamente razoável: criar cursos de inglês, presenciais e a distância, em convênio com universidades brasileiras e estrangeiras, para auxiliar os candidatos a atingir o nível mínimo de proficiência. Outra, fantasiosa e voluntarista, é “flexibilizar” os critérios de avaliação desse item para obtenção das bolsas.
Enquanto isso ocorre, o jornal Financial Times informa que a ministra do Interior da Inglaterra quer dificultar os vistos para brasileiros, por preocupação com o excesso de participação de nossos estudantes em programas ingleses. Aparentemente, embora não explicitamente, essa inquietação poderia se dever ao risco de decréscimo de qualidade de seu próprio processo educativo.
O genial Mané Garrincha definiu exemplarmente a questão. Ao ser orientado, detalhadamente, sobre o que deveria fazer para vencer determinado jogo importante, perguntou ao técnico: “E o senhor já combinou com os adversários?” É a pergunta mais séria a ser feita sobre o rebaixamento de nível de exigências quanto ao conhecimento de idiomas.
O inglês básico que muitos brasileiros utilizam é suficiente para fazer compras, pedir informações, manter algumas conversas, mas está muito longe do necessário para atividades acadêmicas e profissionais. Quem vai combinar com os ingleses, chineses, americanos e franceses que o “inglês social” de nossos estudantes de intercâmbio é inteligível, claro, preciso? E quem vai combinar com seus professores estrangeiros que as aulas devem ser ministradas em ritmo e nível adequados a iniciantes no idioma? Para não falar dos livros-texto e a comunicação com os próprios colegas, além de um domínio razoável da cultura local, indispensável para uma estada proveitosa.
Pretender configurar tal decisão – de reduzir a exigência de fluência em outros idiomas – como se constituindo em ação de justiça com aqueles que não tiveram oportunidade de estudá-los desde cedo é ofensivo: primeiro, aos muitos milhares de brasileiros que, às vezes com enorme esforço, superaram essa dificuldade; e, em seguida, à lógica mais básica, que recomenda a melhoria do padrão de ensino desde os primeiros anos escolares para todos, inclusive quanto à língua pátria e às estrangeiras.
O avanço nas áreas científicas, humanas, econômicas e artísticas depende explicitamente de que pesquisadores e alunos entendam e se façam entender perfeitamente desde o início de suas atividades. Confiar que, uma vez no país estrangeiro, aprenderão “na escola das ruas” é, no mínimo, um desrespeito total ao sistema educacional quando, em lugar de melhorá-lo, simplesmente se diminuem suas expectativas.
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