O Estado de S.Paulo - 22/01
Já é bem sabido que os excessos promovidos por brechas regulatórias no sistema financeiro, em ambiente de globalização explosiva, estão entre as causas da grande crise econômica em curso. Mas o que só agora parece estar ficando claro é que, em paralelo às disfunções produzidas no mercado financeiro, também na economia real, sobretudo no setor industrial, a busca desenfreada e sem limites da redução dos custos de produção, pela via da terceirização de fornecedores e mercados, envolve altíssimos riscos não só micro como macroeconômicos.
O caso atual do novo Boeing 787 Dreamliner, cujas unidades já em operação foram proibidas de voar até que seu mau funcionamento seja diagnosticado e corrigido, é apenas a ponta de um iceberg. Vazamentos de óleo, rachaduras nos vidros da cabine de comando e, ainda mais grave, superaquecimento e incêndio nas baterias de alimentação elétrica do avião estão sendo atribuídos a uma complexa e excessiva rede de fornecedores e subcontratados globais, fabricantes de peças e componentes que não encaixaram exatamente como projetado pela Boeing.
Discussões sobre os limites da terceirização nos processos de produção industrial, na verdade, são velhas de pelo menos dez anos nos Estados Unidos. A ideia de que fabricar produtos com base nas cadeias de produção muito longas, geograficamente dispersas e com financiamento externo integral põe em risco o próprio processo produtivo é anterior à crise, mas ganhou impulso com ela.
É crescente, de fato, a percepção de que o distanciamento físico entre inovação e produção prejudica a inovação. A estratégia de inventar, projetar e desenhar localmente, mas produzir em terceiros mercados, campeã das últimas décadas, tem sido duramente criticada pelos riscos nela envolvidos. Esses riscos não seriam só de perda de receitas e de empregos qualificados, mas também de liderança tecnológica.
É por isso que já não causa tanta estranheza dizer que o "modelo Apple" de produção caminha para o esgotamento - o que, por sinal, tem tido o respaldo do avanço bem-sucedido da concorrência promovida pela coreana Samsung. Optar por conteúdo local, agora, tem sido visto menos como uma questão de proteção de mercados locais do que um modo de abrir caminho e consolidar inovação.
Costuma-se atribuir a redução do ritmo de globalização econômica à crise de 2008, conforme relatou o jornalista Fernando Dantas, no Estado de ontem, com base em pesquisa da consultoria global Ernst & Young, que será apresentada no tradicional Fórum Econômico Mundial, em Davos, com início previsto para amanhã. Além da crise, porém, a desaceleração da globalização, nas economias maduras e, principalmente, nos Estados Unidos, segundo o estudo, se deve também à crescente reversão de etapas de produção de economias emergentes para mercados locais.
Estudiosos da organização industrial contemporânea têm constatado que, a partir de um certo ponto de terceirização, a almejada flexibilidade do processo produtivo pode gerar indesejável rigidez no sistema de produção. Excessos de terceirização, em combinação com a adoção de sistemas de fornecimento "just in time" muito apertados, em lugar de assegurar eficiência, produzem riscos de desarranjar ou abrir buracos nos elos das cadeias produtivas. Não é por coincidência, afirmam especialistas, que o lançamento do 787 Dreamliner atrasou três anos e que seu concorrente A350, da Airbus, que ainda não chegou ao mercado, também enfrenta atrasos.
O estudo da Ernst & Young menciona um levantamento de 2011, produzido pela consultoria AlixPartners, no qual se estima que, por volta de 2020, de 10% a 30% dos produtos manufaturados hoje importados pelos Estados Unidos da China poderão voltar a ser fabricados no mercado americano. O movimento, de acordo com o levantamento, adicionaria à economia americana de US$ 20 bilhões a US$ 50 bilhões por ano.
Não parece ser o caso de desprezar a hipótese de que essa tendência de voltar a produzir um pouco mais em casa se confirme. Se isso ocorrer, serão importantes as consequências para as grandes economias emergentes, sobretudo os Brics, cujos custos de produção são ascendentes, que poderão assistir a um deslocamento da parte da produção hoje terceirizada para mercados locais, nas economias maduras.
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