domingo, outubro 14, 2012

A FARSA DO NÃO SABIA - REVISTA VEJA

REVISTA VEJA 


O ex-ministro da Casa Civil é responsável pelo crescimento do PT, é tido como o ideólogo da eleição de Lula em 2002 e agora também o grande artífice do mensalão

DANIEL PEREIRA


José Dirceu confessou certa vez que não leu O Capital, a obra de Karl Marx que encantou o cora­ção ê a mente dos petistas acadê­micos. Político profissional por exce­lência, pragmático, ele nunca perdeu tempo com ideologias. O negócio de Dirceu sempre foi o poder. Conquistá- lo e preservá-lo independentemente das doutrinas e dos meios empregados. Foi esse pragmatismo — somado à ambi­ção para escalar o panteão dos podero­sos — que fez dele um protagonista da ascensão do PT ao comando do país. Dirceu profissionalizou a legenda na década de 90, transformando-a na mais azeitada engrenagem partidária brasi­leira. Depois, dedicou-se à reconstru­ção da imagem de Lula, do sindicalista radical de 1989 ao Lulinha paz e amor de 2002, que finalmente conquistou a Presidência da República depois de três tentativas frustradas. Os serviços pres­tados durante essa caminhada renderam prestígio a Dirceu. No PT, ele se tomou ídolo da militância e o líder con­sultado pela direção da sigla antes de cada decisão tomada. No governo Lula,assumiu o cargo de chefe da Casa Civil ou de capitão do time, de primeiro- ministro, como gostava de dizer para alimentar a própria fama.

A conquista do Palácio do Planalto, porém, não bastava a José Dirceu. A me­ta era perpetuar o PT no poder, e não apenas para Lula desfrutá-lo. Dirceu também queria ser presidente da Repú­blica. Ele sabia que trabalhar por Lula — de quem recebera carta branca para garantir a vitó­ria na eleição de 2002 — era trabalhar para ele pró­prio. Os projetos de poder dos dois, imaginava, cami­nhavam de mãos dadas. Por isso, Dirceu foi a cam­po com uma desenvoltura inaudita. Como coordena­dor do ministério do novo governo, escalou petistas de confiança para postos estratégicos da administração. Dirceu centralizava com mãos de ferro as nomeações para cargos públicos, usando-as para manter próceres petistas na sua ór­bita. Como coordenador político do no­vo governo, costurou os acordos com cada um dos partidos aliados. Foi o fia­dor da chamada governabilidade. O arquiteto de uma aliança que, se bem-su­cedida, poderia consolidá-lo como favo­rito à sucessão de Lula.

Essa aliança uniu antigos desafetos do PT, caso do ex-presidente José Sar- ney (PMDB), e partidos que até então eram considerados fisiológicos pelos petistas, como o PR e o PTB. Àquela altura, já estava claro que Lula e Dirceu não sentiam nenhum constrangimento em mudar de opinião como quem troca de roupa. Só não estava claro, no entan­to, que eles haviam abandonado os es­crúpulos de consciência e os princípios éticos dos tempos de oposição. Tudo em nome do projeto de poder. Projeto que, no caso específico de Dirceu, está definitivamente sepultado. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o petista por corrup­ção ativa, juntamente com o ex-presi­dente do PT José Genoino e o ex-tesou­reiro Delúbio Soares. Dirceu foi apontado como o “mandante” do esquema que subornou parlamentares, com di­nheiro desviado dos cofres públicos, em troca de apoio ao primeiro mandato do presidente Lula. Ele ainda será jul­gado por formação de quadrilha. Se for considerado culpado, receberá pelos dois crimes uma pena que pode chegar a 23 anos de prisão. Dirceu corre o ris­co de se tornar o político de maior en­vergadura da história nacional a expiar seus pecados na cadeia. Um caso raro de preso político na ditadura que aca­baria como político preso em pleno re­gime democrático.

Tão logo foi confirmada a sua con­denação por corrupção ativa, Dirceu se disse — como faz desde a descoberta do esquema do mensalão — vítima de uma conspiração entre setores da elite, da imprensa e do Judiciário, que não acei­tariam a ascensão de um projeto popular ao poder. Numa carta endereçada ao po­vo brasileiro, ele lembrou sua contribui­ção na luta pela democracia, queixou-se de ter sido transformado em inimigo pú­blico número 1 e, como o ex-presidente Lula, repetiu a cantilena petista que denuncia a existência de um golpe destina­do a desbancar o PT da Presidência. “Fui prejulgado e linchado. Não tive, em meu benefício, a presunção da ino­cência. O Estado de Direito Democráti­co e os princípios constitucionais não aceitam um julgamento político e de ex­ceção”, afirmou Dirceu no texto. “Lutei pela democracia e fiz dela minha razão de viver. Vou acatar a decisão, mas não me calarei.” A carta não comoveu anti­gos aliados — nem mesmo aqueles que, com os mandatos presidenciais petistas, passaram a ter o apoio devidamente re­munerado com verbas públicas. Ao con­trário. Os companheiros não saíram às ruas em sua defesa. Na quarta-feira, em São Paulo, as poucas manifestações de populares foram de censura ao ex-mi­nistro, que deixou um encontro em sua homenagem a bordo de carro blindado e debaixo de vaias.

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