segunda-feira, agosto 29, 2011

PAULO RABELLO DE CASTRO - A classe média global não quer mais pagar a conta


A classe média global não quer mais pagar a conta
PAULO RABELLO DE CASTRO
Revista Época

A quebra das amarras do centralismo em economias de países emergentes, como Índia, China e Brasil, traz mais oportunidades a centenas de milhões de indivíduos. O avanço social formidável seria a prova irrefutável de que o capitalismo, cínico e pragmático, entrega às sociedades um resultado distributivo mais profundo do que qualquer fantasia igualitária. Mas o que acontece quando a elite financeira e seus despachantes políticos convocam sempre a classe média a bancar a conta dos excessos?

A crescente afluência das chamadas "classes médias" nos Brics e em nações semelhantes não permite dúvidas quanto ao êxito da fórmula capitalista de desenvolvimento social espontâneo, pelo anônimo poder de arranque do empreendedorismo, em vez do mando autoritário e burocrático de algum poder central. A crise financeira de 2008 arranhou a reputação de bancos e governos, mas não conseguiu quebrar a esperança na liberdade econômica. Ninguém teria coragem de afirmar que o socialismo é a saída para a crise mundial. Apesar disso, difunde-se mundo afora uma tendência de socializar os prejuízos financeiros da crise, o que piora a imagem do livre mercado.

Os governos tentam empurrar a conta para os cidadãos, inflando a dívida pública de países dos dois lados do Atlântico e estendendo o prazo do ajuste efetivo. A maneira de cobrir tais prejuízos bilionários é pelo aumento da carga de impostos. E, quando a conta tributária vem mal repartida, a sensação de opressão social e financeira aumenta explosivamente, gerando a instabilidade política que se pressente nas políticas americana e europeia.

Quando um megarrico, como Warren Buffett, vai corajosamente aos jornais, como fez na última semana, para admitir, num artigo do New York Times, que paga uma alíquota de Imposto de Renda pessoal de apenas metade daquela imposta pelo governo americano aos empregados dele e que, até agora, não sentiu a cota de sacrifício que seria distribuída a todos os americanos, ele denuncia que o sistema político passou a manipular abertamente as leis em favor dos grupos de ricos privilegiados que financiam as campanhas eleitorais dos que querem ficar no poder para sempre.

A taxação menor dos ricos será tema de campanha nos EUA em 2012. No Brasil, há razões de sobra para revolta

O que isso tem a ver com as manifestações de apoio a um líder anti-corrupção, como Anna Hazare, na Índia, que vem ganhando milhões de novos adeptos todos os dias? E por que crescem as insurgências populares no interior da China, reprimidas com violência pelas autoridades locais? Tais manifestações de insatisfação social parecem ir muito além da mera revolta difusa contra a corrupção dos donos do poder nesses países de crescimento recente. Denotam também uma emergente percepção, pelas classes médias, de que a vantagem capitalista pode acabar concentrada nas mãos de poucos. Nos Estados Unidos, a revolta contra a taxação privilegiada dos mais ricos vai se tornar tema central na futura campanha presidencial de 2012. Essa nova hostilidade das classes médias, eternas pagantes das malandragens dos ricos, representa o fim do pacto tácito que vinha garantindo a evolução vitoriosa das chamadas economias de mercado.

No Brasil, a classe média tem motivos de sobra para iniciar uma revolta contra o imposto injusto, servido com cobertura de corrupção explícita. Além de prender o brasileiro num manicômio tributário, o governo reserva o direito ao sistema de pagamento de impostos chamado "Simples" apenas para quem é pequeno e quer ficar pequeno. Para os demais, que têm o saudável e necessário desejo de crescer, vale o sistema de tributação tradicional – o "Complicado". Essa cretinice oficial confessada é agravada por um sistema de taxação que faz pagar mais quem pode menos, ou seja, o pobre paga o dobro embutido no preço das mercadorias, além de pagar impostos em cascata, duplicados e triplicados. Por que o brasileiro aceita isso sem rebelião é tema para a sociologia do comodismo. É uma letargia social que pode não durar para sempre. Ainda haverá muita pancadaria, aqui e no resto do mundo conflagrado.

