REVISTA VEJA
O ex-tesoureiro do PT assumiu a responsabilidade pelo esquema do mensalão imaginando que tudo ficaria reduzido a um simples caso de infração eleitoral
RODRIGO RANGEL
O ex-tesoureiro Delúbio Soares tinha planos auspiciosos para o futuro. Absolvido, pretendia se candidatar a deputado federal por seu estado,Goiás. Eleito, teria um atestado inequívoco de que era quem dizia ser e fizera tudo da maneira mais correta possível — a deturpada estratégia de purgação eleitoral petista.
Mas os fatos são teimosos.
Em plena festa para comemorar seu aniversário de 50 anos, quatro meses depois da entrevista em que Roberto Jefferson expôs as vísceras do esquema de compra de votos no Congresso Nacional, Delúbio disse que o mensalão viraria uma “piada de salão”. Ele apostava que, com o tempo, as denúncias seriam esclarecidas e esquecidas. Um tremendo erro de cálculo do professor de matemática que conheceu a fama como arrecadador da primeira campanha vitoriosa dé Lula ao Palácio do Planalto e ganhou de vez a ribalta como o chefâo do cofre do maior esquema de corrupção da história do país.
Condenado por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal, a única certeza do tesoureiro é a que agora se apresenta no horizonte: a cadeia. De tanto conviver com Lula, seu amigo do peito há mais de trinta anos, Delúbio aprendeu a arte da autoconfiança. No caso do mensalão, ele reverberava o mantra petista: até os ministros do Supremo marcarem o julgamento, o crime de “caixa dois” de campanha já estaria prescrito. Resumindo, Delúbio poderia assumir sozinho a responsabilidade pelos pagamentos aos deputados e aos partidos, sem medo de ser feliz. Com seu jeitão de matuto, aceitou silente a sua expulsão do PT, constrangimentos e humilhações. “O PT é meu projeto de vida”, repete o ex-tesoureiro, cujas penas podem chegar a 23 anos de cadeia, somando os crimes de corrupção ativa, pelo qual já foi condenado, e formação dé quadrilha, a ser julgado nos próximos dias.
Delúbio Soares tinha papel de proa no mensa- lâo. Foi ele quem pôs a mão na massa para fazer funcionar a máquina de corrupção comandada do Palácio do Planalto. Para manter o duto financeiro azeitado, ele recorreu aos préstimos do empresário mineiro Marcos Valério, cujos interesses no governo federal eram atendidos em troca do dinheiro que permitia a compra de parlamentares. Cabia a Delúbio comunicar a Marcos Valério a quem e quanto pagar. A ascensão de Delúbio no partido coincidiu com uma repentina mudança de hábitos. O simplório professor assalariado passou a circular em carros de luxo, usar roupas de grife, fumar charutos e beber vinhos caros.
O ex-tesoureiro agia com o aval e o conhecimento de seus superiores na hierarquia petista. Era tão íntimo do ex-presidente Lula que entrava no Planalto sem ser anunciado. Uma intimidade que não fazia muita questão de esconder. Delúbio chegou a ser fotografado segurando uma cigarrilha que o presidente tentava fumar sem ser percebido. Como se fosse a coisa mais normal do mundo, participava de reuniões, para tratar de assuntos de interesse do governo, com José Dir- ceu e financiadores do mensalâo. Cuidar do caixa de campanha de Lula lhe abriu muitas portas. Mas nem tudo saiu como o combinado —- ou como o prometido. Nem a piada foi de salão.
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