segunda-feira, maio 07, 2012
Além das políticas monetária e fiscal - GUSTAVO LOYOLA
Valor Econômico - 07/05/12
A crise econômica da zona do euro parece longe do fim. Seus custos sociais aumentam a cada dia, assim como a impaciência dos cidadãos atingidos pelo desemprego e pela falta de perspectivas. O problema é que as políticas macroeconômicas tradicionais se mostram impotentes não apenas para combater as causas profundas da crise, mas também para mitigar suas consequências negativas sobre a conjuntura econômica. Neste contexto, os riscos de desagregação do euro não podem ser negligenciados.
O euro sofre hoje de um tríplice problema: crise fiscal, crise bancária e crise de crescimento. A simultaneidade dessas crises, aliada à complexidade da governança da Comunidade Europeia e da moeda única, dá às dificuldades europeias uma dimensão única na história econômica recente. Neste sentido, a crise tem características inéditas, fato que reforça a tentação do experimentalismo na formulação e condução das políticas anticrise - sejam elas comunitárias ou nacionais. Aí se tem, aliás, mais um fator de risco inerente ao problema europeu, qual seja o uso de heterodoxias não testadas no campo da política econômica.
Consideremos inicialmente as políticas macroeconômicas usuais: a política monetária e a política fiscal. Com relação à primeira delas, quase não há espaço adicional para ações do Banco Central Europeu (BCE). De um lado, as taxas de juros já se encontram num patamar de quase zero, pouco restando a fazer com este instrumento para aumentar a liquidez nos mercados e incentivar a atividade econômica. De outro, com as operações de refinanciamento de longo prazo (LTRO - Longer Term Refinancing Operations), cujo montante hoje atinge cerca de um trilhão de euros, o BCE trouxe um socorro efetivo para as necessidades mais urgentes de liquidez no mercado bancário europeu e conseguiu reduzir a níveis suportáveis, pelo menos no curto prazo, as taxas de juros pagas pelos países atingidos pela crise, como Itália e Espanha. Contudo, embora indispensável para evitar o colapso do mercado bancário e de títulos da dívida, essa atuação do BCE não é capaz de lidar com as raízes da crise e, assim, não pode ser considerada como solução para os problemas do euro.
Quanto à política fiscal, a necessidade de ajuste das contas públicas choca-se frontalmente, no curto prazo, com o objetivo de estimular a atividade econômica. O corte de gastos e a elevação de impostos - medidas típicas de ajuste fiscal - são ambas depressoras da atividade, o que representa uma dificuldade adicional no contexto de economias já bastante deprimidas. Mesmo não havendo dúvidas de que uma melhor posição fiscal favorece o crescimento econômico - haja vista o aumento da confiança e a redução dos prêmios de risco - não há como ignorar os efeitos das políticas de austeridade fiscal sobre a atividade, mormente quando a política monetária se encontra em "ponto morto", como ocorre no momento na zona do euro.
Numa situação como essa, a qualidade do ajuste fiscal se torna ainda mais relevante do que o mero nível quantitativo de redução do déficit. Os governos devem idealmente buscar ajustes que perdurem no longo prazo, como é o caso das mudanças nos regimes previdenciários, anomalamente generosos na maioria dos países em dificuldades. Este tipo de ajuste é muito mais propenso a gerar aumento de confiança nos agentes econômicos do que cortes de despesas ou elevações temporárias de impostos. Além disso, devem ser poupados os gastos públicos em investimentos fundamentais para o crescimento, como nas áreas da educação e da inovação.
Por sua vez, não há como se reestabelecer a confiança na moeda sem mexer com a contraditória situação de uma moeda única convivendo com autoridades fiscais nacionais independentes, com pouca ou nenhuma coordenação a nível supranacional. A experiência histórica ensina que o fortalecimento de uma autoridade fiscal central é quase sempre fundamental para a consolidação de uma unidade monetária estável em determinado território. A presente crise coloca os países europeus diante de um dilema: ou avançam no processo de integração, por meio do fortalecimento de uma união fiscal, ou criam condições para que os países-membros possam abandonar a moeda única, de maneira ordenada e não traumática. Continuar no meio-termo não é mais uma opção.
Por último, e não menos importante, há a importante e urgente questão da recapitalização dos bancos europeus, sem o que as perspectivas de recuperação econômica mantêm-se pífias nos próximos anos. O atendimento deste objetivo, porém, implica maior pressão sobre as contas públicas dos países membros do euro, alguns dos quais não têm como amealhar no mercado os recursos necessários. Desse modo, o uso de recursos gerados a nível comunitário é inevitável, o que também conspira para a necessidade do fortalecimento de uma autoridade fiscal supranacional.
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