FERNANDO ABRUCIO - A eleição municipal e o relógio político

A eleição municipal e o relógio político
FERNANDO ABRUCIO
Revista Época

AS MAIORES DIFICULDADES PARA DILMA TÊM MAIS CHANCES DE APARECER NA SEGUNDA PARTE DO MANDATO

A política sempre pode trazer surpresas, tal qual o futebol. Mas, se não houver nenhum fato novo de grandes proporções, os congressistas da base governista não gerarão uma crise de governabilidade até a eleição municipal. Escândalos e lutas entre aliados podem continuar a ocorrer, como já tivemos em outros governos. O estranhamento em relação ao estilo da presidente Dilma também pode produzir ruídos. Só que a maior parte dos políticos não fará movimentos abruptos antes do pleito de 2012.

Como mostraram os escândalos nos Transportes e no Turismo, o que estava em jogo era, além da corrupção em si, a criação de benefícios às bases locais dos parlamentares. Este é um dos principais eixos da carreira dos congressistas. Muitos concorrerão a prefeito e outros, em maior número, terão de se posicionar em relação à competição em seus redutos. Seguindo essa linha de raciocínio, as eleições municipais, que ocorrem exatamente na metade do mandato do presidente e dos deputados, constituem um momento-chave para definir estratégias para 2014. Um erro muito grande na disputa pelas prefeituras pode ser fatal aos que pretendem se reeleger.

O caráter estratégico das eleições municipais recomenda cautela aos políticos com mandato federal. Obviamente que eles têm alianças históricas em seus redutos e tentarão mantê-las ou ampliá-las. No entanto, também é preciso levar em conta o peso das ações dos outros níveis de governo. Assim, a situação econômica nacional, a influência das políticas federais e estaduais sobre os municípios, o clima de apoio ao presidente e ao governador são questões que afetam o cálculo dos congressistas em sua participação na disputa local.

O governo Dilma tem boa popularidade e, salvo surpresas catastróficas, deverá manter um nível semelhante até o período próximo às eleições de 2012. É bem verdade que a economia pode ser afetada com maior intensidade pela crise internacional, mas o mais provável é que o Brasil ainda possa aguentar razoavelmente bem essa pressão. Ademais, as políticas federais atingem uma parte considerável dos municípios. Uma briga maior contra o Executivo pode transformar um político num aliado não muito desejado pelos prefeituráveis. Não se pode esquecer, por fim, que o presidente Lula fará campanha em grande parte do país. E ele continua sendo, em vários lugares, um poderoso cabo eleitoral.

Quem pode se contrapor mais ao ímã do poder federal é a oposição partidária e, sobretudo, os governadores. Os primeiros são fortes em determinados colégios eleitorais, mas por ora não há uma onda política que permita antever um grande crescimento dos oposicionistas em 2012. O mais provável é que cresçam onde seus governadores conseguirem ser eleitoralmente mais efetivos.

Os governadores são peça-chave na eleição municipal. Mas não se pode adotar a premissa segundo a qual eles estariam, necessariamente, num lado oposto ao governo federal. Muitos deles apoiam e dependem dos recursos da União, em particular nos dois primeiros anos de governo, momento propício ao ajuste das contas, com o propósito de se gastar mais no final do mandato. Mesmo as governadorias comandadas por oposicionistas não pretendem criar muita animosidade com o Executivo federal neste momento.

A moral da história é que os governistas não teriam nada a ganhar agora, véspera da estratégica disputa pelas prefeituras, com um afastamento radical da base de apoio à presidente. Ao contrário, tenderiam a perder discurso e/ou recursos – as duas armas principais da política. Uma mudança maior só poderá ocorrer no dia seguinte das disputas municipais, dependendo dos resultados eleitorais.

