O GLOBO - 30/03
Atualmente uma grande empresa é responsável pela sua cadeia produtiva. Assim evoluiu o pensamento corporativo e a atitude do consumidor. A pior desculpa que um setor pode dar, diante de flagrantes de crimes de seus fornecedores, é que não tem poder de polícia. Ninguém pede que uma empresa seja polícia, mas que se negue a comprar de criminoso.
Recebi correspondência da Associação Brasileira de Frigoríficos, assinada pelo presidente Péricles Pessoa Salazar, que diz o oposto do que um setor moderno deve dizer: "Os frigoríficos são empresas do setor privado que não têm poder de polícia para realizar o trabalho que deveria ser atribuído ao setor público. Exigir dos produtores pecuaristas o cumprimento de normas emanadas pelos órgãos ambientais, tais como o de não ter desmatado, não ter trabalho escravo ou ter como origem dos animais a terra indígena, não é função e atribuição das empresas, mas sim das instituições que possuem comando legal para monitorar, controlar e punir aqueles que descumprem a lei".
Resposta errada do senhor Salazar. O que toda empresa está obrigada é procurar saber de quem está comprando o seu produto. Essa desculpa já deveria ter sido abandonada.
É fácil saber a procedência do boi. Há pecuaristas que estão na lista do trabalho escravo do Ministério do Trabalho. Eles ficam com seus nomes lá por dois anos; se não houver novos flagrantes, saem dela.
O frigorífico tem que consultar essa lista. Há outras do Ministério Público, do Ibama, que informam que empresas foram denunciadas por prática de crime como produção em área de conservação e terra indígena. Em 2011, o maior frigorífico, JBS, depois de ter assinado um compromisso com o MP, ONGs e supermercados de não comprar de quem desmatava, foi flagrado fazendo o oposto. Comprou de fazendas em terra dos Marãiwatsede. Foram 3.476 cabeças de gado que, pelo Guia de Transporte Animal, tinham vindo de 34 fazendas embargadas pelo Ibama e em uma delas houve trabalho escravo.
À época, o presidente da empresa, Joesley Batista, me disse o seguinte: "Se eu não comprar o bicho, alguém compra". Deve ter evoluído desde então. Bicho criado em terra que foi grilada de unidade de conservação, área indígena ou em que houve trabalho análogo à escravidão não pode ser comprado por um frigorífico decente. O JBS assinou um Termo de Ajustamento de Conduta, que entrou em vigor apenas em setembro do ano passado, em que se comprometia a não comprar mais desses pecuaristas.
Segundo Salazar, os frigoríficos já respondem a "múltiplas exigências" que são feitas pelos órgãos ambientais em decorrência de suas atividades, em termos de "lagoas, poluição do ar, poluição sonora e controle de odores". A Abifrigo queria o quê? Que os frigoríficos não respondessem por seus impactos?
"Cabe ao produtor rural e não aos frigoríficos o ônus do malfeito", diz o texto. Sim, o pecuarista deve pagar pelo seu crime. Mas o frigorífico não ser o receptador.
Hoje existem à disposição das empresas tecnologias de rastreabilidade que mostram todo o histórico e as andanças do boi. Tem desde o mais comum, que é um brinco na orelha com um chip, até novas tecnologias de implante de chips no bezerro que são lidos por computadores. A Embrapa desenvolveu um sistema. Existe o Rfid - Radio Frequency Identification - no qual se consegue saber tudo do boi.
Sinceramente, está na hora de os frigoríficos entenderem que a desculpa de que "não tenho poder de polícia" envelheceu. Hoje, a tecnologia dá as ferramentas para que o frigorífico não seja conivente com crimes.
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