O ESTADO DE S. PAULO - 30/03
Nós fizemos a Itália, agora precisamos fazer os italianos", diz um adágio antigo.Hoje, nós fizemos o euro e a crise do euro está desfazendo os europeus. Pessoas que se sentiam entusiasticamente europeias dez anos atrás estão revertendo para estereótipos nacionais irados.
"Hitler-Merkel!" dizia um cartaz carregado por jovens manifestantes cipriotas no começo da semana. Ao lado dessas palavras estava uma imagem da bandeira europeia, suas estrelas amarelas sobre fundo azul agora iradamente cobertas por uma cruz vermelha. Generalizações negativas radicais são ouvidas sobre europeus do "norte" e do "sul", quase como se fossem duas espécies diferentes.
Entretanto, que historiador poderia sustentar a sério que Milão tem mais em comum com Nicósia do que com Nice ou Gênova? Até pró-europeus muito bem formados dizem coisas em público sobre outras nações que uma década atrás não teriam se quer pensado, que dizer expressado.
À medida que partes da Europa se tornam mais anti-alemãs, partes da Alemanha se tornam mais anti-europeias.
Desponta uma espiral viciosa como um tornado numa estrada rural do Meio-oeste americano.
Deveríamos notar com alívio o que não houve - ou, ao menos, não em grande parte e não ainda. Com exceção de partidos neofascistas como o Aurora Dourada na Grécia, a ira europeia não se voltou contra imigrantes, minorias e quintas-colunas reais ou imaginárias.
Os alemães não atribuem a culpa por suas mazelas a judeus apátridas, muçulmanos e maçons; eles a atribuem aos irresponsáveis gregos. Os gregos não atribuem suas mazelas a judeus apátridas, muçulmanos ou maçons; as atribuem aos insensíveis alemães.
Isso é terrivelmente perigoso, porém. Claro, 2013 não é 1913. A Alemanha pode estar tomando as decisões na zona do euro, mas nunca buscou esse lugar ao sol. Nunca foi perguntado ao povo alemão se ele queria abrir mão do marco - a resposta teria sido "não" - e aproximadamente um em cada três deles agora diz que gostaria de voltar a ele. Ao dizerem isso, desconhecem profundamente seus próprios interesses econômicos nacionais, mas isso é outra história.
A UE como um todo é o império mais relutante da história europeia, e a Alemanha é um império relutante dentro desse império relutante.O risco de uma guerra entre Estados na Europa é mínimo. (A analogia com 1913 é mais aplicável à Ásia atual, com a China assumindo o papel da Alemanha Guilhermina).
Existe um perigo real, contudo, de que os laços de afeto e camaradagem essenciais para qualquer comunidade política estejam sendo dilacerados.
Não custa lembrar que, para países como Chipre, o pior ainda está por vir. Eu hesito até em levantar o espectro - "pintar o diabo na parede", como se diz em alemão -, mas, e se algum grego ou cipriota desempregado e mentalmente perturbado resolver atirar num político alemão? Com sorte, o choque esfriaria a retórica superaquecida e uniria todos os europeus. Mas não devemos esperar até ecoar um tiro.
Por que estamos nessa espiral descendente de mútuo ressentimento? Por causa das falhas de desenho básicas do euro, com certeza. Também pelas políticas econômicas equivocadas em alguns dos chamados países periféricos da zona do euro e - mais recentemente-no centro setentrional. (Como já expliquei em outro artigo, o grande problema da política alemã não é o que pede que os outros façam, mas o que ela mesma não faz. Ela deveria ajudar o ajuste em toda a zona do euro aumentando a própria demanda doméstica).
Enquanto isso, cada solução de curto prazo na zona do euro lança as sementes de uma nova crise na zona do euro. Por exemplo,um corte de 50% para detentores de bônus do governo grego, acertado no outono de 2011, ajudou a empurrar bancos cipriotas para o abismo.
Mas a causa mais profunda é o desencontro entre uma área de moeda única e 17 políticas nacionais. As economias são continentais, as políticas ainda são nacionais.Demais amais, essas política são democráticas. Se não estamos em 1913, tampouco estamos na década de 1930. Em vez da "Europa dos ditadores", temos uma Europa de democracias.
Em vez da "revolução permanente" de Trotsky, temos eleições permanentes. Algum líder em algum lugar da Europa está sempre tendo de reajustar o rumo em razão de uma eleição iminente. Neste ano, isso ocorrerá com Angela Merkel, que enfrentará uma eleição geral em setembro. Cada um dos 27 líderes nacionais da UE e 17 da zona do euro pensa primeiro em suas políticas,mídias e pesquisas de opinião nacionais. Por tentador que seja dizer "Fizemos a Europa, agora precisamos fazer os europeus",a verdade é que, nesse sentido, não fizemos a Europa.
O que fazer,então, sobre essas políticas? Um engenhoso professor italiano, Giorgio Basevi, da Universidade de Bolonha, enviou-me uma proposta para aliviar o problema sincronizando eleições nacionais e europeias. É uma ideia brilhante e, claro, sem a menor chance. Digam isso aos eleitorados da Europa! Outros sugerem que o próximo presidente da Comissão Europeia deve ser eleito diretamente, talvez com candidatos nomeados por cada um dos muitos agrupamentos políticos do Parlamento Europeu. Bem, por que não? Mas quem achar que isso fará gregos desempregados e alemães ressentidos se tornaram subitamente calorosos pró-europeus de novo, precisa examinar a própria cabeça.
Por enquanto, simplesmente não há substituto para políticos nacionais enfrentando opiniões públicas nacionais para explicar, em suas próprias linguagens e idiomas nacionais, que - segundo o lugar e as necessidades - os gregos não são todos perdulários irresponsáveis, os alemães não são todos teutônicos insensíveis, e assim por diante. Serão eles que terão de agarrar cada oportunidade para argumentar por que,apesar de estarmos com frio e molhados no barco europeu, estaríamos com mais frio e encharcados dentro da água, E se isso pedir um novo inimigo? Como bode expiatório étnico aceitável para quase todos os europeus continentais, eu geralmente ficaria feliz de sugerir meus excelentes compatriotas, os ingleses. (Estamos acostumados com isso. Podemos aguentar). Mas, seja lá o que mais se queira descarregar nos ingleses, ninguém poderá culpá-los pelas trapalhadas na zona do euro. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
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