O Estado de S.Paulo - 14/12
"A descida seduz / como seduziu a subida. Nunca a derrota é só derrota, pois / o mundo que ela abre é sempre uma parada / antes / insuspeitada."
O fragmento é de um poema de William Carlos Williams (1883-1963) intitulado A descida, perfeito para as reflexões sobre o PIB brasileiro. Afinal, fomos do céu ao inferno em dois anos. Do PIBão de 2010 ao PIBinho de 2012, passando pelo PIB sem graça de 2011.
A descida seduz. Mas, mais que tudo, intriga. Por isso a profusão de teses e especulações sobre a viagem vertical brasileira. O governo insiste em que o problema é só a crise internacional. Mas o desempenho de outros países emergentes, inclusive na América Latina, desmente essa visão. Claro que os problemas externos repercutiram por aqui. Porém há mais mistérios entre o quadro lamuriento externo e nosso PIB modorrento do que sugere essa vã filosofia.
Algumas teses são muito conhecidas. Há o bordão repetitivo do esgotamento do consumo, que confunde o ímpeto consumista das famílias, um pouco abalado pelo endividamento, mas ainda forte diante do aumento da renda e do bom desempenho do mercado de trabalho, com a capacidade de que isso baste para gerar um crescimento de 4%. Não basta. Precisamos do investimento.
Cadê o investimento? Eis o enigma. Não há uma história única que explique a queda dele no País depois de 2010. O que há são elucubrações. Vejamos. Há, por exemplo, a conhecida tese dos problemas de oferta - do custo Brasil, que onera excessivamente as empresas. Existe, ainda, uma corrente que acredita que o problema foi, e talvez ainda seja, o câmbio valorizado, que desvia a demanda do mercado interno para produtos estrangeiros mais baratos. Alguns acham que o ativismo errático do governo, o anúncio sequencial e quase ininterrupto de medidas desconjuntadas, as tentativas de extrair a fórceps uma melhora da atividade por meio de um intervencionismo desorganizador prejudicam o planejamento do setor privado. As interferências na Petrobrás, no setor elétrico, no sistema bancário, além do protecionismo, são exemplos disso.
Há aqueles que acham que os erros de política econômica, como a confusão em torno da política monetária, com as alegações de abandono do regime de metas de inflação e as dúvidas sobre o papel das medidas macroprudenciais, teriam danificado a atividade. Decerto, a incerteza recente sobre o regime cambial em nada ajuda o empresário que precisa importar para investir. Enquanto a presidente e o ministro da Fazenda dizem que o real precisa se desvalorizar mais, os dirigentes do Banco Central afirmam o contrário. E, para acrescentar ofensa à injúria, todos insistem em que o câmbio é flutuante.
É provável que a explicação para as mazelas do crescimento brasileiro contenha elementos de todas essas teses. E, talvez, o fio narrativo que as una seja a falsa percepção, nascida nos últimos anos do governo Lula e exacerbada em 2010, de que o País se tornara, se não um tigre asiático, ao menos um jaguar latino-americano. A ilusão de que o forte ritmo de expansão seria mantido desorganizou o planejamento das empresas, que se posicionaram para vender muito mais do que a economia seria capaz de absorver. O resultado foi um brutal ajuste de estoques na indústria que ainda não se esgotou - é possível que o alongamento e as oscilações do ciclo de estoques tenham sido exacerbados pelo gosto das autoridades em acionar botões e puxar manivelas desenfreadamente, enquanto desequilibravam o tripé da política econômica. A percepção equivocada de que o Brasil virara jaguar foi desfeita na primeira metade de 2011, quando o eterno termômetro dos nossos erros, a inflação, subiu vertiginosamente, impulsionada, também, pelos choques de preços das commodities.
Fiquemos, pois, com o mundo novo da derrota, do reconhecimento de que não temos capacidade de crescer acima de uns 3,5%, quiçá nem sequer isso. A inflação que não cede comprova a tese de que nosso espírito é inercial. A verdadeira viagem brasileira, quando muito, é apenas horizontal.
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