quarta-feira, novembro 18, 2009

ELIO GASPARI

O BC fritou Torós à moda do Uzbequistão

FOLHA DE SÃO PAULO - 18/11/09


Os comissários de Mantega e Meirelles deixaram-nos na posição de dupla caipira


A FRITURA de Mário Torós na diretoria de Política Monetária do Banco Central teve ingredientes caipiras, mesquinhos e soviéticos.
Os doutores Guido Mantega e Henrique Meirelles são pessoas de gostos e conhecimentos cosmopolitas, mas formaram uma dupla caipira. Torós teria sido defenestrado porque revelou numa entrevista aos repórteres Cristiano Romero e Alex Ribeiro informações "estratégicas" sobre a política do governo para enfrentar o pânico financeiro de 2008.
Torós nada revelou que não possa ser achado nos jornais da época. Mais: passado um ano, nada de essencial há a revelar que um trainee de banco já não saiba. A pobreza desse argumento envergonha quem o ouve. Presume que se deve respeito aos segredos do Banco Central de Pindorama, quando se sabe que o mercado americano já foi abastecido com uma boa dezena de livros contando o que houve por lá entre agosto e outubro de 2008. (Papeleiro que se preza quer ler "Too Big to Fail", ou "Grande Demais para Quebrar".)
O Fed americano não vive no regime de clausura do Banco Central brasileiro, onde já houve diretores que não colocavam suas biografias na internet. A cada cinco anos o Fed libera as transcrições dos áudios das suas reuniões. A cada reunião o Copom destrói as suas. O banco diz que faz isso para preservar a franqueza no debate. Preserva também a inimputabilidade da rapaziada.
Torós teria sido defenestrado porque contou coisas que não poderiam partir de um hierarca. Esse foi o aspecto mesquinho, como se ele tivesse desafinado no coral da festa de Don Vito Corleone.
Meirelles esteve demitido do Banco Central, como sugeriu Torós? Esteve. Em maio de 2008, antes da crise, Nosso Guia convidou para o lugar o professor Luiz Gonzaga Belluzzo. Ele aceitou e Lula sentiu-se melhor (nas suas palavras). Na semana em que colocaria o guiso em Meirelles a economia brasileira conseguiu a marca de "investment grade" na banca mundial. Não ficava bem demitir o presidente do Banco Central no meio dos festejos.
Da entrevista de Torós sobram uma referência ao ministro Mantega, associando-o a uma corrida ao dólar e o caso do Banco Votorantim. Ele contou que no dia 10 de outubro o presidente do Banco do Brasil ligou para um diretor do BC, perguntando se havia possibilidade de a Votorantim vender seu banco. Se foi só isso, é vento. A notícia de que o Banco Votorantim tomara uma pancada cambial estava nos jornais do dia 9. No dia 10 soube-se que o tranco chegara a R$ 2,2 bilhões. É provável que os dois doutores estivessem brincando de "Senhores do Universo". Se o fato do diretor do Banco Central confirmar que os controladores do Votorantim poderiam vendê-lo fosse malfeitoria, os secretários do Tesouro americano Henry Paulson e Timothy Geithner passariam o resto de suas vidas na cadeia.
A fritura de Torós foi antecedida por comentários desprimorosos, capazes de honrar as melhores tradições do Kremlin. A mesma máquina que contou com a ajuda de Torós para manter silêncios injustificáveis funcionou para tentar triturá-lo. Fazendo coisas assim os doutores do BC prejudicam seu pleito por um Banco Central autônomo . Ou melhor, aproximam-se dos costumes do Uzbequistão, onde o BC tem mais autonomia que o brasileiro e o ditador manda ferver oposicionistas.

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