O GLOBO - 27/02
O novo partido que se está formando, sob a liderança da ex-senadora Marina Silva, com o nome de REDE, tem recebido críticas à direita e à esquerda, principalmente porque a fundadora simplificou sua definição doutrinária, aproximando a REDE do novo PSD do ex-prefeito paulista Gilberto Kassab: "Não será um partido nem de direita nem de esquerda, nem do governo nem de oposição", disse Marina sobre a nova legenda que quer criar. A propósito, recebi do cientista político e antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública e ex-secretário de Segurança do Rio, que está envolvido na criação do novo partido de Marina, uma série de comentários sobre os objetivos da nova legenda, que, ele garante, nada tem a ver com "movimentos que pretendam mudar a política assumindo identidades e práticas antipolíticas", que costumam perder-se em um "voluntarismo estéril".
Soares entende que movimentos antipolíticos acabam por reforçar "a dinâmica que corrói a legitimidade das instituições democráticas, o esvaziamento da confiança popular, o esgarçamento do instituto da representação e, portanto, o agravamento da degradação institucional que se desejaria reverter". Ao contrário, a REDE dispõe-se a jogar o jogo democrático, parlamentar e eleitoral com absoluta fidelidade aos marcos legais, garante. "Distante das crenças doutrinárias e dogmáticas, distante dos messianismos sectários e insurrecionais, a REDE confia na via democrática para qualquer transformação da sociedade e quer ser leal ao pacto constitucional", analisa Luiz Eduardo Soares.
Se, eventualmente, a REDE obtiver vitórias eleitorais e alcançar o poder, ver-se-á obrigada a repetir o roteiro lamentável das negociatas entre o Executivo e o Legislativo? Não há espaço para negociações mais democráticas, transparentes, programaticamente concebidas, decentemente articuladas?, pergunta o cientista político, para em seguida afirmar enfaticamente: "Claro que há".
Para começar, "a postura não pode ser o desprezo pelo Congresso, cujo papel é indispensável para a democracia, por maiores que sejam suas deficiências". Para que a REDE tenha densidade suficiente para resistir "à força gravitacional da antipolítica, hoje vigente nas instituições políticas", ela precisa fazer, diz Soares, o que os partidos deixaram de fazer: constituir-se em conexão profunda e permanente com a pulsação criativa da sociedade, com a participação social, não para reduzir-se a sua extensão - o que negaria a autonomia relativa da política, que envolve múltiplas mediações -, mas para municiar-se de anticorpos à antipolítica.
"Por isso, a REDE pretende experimentar novas regras de funcionamento, antecipando-se a eventuais reformas institucionais e as suscitando. Daí a limitação das reeleições, as restrições no acesso a apoios financeiros, a determinação de que se divulguem as doações on-line em tempo real - e muitas outras novidades".
Essas novas normas, talvez excessivas em alguns casos, admite ele, "funcionarão como contraponto destinado a provocar reflexões, revisões e debate público. Elas ajudarão a mostrar que a política pode ser diferente e que há um campo de experimentação possível, perfeitamente legal, legítimo e responsável". As instituições não brotaram da natureza, lembra Luiz Eduardo Soares, foram inventadas pelo engenho humano.
"Talvez a REDE possa produzir uma dinâmica de mudanças significativas, não para arruinar a democracia ou a política democrática, mas para restituir-lhes vitalidade e fidelidade aos princípios que inspiraram sua origem". A REDE não foi criada para servir de trampolim a uma candidatura presidencial, garante Soares. "Mas me parece saudável que haja quem se disponha a arriscar-se a cometer erros novos. Bem-vindos os novos erros, pois os antigos são conhecidos e têm sido devastadores".
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