O ex-ministro da Casa Civil é responsável pelo crescimento do PT, é tido como o ideólogo da eleição de Lula em 2002 e agora também o grande artífice do mensalão
DANIEL PEREIRA
José Dirceu confessou certa vez que não leu O Capital, a obra de Karl Marx que encantou o coração ê a mente dos petistas acadêmicos. Político profissional por excelência, pragmático, ele nunca perdeu tempo com ideologias. O negócio de Dirceu sempre foi o poder. Conquistá- lo e preservá-lo independentemente das doutrinas e dos meios empregados. Foi esse pragmatismo — somado à ambição para escalar o panteão dos poderosos — que fez dele um protagonista da ascensão do PT ao comando do país. Dirceu profissionalizou a legenda na década de 90, transformando-a na mais azeitada engrenagem partidária brasileira. Depois, dedicou-se à reconstrução da imagem de Lula, do sindicalista radical de 1989 ao Lulinha paz e amor de 2002, que finalmente conquistou a Presidência da República depois de três tentativas frustradas. Os serviços prestados durante essa caminhada renderam prestígio a Dirceu. No PT, ele se tomou ídolo da militância e o líder consultado pela direção da sigla antes de cada decisão tomada. No governo Lula,assumiu o cargo de chefe da Casa Civil ou de capitão do time, de primeiro- ministro, como gostava de dizer para alimentar a própria fama.
A conquista do Palácio do Planalto, porém, não bastava a José Dirceu. A meta era perpetuar o PT no poder, e não apenas para Lula desfrutá-lo. Dirceu também queria ser presidente da República. Ele sabia que trabalhar por Lula — de quem recebera carta branca para garantir a vitória na eleição de 2002 — era trabalhar para ele próprio. Os projetos de poder dos dois, imaginava, caminhavam de mãos dadas. Por isso, Dirceu foi a campo com uma desenvoltura inaudita. Como coordenador do ministério do novo governo, escalou petistas de confiança para postos estratégicos da administração. Dirceu centralizava com mãos de ferro as nomeações para cargos públicos, usando-as para manter próceres petistas na sua órbita. Como coordenador político do novo governo, costurou os acordos com cada um dos partidos aliados. Foi o fiador da chamada governabilidade. O arquiteto de uma aliança que, se bem-sucedida, poderia consolidá-lo como favorito à sucessão de Lula.
Essa aliança uniu antigos desafetos do PT, caso do ex-presidente José Sar- ney (PMDB), e partidos que até então eram considerados fisiológicos pelos petistas, como o PR e o PTB. Àquela altura, já estava claro que Lula e Dirceu não sentiam nenhum constrangimento em mudar de opinião como quem troca de roupa. Só não estava claro, no entanto, que eles haviam abandonado os escrúpulos de consciência e os princípios éticos dos tempos de oposição. Tudo em nome do projeto de poder. Projeto que, no caso específico de Dirceu, está definitivamente sepultado. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o petista por corrupção ativa, juntamente com o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro Delúbio Soares. Dirceu foi apontado como o “mandante” do esquema que subornou parlamentares, com dinheiro desviado dos cofres públicos, em troca de apoio ao primeiro mandato do presidente Lula. Ele ainda será julgado por formação de quadrilha. Se for considerado culpado, receberá pelos dois crimes uma pena que pode chegar a 23 anos de prisão. Dirceu corre o risco de se tornar o político de maior envergadura da história nacional a expiar seus pecados na cadeia. Um caso raro de preso político na ditadura que acabaria como político preso em pleno regime democrático.
Tão logo foi confirmada a sua condenação por corrupção ativa, Dirceu se disse — como faz desde a descoberta do esquema do mensalão — vítima de uma conspiração entre setores da elite, da imprensa e do Judiciário, que não aceitariam a ascensão de um projeto popular ao poder. Numa carta endereçada ao povo brasileiro, ele lembrou sua contribuição na luta pela democracia, queixou-se de ter sido transformado em inimigo público número 1 e, como o ex-presidente Lula, repetiu a cantilena petista que denuncia a existência de um golpe destinado a desbancar o PT da Presidência. “Fui prejulgado e linchado. Não tive, em meu benefício, a presunção da inocência. O Estado de Direito Democrático e os princípios constitucionais não aceitam um julgamento político e de exceção”, afirmou Dirceu no texto. “Lutei pela democracia e fiz dela minha razão de viver. Vou acatar a decisão, mas não me calarei.” A carta não comoveu antigos aliados — nem mesmo aqueles que, com os mandatos presidenciais petistas, passaram a ter o apoio devidamente remunerado com verbas públicas. Ao contrário. Os companheiros não saíram às ruas em sua defesa. Na quarta-feira, em São Paulo, as poucas manifestações de populares foram de censura ao ex-ministro, que deixou um encontro em sua homenagem a bordo de carro blindado e debaixo de vaias.
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