O GLOBO - 11/11
A CPI do Cachoeira, como ficou conhecida a Comissão Parlamentar de Inquérito criada no Congresso Nacional para "investigar práticas criminosas do senhor Carlos Augusto Ramos desvendadas pelas operações Vegas e Monte Carlo da Polícia Federal’,’ chega ao fim. Sem surpresas, sem investigar com seriedade, sem dignidade, figurino que caracterizou praticamente toda a sua atividade desde o dia 25 de abril deste ano, data da primeira reunião de trabalho.
O Congresso Nacional não vive sua melhor fase em termos de imagem pública, mas deixou passar uma ótima oportunidade de demonstrar à nação que compreende o sentido de urgência manifestado pela sociedade brasileira por uma vida pública fortemente associada à ética. A intensa mobilização popular pela aprovação da Lei da Ficha Limpa já demonstrou que o povo anseia por isso. É também esse o caminho apontado pelo julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Figuras públicas que exerceram altos cargos na República, independentemente de partido político, empresários e banqueiros estão sendo punidos. Seria exagero considerar que "o Brasil mudou’, mas é certo que o tribunal indica um rumo diferente a ser trilhado pelas instituições.
Indiferente, o Parlamento mantém práticas viciadas e impermeáveis à influência da opinião pública, oferecendo à nação um triste espetáculo. Foram evitados de toda a forma os depoipresa, a Delta, construtora que, embora declarada inidônea pela Corregedoria Geral da União (CGU), continua recebendo pagamento milionário do governo, repassou, comprovada-mente, R$ 421 milhões a 18 empresas "fantasmas”, dinheiro que alimentou campanhas eleitorais e promoveu o enriquecimento pessoal de indivíduos e grupos. Apesar das evidências, a CPI enviou ao arquivo cerca de 500 requerimentos de quebra de sigilo fiscal e bancário dessas empresas e de pessoas envolvidas. Tudo já conhecido e comprovado nos inquéritos da Polícia Federal, um conjunto de informações mantidas na gaveta da CPI.
Numa tentativa, que alguns consideram desesperada, de evitar a desmoralização da CPI — e suas consequências para a credibilidade já abalada do Congresso —, solicitei investigações sobre a conduta da comissão ao Conselho de Ética e à Corregedoria do Senado. Nos pedidos aponto irregularidades praticadas de forma ostensiva pela CPI, a sabotagem dos trabalhos, o arquivamento de requerimentos e os adiamentos que esvaziaram completamente o objetivo da comissão investigatória.
A CPI está sob forte suspeita, e a atuação de integrantes coniventes com as irregularidades precisa ser investigada. Esperava-se que a comissão investigasse especialmente as relações de Cachoeira com o Estado brasileiro, mas ela se restringiu à atuação da quadrilha em Goiás e o Distrito Federal.
Nesse aspecto, a história se repete. Por ocasião das CPIs do Impeachment e dos Anões do Orçamento, que afastaram um presidente da República e cassaram os mandatos de seis parlamentares — enquanto outros quatro renunciaram para não enfrentar processos —, surgiu pela primeira vez a oportunidade de investigar os corruptores. Havia um farto material resultante das investigações, e a criação de uma CPI dos Corruptores se apresentava como a consequência natural do trabalho. Em livro recente, "O momento supremo do Brasil — A Justiça conquistada: das CPIs ao julgamento do men-salão”; analiso aquelas CPIs, entre outras, e faço um paralelo histórico com a CPI do Cachoeira.
Aquelas foram comissões de inquérito que deram certo. Como aconteceu com a CPI dos Correios, que deu origem ao processo e ao julgamento em curso no STF, que pelo ineditismo desperta tanto a atenção do país. Surgida inicialmente para investigar corrupção na estatal, acabou por desvendar uma rede de compra de votos no Congresso, mediante desvio de dinheiro público.
Hoje, quando nos deparamos com nova chance de acabar de vez com a sensação de impunidade, quando se localizam nome, endereço e CPF de pelo menos um poderoso corruptor, a CPI do Cachoeira não faz o seu trabalho e expõe lamentavelmente o Congresso Nacional como um poder alheio ao seu tempo.
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