FOLHA DE SP - 22/01
Na teoria e na prática, o conflito israelense-palestino mudou de natureza - e mudou para pior
LONDRES - É um hábito meu: entro na livraria Foyles, de Charing Cross, subo ao segundo piso e encaminho-me para as estantes sobre o conflito israelense-palestino. Gosto sempre de ver quais são as últimas modas do momento.
Durante anos, o cenário era o mesmo: havia livros pró-Israel; havia livros pró-Palestina.
Mas, em todos eles, existia sobretudo uma finalidade comum: a existência de dois Estados, com fronteiras seguras e reconhecidas, e com Jerusalém como capital partilhada.
A diferença estava apenas na atribuição de culpas: para uns, era Israel que não aceitava os dois Estados; para outros, eram os palestinos. Mas o paradigma dos dois Estados era a linguagem de ambas as partes.
Claro que, por cima de tudo isso, pairava o problema dos refugiados palestinos das guerras de 1948 e 1967. Para os palestinos, os refugiados (e os filhos dos filhos dos refugiados) deveriam regressar para Israel.
Para os israelenses, seria impensável aceitar o retorno de 4 milhões de palestinos a um Estado especificamente judaico.
Mas até aqui havia propostas de compromisso: alguns refugiados regressariam a Israel (ao abrigo de programas de reunificação familiar); outros seriam indenizados por suas perdas em 1948 e 1967; mas a maioria teria um novo lar em uma nova Palestina.
Fosse como fosse, repito: a cartilha do debate continuava a ser a resolução 181 das Nações Unidas recomendando o estabelecimento de dois Estados; e uma Palestina independente existiria em Gaza e na Cisjordânia, dentro das fronteiras pré-1967. Só faltava saber como chegar lá.
Algo mudou entretanto. E o que mudou foi a conversa dos dois Estados. São vários os livros que começam com o abandono da premissa. E, como bem notou a revista "The Economist" na mais recente edição, esse abandono teórico apenas reflete a situação vivida no terreno.
Para os palestinos "moderados", e mesmo para alguns israelenses progressistas, se a solução dos dois Estados falhou continuamente, talvez seja a altura de pensar um único Estado binacional para judeus e árabes. Uma ambição estimável, sem dúvidas, sobretudo se esquecermos as lições da Iugoslávia pós-Tito. Ou, melhor ainda, do Líbano "multiétnico" ali tão perto.
Para os palestinos radicais, o problema dos dois Estados nem sequer é político. É sacrílego. Como disse recentemente Khaled Meshaal, líder do Hamas, a Palestina pertence aos palestinos -e apenas aos palestinos. Israel, em suma, deve ser riscado do mapa.
Para os israelenses, vira o disco e toca o mesmo: a quimera dos dois Estados pode fazer sentido em livros de história.
Mas, na prática, essa quimera morreu em 2000 quando Arafat recusou o pacote completo: um Estado palestino independente, com Jerusalém como capital partilhada e o retorno de alguns refugiados palestinos a Israel.
Esse funeral foi seguido por outro, ainda mais brutal: em 2005, Ariel Sharon retirava unilateralmente Israel de Gaza. O passo poderia ser o início de um retirada posterior da Cisjordânia, entregando aos palestinos a autonomia dos territórios e abrindo caminho a um Estado independente.
Azar: com a emergência do Hamas em Gaza em 2006; com a guerra civil "de fato" entre várias facções palestinas em 2007; e com os foguetes do Hamas a atingir território israelense com sazonal regularidade, a retirada da Cisjordânia ficou adiada "sine die". E, com ela, qualquer possibilidade de dois Estados soberanos e independentes. Os assentamentos na Cisjordânia são apenas a cereja no topo do bolo.
Hoje, quando os israelenses forem às urnas, eles não irão apenas dar a vitória a Benjamin Netanyahu e reforçar a direita integrista de Naftali Bennett. Eles vão enterrar de uma vez por todas a conversa gasta dos dois Estados, que nenhuma das partes está mais disposta a aceitar.
Na teoria e na prática, o conflito israelense-palestino mudou de natureza -e mudou para pior. Alguém deveria informar o pessoal da livraria Foyles que existem estantes inteiras de livros sobre a matéria que hoje só fazem sentido no latão do lixo.
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