A preocupação com a governabilidade não deve nunca ser negligenciada. Não obstante, as maiores dificuldades para a presidente Dilma têm mais chances de aparecer na segunda parte do mandato. Isso pode advir da piora da situação econômica, de novas demandas sociais, do crescimento da oposição e do surgimento de um novo queremismo, com os políticos da situação pedindo a volta de Lula.

LUIZ ANTÔNIO SANTINI e TÂNIA CAVALCANTE - Tabagismo epidêmico

Tabagismo epidêmico
LUIZ ANTÔNIO SANTINI e TÂNIA CAVALCANTE
Estado de Minas  - 29/08/11

Os 24 milhões de brasileiros fumantes estão concentrados nas populações de menor renda e escolaridade, as mais vulneráveis às estratégias de mercado
Celebra-se hoje em todo o Brasil o Dia Nacional de Combate ao Fumo. Embora muitos avanços tenham sido conquistados na luta contra o tabaco, ainda não é o momento para comemorar. Atualmente, o mundo assiste a um alarmante crescimento da carga de Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DCNT) como câncer, doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas (bronquite, asma e enfisema), tendo o tabagismo como um dos grandes causadores. Esses males, se somados ao diabetes, representam mais de 60% das mortes anuais no mundo, porém consomem menos de 3% dos recursos públicos e privados aplicados na saúde.
O fumo e outros fatores, como o consumo de alimentos com alto teor de gorduras saturadas e trans, sal e açúcar, o sedentarismo e o consumo nocivo de bebidas alcoólicas, causam mais de dois terços de todos os novos casos de DCNT no mundo e aumentam o risco de complicações nas pessoas que já sofrem dessas doenças. Das 35 milhões de mortes anuais no mundo por DCNT, cerca de 80% ocorrem em países em desenvolvimento. E estima-se que, para cada 10% de aumento na mortalidade por essas doenças, o crescimento econômico seja reduzido em 0,5%. Nesse contexto, o controle do tabaco é considerado uma das intervenções mais prioritárias e viáveis em custo para enfrentar esse problema.
O tabagismo ainda é uma epidemia em franca expansão, principalmente em países em desenvolvimento. Uma situação que levou 192 países (inclusive o Brasil) a negociarem o primeiro tratado internacional de saúde pública sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT) e a reconhecerem a indústria do tabaco como vetor da epidemia de tabagismo.
Hoje a prevalência de fumantes no Brasil é uma das menores do mundo, o que já se traduz em redução da mortalidade por doenças cardiovasculares (homens e mulheres) e por câncer de pulmão (homens). No entanto, ainda temos muitos desafios. Um deles é que os 24 milhões de fumantes atuais estão concentrados mais nas populações de menor renda e escolaridade, as mais vulneráveis às estratégias de mercado. Quase 24% da população ainda se expõem involuntariamente à fumaça ambiental de tabaco em seus locais de trabalho, índice também maior nas populações de menor renda e escolaridade.
Isso evidencia que a Lei Federal nº 9294, que desde 1996 proíbe o ato de fumar em recintos coletivos, não tem sido eficiente para proteger de forma adequada a população dos riscos do tabagismo passivo, pois ainda permite áreas reservadas para fumar (os populares fumódromos).
Alguns países e cidades que adotaram leis proibindo o ato de fumar em recintos coletivos já registram redução do número de internações por doenças cardiovasculares. Mas nesse quesito o Brasil ainda é devedor. E está nas mãos do Congresso Nacional a decisão de mudar isso. Desde 2008 tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 315, com o objetivo de ajustar a Lei 9294/96 às diretrizes da Convenção-Quadro.
Por outro lado, estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, que se anteciparam e já ajustaram suas leis para esse fim, são alvos de ações de inconstitucionalidade movidas por incentivadores do tabagismo e correm risco de retrocesso. Enquanto isso, a OMS contabiliza 603 mil mortes por ano em todo o mundo devido ao tabagismo passivo, das quais 7,5 mil são de brasileiros.
É necessário que o Congresso Nacional dê especial atenção à aprovação do Projeto de Lei 315. Com isso será possível proteger ainda mais a saúde dos brasileiros, evitando doenças e salvando mais vidas.

