CORREIO BRAZILIENSE - 07/05/12
Ao criticar os juros, Dilma mirou especialmente a classe C, que não tem conseguido guardar dinheiro na poupança e está endividada. Ela entendeu o recado que Fernando Henrique Cardoso deu há um ano
No último sábado à noite, um caixa eletrônico travou e reteve o cartão de um correntista que tentava fazer um saque num shopping de Brasília. Ele estava furioso: “Estou aqui há um tempão, não consigo tirar o meu cartão, não tem nem com quem reclamar. Esses bancos cobram tarifas caras da gente e não atendem. Só a Dilma para dar um jeito nesses bancos”, dizia o cidadão. Na minha cabeça, a luz acendeu na hora: Dilma, de boba, não tem nada.
O comportamento dele mostra que Dilma deu um tiro certeiro ao decidir enfrentar a batalha dos juros cobrados pelos bancos, cartões de crédito e financiamentos em geral. A reação é um forte indício de que o discurso dos juros, feito em 1º de maio na tevê, deve ter atingido seu objetivo estratégico. Ao eleitor que estava de folga no feriado e acompanhou o discurso, Dilma está mais para a mulher corajosa que combate os bancos do que para a presidente que mexeu na poupança dois dias depois. Qual imagem vai prevalecer, quem vai decidir são os parlamentares, que irão analisar e debater as mudanças na poupança a partir de hoje.
Por falar em imagem...
Mesmo em relação ao rendimento da poupança, a forma como o governo mexeu nessa seara mostra que o Brasil vem amadurecendo no respeito aos contratos. Erra quem for comparar essa mexida ao confisco promovido em meio ao deslumbramento collorido, em 1990. Desta vez, quem tinha dinheiro na poupança antes do anúncio da mudança não sofrerá qualquer perda em seus rendimentos. Lá, não escapou ninguém. Também é bom lembrar que, em 2009, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pretendia mudar os rendimentos de depósitos acima de um determinado valor. E, agora, três anos depois, a mexida vem, sem afetar qualquer poupador.
E, de mais a mais, vale a pena lembrar que o consumidor anda cansado de comprar uma geladeira e pagar por quase três no crediário. E cada vez se endividando mais. Não é de hoje que os jornais estampam a inadimplência do brasileiro. Uma pesquisa encomendada pela Federação do Comércio do Rio de Janeiro mostrou que, em março deste ano, 44,6% das famílias brasileiras estavam endividadas. Em março de 2011, esse percentual era de 41,6%. O maior percentual de inadimplência estava na classe C: 22%.
Por falar em classe C...
Está claro que, ao criticar os juros cobrados pelos bancos, incluídos aí os dos cartões de crédito, Dilma mirou especialmente esse público que mudou de padrão de vida. E, nesse grupo, quem está endividado achará muito mais interessante pagar menos juros do que ganhar uns trocados a mais na poupança — até porque não tem sobrado muito para poupar, por causa das prestações.
Não por acaso, no ano passado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso alertava ao PSDB que era preciso mirar a classe C, preparar projetos para servi-la melhor. Afastado do dia a dia da política — por isso mesmo com uma visão melhor do todo — ele afirmava que aí estava a chave para conquistar simpatias e, por tabela, votos. Dilma parece ter entendido o recado e, como está no poder, começa a agir. Portanto, ao PSDB e ao DEM, é melhor ir devagar ao criticar a mexida na poupança. Até porque, se os juros caírem mais, será sinal de que Dilma estava certa. Aí, quem criticar pode ter o mesmo destino que o PT teve em 1994, quando criticou o Plano Real e amargou mais oito anos de oposição. E não houve CPI que fizesse o brasileiro eleger o PT até que a economia começasse a fraquejar.
Por falar em CPI...
Esta semana, ao que tudo indica, a CPI continuará na trilha do senador Demóstenes Torres, que depõe no Conselho de Ética, dos deputados citados e dos governadores, inclusive o do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. O peemedebista não consegue mais participar de solenidades sem constrangimentos. Está passando da hora de ele vir a público apresentar a comprovação da quitação de suas despesas no exterior. Se continuar essa fumaça sobre suas viagens, ficará cada vez mais difícil ele passear pelo Rio de Janeiro ou andar pelo calçadão sem ouvir vaias ou desaforos. Bem... Talvez ele console a sua esposa dizendo: “Sempre teremos Paris”.
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