O GLOBO - 14/12
O governo tomou a iniciativa de provocar o conflito em torno do dinheiro do petróleo, quando propôs a mudança do marco regulatório sem dizer exatamente como faria a redistribuição dos impostos. Era necessário rediscutir a divisão do bolo, diante do fato de que a perspectiva de arrecadação havia subido muito com o pré-sal, mas o então presidente Lula tinha que saber que isso atiçaria a cobiça sobre todos os recursos do petróleo. E que Rio de Janeiro e Espírito Santo são minoria e seriam esmagados pela união dos outros.
Ao incentivar a cobiça e abdicar do papel de comandar o processo, o presidente Lula e, depois, a presidente Dilma abriram mão de uma função que é unicamente da Presidência da República: a de salvaguardar o pacto entre os entes federados.
Dilma vetou, mas não comandou sequer o seu partido; uma dubiedade que só aumenta a confusão. Vetou o que era mais absurdo, como a mudança de contratos já em vigor, mas o PT liberou sua bancada, e o presidente da Câmara, Marco Maia, sempre trabalhou pela manutenção da lei como ela foi aprovada no Congresso. Ao vetar, ela agradou a dois estados; ao se omitir e não liderar a base governista, ela agradou a todos os outros.
O senador José Sarney aproveitou a oportunidade perfeita e fugiu da área da confusão. Com a desculpa de que à noite ocuparia a Presidência da República, ele abandonou o tema e assim atendeu ao pedido da sua filha, Roseana Sarney, para ajudar a manter o projeto aprovado no Congresso. Típico de Sarney: não se comprometer, não escolher, fingir estar com um lado estando, de fato, com o outro.
A deputada Rose de Freitas (PMDB-ES) achou que era uma boa oportunidade para pavimentar sua ambição de presidir a Câmara. Fracassou. A balbúrdia que não conseguiu controlar mostra que ela não tem a liderança que imaginava ter. É uma temeridade deixar que um assunto que fratura a federação seja conduzido com todos se omitindo e com as ambições falando mais alto do que o bom senso.
O Rio, o Espírito Santo e os municípios que hoje recebem as partes maiores dos royalties teriam mesmo que ceder em relação à arrecadação futura dos impostos que incidem sobre o petróleo, mas o que está para ser consagrado pelo Congresso é mais grave e tem repercussões para além do petróleo. Fica estabelecido que na Federação brasileira vale a lei do mais forte, em qualquer tema, porque os líderes não liderarão e usarão a ambiguidade para fugir de suas responsabilidades quando houver bolas divididas.
Há assuntos que o Congresso deve comandar, mas sempre que estiver em questão o equilíbrio federativo a Presidência da República tem o dever de presidir todas as etapas do processo.
Não há uma boa solução agora. A saída de brigar na Justiça cria mais insegurança e mais tensão. A declaração da presidente Dilma, que já não há mais nada que possa fazer, só confirma que foi isso: ela se omitiu quando deveria liderar, vetou e não trabalhou pela aceitação do veto, e deixará que os estados briguem. Estados que estão submetidos à União que ela preside. Conflitos federativos devem ser evitados antes de serem iniciados. Depois, é sempre mais difícil resolver.
No caso do petróleo nós estamos no pior dos mundos. A mudança do marco regulatório e a demora na decisão sobre a redivisão do bolo tributário paralisaram as novas rodadas de licitação. O Brasil tem produzido menos e está esgotando o que foi licitado em outras rodadas. Nesse vazio, a perspectiva é de produção cada vez menor. O Brasil vive uma séria crise federativa em torno de recursos que estão ficando mais incertos. Não estamos garantindo a riqueza do petróleo, mas já estamos vivendo sua maldição. O Brasil está em conflito em torno de recursos que nem sabe se conseguirá.
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