FOLHA DE SP - 11/11
Esquenta o mercado de trabalho de bons velhinhos, que devem falar até 3 línguas, têm de fazer check-up e não podem pegar criança no colo
"Vida de Papai Noel deveria ser fácil, é um dia só por ano. Mas nem um dia por ano eu tô conseguindo trabalhar", diz o taxista aposentado Armando Schon. Em 2011, quando completou 70 anos, ele decidiu começar nova carreira: tentou complementar a renda de fim de ano fazendo bico de bom velhinho.
Desistiu. "Fui a mais de 20 testes. Sou gordinho e tenho barba branca, mas ninguém me quis, só porque não tenho experiência." Pudera: o trabalho, que costuma durar um mês, tem salário entre R$ 5.000 e R$ 20 mil e está cada vez mais concorrido, dizem postulantes à vaga ao repórter Chico Felitti.
Não há dados oficiais sobre o desemprego na categoria nem um sindicato de profissionais natalinos. Mas, só no mercado paulistano, há mais de dez agências especializadas em locar candidatos. A tropa de velhinhos para atender a crianças em shoppings e em casas de família chega a 400, calculam os empresários do setor.
"Estão exigindo cada vez mais deles", diz Jorge Occhiuzzio, da agência Papai Noel Brasil. "Mas a principal exigência ainda é ter jogo de cintura", diz Silvio Ribeiro, da agência Claus.
Ribeiro dá aulas de como exercer a função. E usa exemplos pessoais, como quando uma mulher adulta pediu para se sentar no seu colo. Papai Noel não pode dizer não, é uma das regras ensinadas, mas ele negou. "Meia hora depois, veio o motorista dela avisar que ela estava me esperando no carro. E que pagaria uma boa grana se eu fosse." Não foi.
A qualificação inclui também saber reagir a situações inusitadas. Uma delas é como se portar quando o cliente coloca o cachorrinho no colo do ator e pede para fazer fotos do mascote "pedindo" presente. "É cada vez mais comum. Tem que tratar o pet como se fosse criança, ensino", diz Paulo Mendes, da agência Companhia do Bafafá.
Há 13 anos no shopping Market Place, Paulo Palazzini, 64, precisou se reciclar para este ano. As crianças pediam tablets, smartphones e outras parafernálias tecnológicas. "Eu tinha dificuldade de entender." Foi, então, ler anúncios de loja de informática para se atualizar sobre os novos presentes desejados.
Não é só o tipo de apelo que evoluiu com o tempo. O jeito de pedir prenda para o Papai Noel também está diferente. O shopping Cidade Jardim decidiu proibir que as crianças se sentem no colo. "Haverá um trono para elas ao lado do Papai Noel", explica Debora Lucki, do marketing shopping.
Outra exigência é manter a saúde durante a jornada de trabalho, que vai de oito horas ao dia até 16 para alguns bravos (e sortudos) senhores que pegam dois empregos.
Todos os 50 sósias de são Nicolau da agência de Silvio terão de fazer exame médico antes de assumir seus tronos. "No ano passado, o do shopping Higienópolis passou mal enquanto estava trabalhando", explica Ribeiro. O Higienópolis diz que manterá o profissional do ano passado e que "solicita atestado de saúde" de quem trabalha na temporada de Natal".
Mas imprevistos acontecem mesmo com os mais experientes e precavidos. O shopping Iguatemi trabalhava com o mesmo Noel há mais de uma década. Na semana passada, ele teve problemas de saúde que o impediram de labutar. Foi substituído em cima da hora.
Nada que tenha causado sufoco. "Temos um banco de currículos dos profissionais que nos procuram", diz Eduardo Audrá, gerente do shopping. O Noel pinçado desse banco é Jeorge, 70, que é fluente em italiano e em inglês, além de em português.
Alguns senhores ainda são achados em público e não passam por "vestibular". José Carlos Bertochi, 65, foi ao West Plaza pagar uma conta no ano passado. Foi interpelado na fila com a pergunta "O sr. é Papai Noel?". Não era, mas passou a ser na mesma hora. E pegou gosto pela coisa: neste ano foi chamado por dois centros de compras. Escolheu um em Taubaté (SP), com cachê de R$ 8.000 por um mês mais pousada.
Mas nem todos conseguem assinar com um shopping. "É como se fosse a primeira divisão", diz Armando Peçanha, 69, que ainda não chegou lá. Em seu segundo ano, ele só conseguiu agendar casas de família. E muitas: "São seis na véspera e quatro no Natal". As agências servem Noeis para shoppings e também para famílias.
As ceias caseiras têm outro tipo de problemas. "Tem aquelas festas a que você vai, e o pessoal já está alcoolizado, passa a mão no seu bumbum e diz: 'Ô, Papai Noel gostoso!'. Tem sempre um engraçadinho", conta Jorge Occhiuzzio. A recomendação é cobrar o cachê, que vai de R$ 400 a R$ 1.000, adiantado.
"No fim, a festa da minha família começa só na noite do dia 25", diz Paulo Schinde, 72, que largou as agências e agora trabalha por conta, só em casas de família. "Mas vale a pena", diz o autônomo, que volta para casa com o saco cheio com R$ 10.000 que ganha das 20 casas que visita entre o dia 24 e o 25.
Agruras do Papai Noel moderno
- Passar no exame médico pré-contratação
- Ter de tirar foto com o cãozinho do cliente
- Estudar nomes e funções dos presentes tecnológicos que crianças pedem
- Esquivar-se de moças que tentam se sentar no colo
- Falar línguas estrangeiras para lidar com o público de fora do país
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