"Desculpa a rouquidão", diz Silvia Buarque Severo de Holanda ao se sentar na mesa de um restaurante no bairro carioca da Lagoa. "Você sabe o porquê disso?", pergunta enquanto abre um pacote de bala e põe duas na boca. "É nervosismo de falar", responde ela mesma.
É que a atriz de 43 anos, por mais que tenha "estreado" na mídia ainda criança, e desde então tenha figurado em 15 peças, cinco novelas e comerciais de TV, raramente fala sobre a própria vida.
Ela termina de chupar as balas. "Que bom que seu nome é Chico. Se fosse Rogério, eu ia te chamar de Roberto, de Robson... Agora, chamando Chico, não tem como eu me esquecer", diz ao repórter Chico Felitti. Silvia é mulher de um Chico, o ator Chico Diaz, e filha do Chico, Chico Buarque de Holanda.
Mas passou a idade de ser vista como filha, dele e de Marieta Severo. Até porque já é mãe de Irene há sete anos e agora interpreta um papel materno no cinema. No caso, a mãe adotiva de Gonzaguinha no filme "Gonzaga - de Pai para Filho", de Breno Silveira. A estreia será no dia 26.
O longa narra as vidas de Luiz Gonzaga, que completaria cem anos em 2012, e do seu filho, Gonzaguinha. E de Dina, personagem de Silvia. Ela era mulher de um amigo de Gonzagão -e cuidava do filho do sanfoneiro enquanto ele viajava pelo país.
Para viver a portuguesa que morava no morro e acolheu de graça o filho do rei do baião, ela visitou o lugar onde ficava sua casa. Lá, encontrou uma moradora de 90 anos, que entre uma cerveja e outra viu semelhanças entre Silvia e Dina: "Ai, ela era pequenininha como você!".
Ouviu também muita música dos dois artistas. "Eu não tinha nenhum disco do Gonzaguinha. Aí, adorei e comecei a pesquisar. Vi que o show 'Vida de Viajante', dos dois juntos, foi em 1981, e que eu poderia ter ido ver. Me arrependi." Tinha 12 anos, mas já saía para ver shows à noite. "Ia a vários lugares por causa do meu pai, dos amigos dele, da turma toda."
A carreira começou também por influência de Chico. Em vídeo de "Os Saltimbancos", de 1977, ela aparece cantando com ele e a tia Miúcha. "Mas não considero isso trabalho. Era farra."
A labuta de verdade veio aos 15, quando estreou no tablado em "Os Doze Trabalhos de Hércules 2", ao lado de Cláudia Abreu. Dessa vez, por vontade própria. Ou da turma: "O teatro tava na moda, era status. Não ia perder a chance." Seu único pedido foi que o personagem não tivesse falas. "E não teve."
Um ano depois da peça, foi convidada para atuar em "Dona Beja", novela da Manchete de 1986. "Coitada de mim, comecei ali, bem crua."
Menos de um ano depois, estava na tela da TV de novo em "Corpo Santo",líder de audiência da Manchete. "Eu não estava pronta. Olhando hoje, me acho muito fraca. Mas sinto ternura por esse trabalho. Por essa época."
No ano seguinte, 1988, foi chamada para fazer "Bebê a Bordo", já na emissora líder de audiência, a Globo. E em papel de destaque. "Eu gostava de tudo na profissão, mas sabia que tinha que comer muito arroz com feijão."
O resultado: fez quatro novelas em cinco anos, mas não estava feliz profissionalmente. "Tinha invejinha, da boa, de quem fazia teatro." Aos 23 [em 1992], decidiu "se aposentar" da TV. "Descobri que era atriz só aos 25, no palco."
Desde então, ficou quase só no teatro. Mas não parou de ser interpelada na rua. O que, para ela, "é só ruim". Às vezes diz não a pedidos de foto ou apelos por autógrafos. "É muito comum que a abordagem seja só por causa do meu pai ou da minha mãe."
A herança tem, sim, um lado bom. Além do dinheiro que ganha com o teatro, ela recebe convites para fazer comerciais com a mãe. Juntas, estrelaram um de caldo de picanha e outro de telefonia. "Acho inofensivo você fazer propaganda de uma operadora de celular." Caso o orçamento não feche, também conta com um plano B. "Se faltar, minha mãe ajuda."
Tentaram uma vez juntar em um comercial Marieta e suas três filhas (Silvia mais Helena, 41, e Luisa, 36, que está na Suécia estudando filosofia). O anúncio seria com as quatro usando meia-calça, ao som da canção "Minhas Meninas", de Chico. Não toparam. "Não dá para fazer algo e se envergonhar depois."
Mas ser filha de uma das maiores atrizes da Globo "é bico", diz ela. "Tenho quase trauma infantil é com meu pai." O compositor, diz, ocupa um lugar "intocável" na cabeça dos fãs. "Às vezes as pessoas 'convulsionam' só de reconhecer que eu sou filha dele. É bem chato."
Ela nasceu em Roma, onde Chico e Marieta moravam, em 1969. As circunstâncias fizeram com que entrasse em contato com a política cedo. "Desde que me entendo por gente, sabia da ditadura militar e da censura que havia no Brasil. Meu pai contava." A partir de jovem, se engajou com grupos defensores dos direitos humanos e apoiou candidatos de esquerda.
Continua declarando o voto. "Eu apoio a [presidente] Dilma [Rousseff]. De modo geral, tendo a votar no PT. E não é pelos laços da minha família." Ana de Hollanda, que foi demitida do cargo de ministra da Cultura há um mês, é sua tia. "Nem cogitei que isso pudesse me ajudar."
Sua última novela foi "América", de Glória Perez, em 2005. A novelista a convidou para o elenco porque viu uma peça em que atuava. E gostou. "Eu assinei o contrato e descobri que estava grávida, com a Irene na barriga, em seguida." A professora Berê, sua personagem, engravidou junto e ainda ganhou mais espaço na trama.
Ela não estará em "Salve Jorge", novela das nove da mesma autora que estreia no dia 22. "Eu não fui atrás dessa vez." Está focada agora em trazer a SP as peças "Cozinhas e Dependências" e "Um Dia como Outros", já apresentadas no Rio. Nelas, contracena com Bianca Byington.
"E se eu disser que sinto que vai rolar?", pergunta ela. "Vai rolar. Estou numa onda mais positiva", responde a atriz. Desta vez, já sem o pigarro de nervoso.
"Hoje em dia gosto da atriz que sou, mas eu não sou aquela que dava para aquilo quando criança
Tenho quase trauma infantil com meu pai
Às vezes as pessoas 'convulsionam' só de reconhecer que eu sou filha dele. É chato
Se faltar [dinheiro], minha mãe ajuda"
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