Visita de Obama à China é certidão de nascimento do G2
FOLHA DE SÃO PAULO - 18/11/09
Encontro é certidão de batismo do G2
China e Estados Unidos se firmam como únicos ocupantes do assento da frente na condução de grandes temas globais
A visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, à China serviu, acima de tudo, para emitir a certidão de nascimento do G2, formado obviamente pelos dois países, como os únicos ocupantes do assento da frente na condução dos assuntos globais.
Não se trata de interpretação de algum dos especialistas que têm falado assiduamente nesse novo G. É uma declaração de Jon Huntsman, embaixador dos Estados Unidos na China e, como tal, importante membro da delegação norte-americana:
"Só há realmente dois países no mundo que podem, juntos, resolver certos assuntos, seja energia limpa, mudança climática, segurança regional, Irã, Coreia do Norte, Afeganistão e Paquistão, chegando até à economia global", deixou claríssimo Huntsman, no "briefing" (sessão informativa) para os repórteres norte-americanos que cobrem a visita.
Vai ser muito difícil, quase impossível, conseguir uma declaração tão explícita de algum diplomata, de qualquer país, sobre como encara o gerenciamento do planeta.
É claro que os chineses, discretos como são, jamais exporiam, de público, uma visão tão nítida. Mesmo assim, o presidente Hu Jintao listou uma vasta coleção de temas em que ele e Obama estão "dispostos a atuar em benefício mútuo", coleção que, de alguma forma, equivale à lista de Huntsman: "Estamos dispostos a aprofundar nossa cooperação em contraterrorismo, aplicação da lei, ciência, tecnologia, espaço exterior, aviação civil, exploração espacial, infraestrutura de ferrovias de alta velocidade, agricultura, saúde e outros campos", para não mencionar "um progresso ainda maior no fortalecimento de laços de militares para militares".
É igualmente significativo que o G2 tenha puxado para si o tema do reequilíbrio da economia global, que ocupa também o G20 -o clube das 21 maiores economias do mundo mais a União Europeia- sem que tenha, contudo, sido satisfatoriamente encaminhado.
Qual é o equilíbrio que se busca? Ei-lo, nas palavras de Barack Obama:
"Uma estratégia em que a América poupe mais, gaste menos, reduza nossa dívida de longo prazo e em que a China faça ajustes em um amplo elenco de políticas para rebalancear sua economia e estimular a demanda doméstica".
O desequilíbrio que se quer corrigir agora existia antes da crise de 2008 e bom número de especialistas aponta-o como a grande causa para ela.
Yuan
No bojo desse grande desequilíbrio há outro, no câmbio, que é a grande preocupação imediata do ministro brasileiro da Fazenda, Guido Mantega: a sobrevalorização do real em relação tanto ao dólar norte-americano como ao yuan chinês, aliás a ele indexado.
Mantega levou essa inquietação à mais recente reunião ministerial do G20, sem que o comunicado final a mencionasse nem mesmo tangencialmente.
Evidência adicional que o G2 lida com mais fluidez com assuntos que o G20 não consegue administrar, Obama reclamou de Hu Jintao do câmbio do yuan, subvalorizado, e saudou "o compromisso chinês, feito em manifestações passadas, de mover-se rumo a uma taxa de câmbio mais ditada pelo mercado, com o tempo".
Mas, atenção, a certidão de batismo do G2 não quer dizer que EUA e China estão de acordo em tudo. Bem ao contrário, as divergências conhecidas (Irã, mudança climática, o câmbio etc.) permanecem.
Mas as duas partes reconhecem, como escreveu o jornalista Keith Richburg para o "Washington Post", que "as economias norte-americana e chinesa -a maior do mundo e a grande economia que cresce mais rapidamente, respectivamente- tornaram-se inextricavelmente ligadas, trancadas em uma espécie de codependência que nenhum dos lados acha que é particularmente saudável, mas que, no momento, nenhum dos dois vai se mover para romper".
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