segunda-feira, maio 07, 2012
Contra a Constituição - EDITORIAL O GLOBO
O Globo - 07/05/12
Enterrado em 1988, com a promulgação de uma Constituição moldada nos preceitos do estado democrático de direito, o ciclo do autoritarismo que dominou a vida política durante a vigência do regime militar de 64 deixou previsíveis sequelas institucionais no país. Algumas na forma de explícitos dispositivos do que ficou conhecido como "entulho autoritário". O mais pernicioso deles foi a Lei de Imprensa, uma aberração de 1967, que, não obstante o visível contraste com o espírito liberalizante da Carta de 88, se manteve em vigor na vida jurídica brasileira até 2009, quando foi, enfim, derrubada pelo Supremo Tribunal Federal.
Há distorções até mesmo de origem posterior ao ciclo da ditadura militar. Foram - ou são - fruto de uma "cultura do autoritarismo" que marca boa parte da história política do país, caso da Lei Eleitoral. Restritiva, anacrônica, sequer pode ser atribuída diretamente ao arbítrio do período militar, por ser de 1997. Mas é considerada um entulho contaminado por uma tradição discricional que ainda se manifesta em práticas políticas condenáveis, mesmo estando o Brasil, com o anteparo da Constituição, oficialmente livre de atentados a direitos individuais.
Foi com base nos dispositivos dessa lei que, em março, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu a veiculação de propaganda eleitoral no Twitter - por extensão, em outros meios da chamada rede social - antes de 6 de julho, quando começa o período oficial da campanha para as eleições municipais deste ano.
A decisão do TSE foi provocada por um recurso do ex-candidato a vice-presidente Indio da Costa, multado em 2010 por ter veiculado em sua página no microblog mensagens em que pedia votos para o candidato à Presidência José Serra.
Para além de evidenciar que, ao ancorar decisões na lei eleitoral de 97, o TSE tem se mostrado restritivo, a proibição é inequívoco ataque ao princípio da liberdade de expressão assegurado pela Constituição. Não se questiona a necessidade de a Corte, como guardiã constitucional da lisura dos pleitos eleitorais, barrar excessos e evitar a prevalência do abuso do poder econômico nas campanhas. Isso, tanto quanto correto, é fundamental para o aprimoramento da democracia no país. Mas, ao exorbitar na regulação do processo eleitoral, o tribunal parece incorrer no mesmo equívoco de ameaçar programas humorísticos e coibir análises jornalísticas na TV e no rádio - tentativa, de resto e felizmente, abortada em 2010 por conta de recurso da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) junto ao STF.
Assim como no caso dos programas de TV, trata-se de censura ao livre debate de ideias a restrição de propaganda nas redes sociais. O próprio placar da votação no TSE (4 a 3) demonstra que a Corte não tem posição unânime, evidência de que a decisão merece ser revista, até mesmo por ferir direito constitucional dos cidadãos. Empossada na presidência do Tribunal, portanto como a maior autoridade eleitoral da próxima campanha, a ministra Cármen Lúcia, contrária à proibição, proferiu certeira comparação: "O Twitter é uma mesa de bar virtual."
O que introduz outro fator crucial no debate: além de ferir a Constituição, a decisão da Justiça Eleitoral pode ser inócua. Afinal, como rastrear as redes sociais? À parte ser inaceitável, é possível censurar a rede mundial de computadores?
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