O GLOBO - 02/12
Enfraquecer Mahmoud Abbas depois de sua vitória na ONU é dar força aos radicais, cuja aposta é a de sempre: quanto pior, melhor
O presidente da ANP, Mahmoud Abbas, reforçou seu protagonismo ao obter a promoção da Palestina a estado observador na ONU. A vitória foi na Assembleia Geral, com 138 votos a favor, nove contra e 41 abstenções. Países europeus importantes, como França, Itália e Espanha apoiaram os palestinos, assim como os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China). Entre os que votaram contra, Israel, EUA, Canadá e República Tcheca.
A ONU decidiu numa data histórica. A 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral aprovou a partilha da Palestina em um Estado judeu e outro árabe. Israel nasceu ali. Os árabes, num erro terrível, recusaram a partilha, atacaram Israel — tropas de seis países — e perderam. Começava ali Yawm an-Nabka, o Dia da Catástrofe para os palestinos.
Isto é História. Há décadas, Israel, os palestinos e a comunidade internacional reconhecem o princípio de “dois povos, dois estados” como solução para o conflito. Mas a paz continua tão distante porque: 1) implica decisões dolorosas, os dois lados terão de cortar na carne; 2) a lógica dos falcões predomina dos dois lados, e estadistas que se disponham a contrariá-la pagam com a vida, como Yitzhak Rabin.
Abbas é o moderado palestino. Ao recorrer à diplomacia para melhorar o status de seu povo, o que recebe em troca? Dos EUA, ameaças de corte dos financiamentos para a ANP, que governa a Cisjordânia. De Israel, a afirmação de que construirá dezenas de milhares de novas casas em assentamentos judeus em território ocupado. É o falconato em ação.
Se Abbas é o único interlocutor palestino viável, enfraquecê-lo é levar água para o moinho dos radicais — o Hamas, dono de Gaza, e a extrema-direita israelense, que também aposta no caos. Se Abbas aumentou de estatura com a vitória na ONU, o Hamas saiu fortalecido da última refrega com Israel porque obteve um cessar-fogo. Soou como uma vitória, embora tenham morrido 25 vezes mais palestinos que israelenses. O Hamas tem feito outros movimentos inteligentes: afastou-se do regime sírio de Assad, execrado pelo povo sírio e pela comunidade internacional; e apoiou decididamente a iniciativa de Abbas na ONU, embora sejam inimigos políticos.
É óbvio que o novo status da Palestina cria forte tensão em Israel. Para demonstrar que deseja mesmo trocar a retórica fácil por negociações muito dolorosas, Abbas precisa se abster de recorrer ao Tribunal Penal Internacional para tentar condenar Israel por crimes de guerra. Acaso este também não poderia fazê-lo por atos terroristas de palestinos?
No Oriente Médio em mudança, há vagas para estadistas. Quem sabe não surja um das eleições israelenses de janeiro, mesmo que seja Netanyahu? A contrapartida seria o Hamas deixar de pregar o fim de Israel e fazer um acordo político viável com Abbas. Para os falcões, gaiolas.
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