O que a proximidade de um julgamento não faz. Nos últimos dias, temos visto réus de variados calibres procurando espaços políticos para, se não angariarem votos favoráveis, pelo menos não acirrar os ânimos de seus futuros julgadores.
É o caso, por exemplo, da estranha dobradinha entre os senadores Demóstenes Torres, à beira do cadafalso, e Collor de Mello, um de seus futuros juízes no processo de cassação de mandato, que deve ir para decisão em voto secreto no Senado.
Dias antes, um encontro dos dois havia sido flagrado por câmeras de televisão no plenário praticamente vazio. Quando foi ao Conselho de Ética do Senado, Demóstenes, para espanto geral, apoiou a tese de Collor de que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, prevaricou ao sobrestar o processo contra ele, sem pedir novas investigações ou arquivá-lo.
Ora, o procurador-geral da República está justamente sendo acusado de tentar, com sua atitude, proteger o senador Demóstenes Torres, que agora vem a público corroborar a tese de que ele errou ao conduzir o processo do jeito que conduziu.
Gurgel disse por escrito àCPMI que não dera sequência ao processo para não prejudicar futuras investigações, o que, segundo sua versão, deu oportunidade a que surgissem novas operações da Polícia Federal que afinal incriminaram o senador.
E por que Demóstenes aliou- se a Collor para criticar o procurador-geral da República? Todo o cálculo dele parece ter sido guiado pelo julgamento que terá pela frente no plenário do Senado, numa conta pragmática.
Collor é um senador que poderá votar a seu favor, e, portanto, Demóstenes preferiu fazer um acordo com um possível eleitor do que preservar a reputação do procurador-geral da República.
No caso de seu silêncio de ontem na CPMI do Cachoeira, tudo indica que Demóstenes deu um passo em falso, irritando seus membros.
Recusar-se a falar a seus companheiros não parece ser uma boa tática, e a única explicação é que teve receio de contradizer em algum ponto o depoimento que já dera na Comissão de Ética.
A sorte dele é que o destempero do deputado Silvio Costa, do PDT, fez com que um estranho espírito de corpo opusesse deputados a senadores no plenário da comissão.
O senador Pedro Taques, também do PDT e que atuou no Ministério Público assim como Demóstenes, tentou fazer com que o deputado parasse com a série de agressões verbais a Demóstenes, alegando que ele estava apenas exercendo seu direito constitucional de ficar calado para não se comprometer.
Mas o deputado reagiu contra Pedro Taques também, usando inclusive palavrões, acusando-o de estar mancomunado com Demóstenes — o que é uma acusação sem base em fatos, pois Pedro Taques tem sido um crítico ferrenho de Demóstenes —, o que fez com que a sessão fosse encerrada com a dispensa do senador Demóstenes Torres.
A humilhação pública a que o ainda senador Demóstenes Torres foi submetido pelo deputado Costa colocou em campos opostos senadores, que se indignaram com a atitude, e deputados, que acusam agora os senadores de estarem agindo por espírito de corpo.
Tudo o que o senador Demóstenes Torres espera é que o espírito de corpo prevaleça na votação secreta do Senado.
Outro caso curioso de interesses pessoais imediatos se sobrepondo a estratégias políticas é o que envolve os mensaleiros — inclusive o mais importante deles, o ex-ministro José Dirceu —, e a decisão do expresidente Lula de tentar interferir no resultado do julgamento do mensalão.
A estratégia de convocar a CPMI para colocar a oposição no banco dos réus e tentar transformar o mensalão em uma farsa arquitetada pela oposição foi urdida com a colaboração do próprio Dirceu, mas os objetivos imediatos, embora semelhantes, têm nuances que neste momento separam os dois.
Para Lula, o julgamento do mensalão tem dois inconvenientes: pode interferir nas eleições municipais, especialmente na de São Paulo, onde luta para emplacar o ex-ministro da Educação Fernando Haddad; e representa um julgamento de seu próprio governo, que ficaria marcado pela corrupção caso a decisão majoritária do Supremo seja reconhecer a existência do esquema fraudulento de aliciamento político, e pelo menos parte dos mensaleiros seja condenada.
Como a estratégia de intimidar o ministro Gilmar Mendes esbarrou em sua reação apaixonada, os réus do processo logo viram que a tentativa de colocá-lo no corner poderá provocar uma reação corporativa no Supremo.
Por isso o ex-ministro José Dirceu anda dizendo nos últimos dias que não acredita que Mendes tenha algum envolvimento com Cachoeira e elogia sua postura ética e seu conhecimento jurídico em diversas conversas que vem tendo.
Procura, assim, distanciar- se da ação de Lula e dos blogs chapas-brancas, com cujos representantes reuniu- se recentemente para estabelecer estratégias de defesa que agora parecem temerárias.
Também o deputado João Paulo Cunha, menos experiente que Dirceu, saiu em defesa de Gilmar Mendes, tentando equilibrar-se entre ele e Lula: “Acho que o Lula não seria inocente de chegar cobrando declaradamente alguma coisa, mas o ministro Gilmar Mendes é um ministro preparado. Eu diria até que o mais preparado do Supremo”, comentou Cunha com jornalistas.
Publicado o seu raciocínio, deve ter levado uma advertência, pois logo depois voltou a se pronunciar sobre o caso, dizendo que estavam querendo deturpar suas palavras e que ele era solidário a Lula.
São os réus tentando um difícil equilíbrio às vésperas de julgamentos decisivos para suas carreiras políticas.
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