FOLHA DE SP - 02/12
Devem ficar no pedestal, pois fizeram pelo país o que ele mais precisava: acreditar na sua Justiça
Agora que os festejos já acabaram, é a hora do perigo, então vou me dar ao direito, já pedindo desculpas, de dar umas dicas à Suprema Corte. Mas antes vou estranhar um pouco a lista dos artistas convidados para a posse, todos negros: Lázaro Ramos, Milton Gonçalves, Martinho da Vila; brancas, só Regina Casé e Lucélia Santos (mas essa tinha direito, porque foi a Escrava Isaura); não será isso uma forma de preconceito? Vamos falar a verdade: neste momento, quem é branquelo não está com nada.
Convites de todos os tipos vão surgir, e eu diria que não aceitassem nenhum. Quase nenhum.
Almoçar e jantar, só com amigos, mas amigos de infância ou dos tempos pré-mensalão. E se num restaurante um fã chegar com o celular, devem deixar que batam a foto, sim, para não ficarem antipáticos, mas a uma certa distância; e sérios, para não parecerem íntimos. Pode até pintar um convite para o ministro Fux gravar um CD.
A imprensa vai querer saber das intimidades, qual o prato preferido, a pasta de dentes que usam, se praticam algum esporte, por que time torcem, se veem novela, e peço a Deus que dê muito juízo aos ministros para não responderem a pergunta alguma.
Revistas de decoração vão tentar fotografar a casa de cada um deles, e suas mulheres serão seguidas nos cabeleireiros para que o mundo saiba se elas pintam ou não o cabelo, e a cor do esmalte que usam. E se algum deles for solteiro, manda a prudência que eles guardem uma castidade digna de um jesuíta, porque assédio vai haver, ah, isso vai.
Tudo tem um preço, e o deles vai ser ficarem o mais longe possível das badalações; eles são seres humanos, e algumas serão tentadoras, mas devem resistir, porque o mundo é assim: um dia se é herói, e qualquer descuido faz com que o ídolo da véspera seja a Geni de amanhã.
O grande perigo vai ser o Carnaval; convites para os melhores camarotes vão pintar, se bobear até mesmo para sair numa escola de samba, o que seria a catástrofe final. Mas um ministro também é gente, e se o prefeito sai na bateria da Portela, por que eles não poderiam? Porque não podem. E as ministras que se cuidem, pois não é impossível, com todo o respeito, que sejam convidadas até para posar para alguma revista de moda -ou pior.
Quando o time estiver completo, será mais conhecido do que a seleção, e devem continuar no pedestal em que foram colocados pelo povo brasileiro, pois fizeram pelo país o que ele mais precisava: acreditar na Justiça brasileira, que andava com a reputação mais pra lá do que pra cá.
PS 1 - Quem vai controlar se os réus condenados a penas alternativas vão cumpri-las? Com uma boa conversa, pula-se um fim de semana, se chove muito não há como chegar à penitenciária para dormir, se ficarem doentes atestados médicos é que não vão faltar, e os condenados são espertos: como se diz por aí, é gente que tira as meias sem precisar tirar os sapatos.
PS 2 - Escrevo na Folha há dez anos; são mais de 500 colunas, e acho que nesse longo tempo já deu -ou deveria ter dado- para saber quem eu sou. Reli o que escrevi na minha última crônica, refleti sobre o que queria verdadeiramente dizer e cheguei ao seguinte: nós, seres humanos, somos únicos, ricos ou pobres, gênios ou pessoas comuns, e essa é a grande riqueza da vida: não existem duas pessoas iguais, e ninguém quer ser igual ao outro. Se eu comprasse o mais lindo vestido para uma festa e lá encontrasse Madonna com um igual, talvez voltasse em casa para trocar o meu. Se comprasse um iate com 38 cabines, com uma tripulação vestida por Jean Paul Gaulthier, e cruzasse com outro igual, pertencente a Donald Trump, meu brinquedinho perderia a graça. Porque faz parte querer ser original e único, por isso os artistas, os costureiros, os arquitetos, os decoradores, os escritores, os médicos, os cientistas, todos trabalham para conseguir que suas obras sejam as melhores e, consequentemente, únicas. Existem dois tipos de pessoa: os que vivem para seguir o que está na moda em matéria de viagens, estilo, restaurantes, hotéis, etc., enquanto outros preferem viver na contramão. Eu pertenço ao segundo grupo: não gosto de multidões, não vou a shows, não vou a festas, não vou a restaurantes da moda e não viajo na alta estação, prefiro ficar em casa lendo um livro; falei sobre o porteiro como poderia ter falado sobre qualquer pessoa que faz parte dessa multidão que passa a vida indo atrás do que ouviu dizer que está "in", o que para mim é apenas impossível. Lamento, foi um exemplo infeliz.
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