Luiz Antônio Santini
Diretor geral do Instituto Nacional de Câncer (INCA)

Tânia Cavalcante
Secretária executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro de Controle do Tabaco (Conicq)

PAULO BROSSARD - Dize-me com quem andas


Dize-me com quem andas
PAULO BROSSARD
ZERO HORA - 29/08/11

Conversa é que não tem faltado no tocante à "faxina" anunciada pela senhora presidente visando a enfrentar a corrupção, que ultimamente compareceu em nível exagerado; foi notícia nos meios de comunicação, provocou editoriais, até alguns faxineiros teriam se organizado para prestigiar a inovação presidencial, e subitamente a mesma autoridade esclareceu que o endereço da faxina passava da corrupção à fome. Aliás, a faxina não se acomoda com a fome, nem a fome se elimina com faxina, mas com robusto plano alimentar. Não se trata de questão de palavras, mas de objetivos, desde que a corrupção não se beneficie com a mudança; de resto, é oportuno lembrar que graças à faxina alguns resultados foram visíveis em desfavor da corrupção e em benefício da higiene administrativa. E ninguém censurou a senhora presidente por esta limpeza.


Não faz muito e a propósito dessa querela ministerial observei que em matéria de ministros não se espera deles, em princípio, sejam sábios e santos, mas, em primeiro lugar, "homens bons" ou "homens de bem"; o bom nome é pressuposto em qualquer caso; depois desse requisito, o preparo para exercer a função. Ora, esse problema está nas mãos da senhora presidente, pois, no regime presidencial, a ela compete, em caráter privativo, nomear e demitir livremente os ministros de Estado. É o que dispõe a Constituição. De modo que, se não fizer boa escolha, a responsabilidade será sua e de ninguém mais. Dir-se-á que, sendo 37 ou 39 os ministérios, não é fácil prover tantos cargos. Mas a presidente tem assessores idôneos que a esclarecem; se não for bem-sucedida na escolha de bons assessores, dispense-os; permanecendo o embaraço, examine a hipótese de extinguir dois, três ou mais ministérios que ninguém sentirá falta, ressalvados os candidatos a candidatos.


Não ignoro que o atual governo foi organizado a quatro mãos e isto pode ter trazido problemas a tiracolo. Ainda aí sua responsabilidade é intransferível. A alguns dos ministros as referências que circulam não são lisonjeiras como a presidente não ignora; se elas tiverem fundamento, seja agradável ou penosa a operação, a responsabilidade é sua e é inerente à condição de chefe do governo; e, não o fazendo, pode até estimular uma espécie de justiça canibal, que também é um flagelo tão perigoso como uma infração grave. A verdade é que na autoridade presidencial está inserido o poder de livremente nomear e demitir os ministros de Estado.


Assumindo ou renunciando a ele, exercendo-o ou entregando-o ao anonimato irresponsável, a responsabilidade continua a ser sua. O problema pode ser delicado, mas não é insolúvel. E está em suas mãos. E não se esqueça da observação de Rui Barbosa, faz mais de século: "Vive a nossa energia de paroxismos e colapsos. Dormimos largos anos de indiferença, para acordar em excesso de frenesi, ou terror". Os abusos que se tornaram públicos provocaram reação nacional. Não perca a oportunidade, seria em seu desfavor.


É incontável o número de livros lançados todos os dias em todas as partes do mundo. Não estranha, por conseguinte, seja natural e mesmo inevitável que, em todas as áreas do conhecimento, apareçam continuamente livros excelentes, bons, regulares e maus. Pois entre nós, na área jurídica, vem de ser publicada obra de alto quilate, "Da execução do contrato", de autoria do magistrado e professor Ruy Rosado de Aguiar. Integra a série de "Comentários ao Novo Código Civil". A longa experiência do advogado, procurador de Justiça, desembargador, ministro do STJ e agora advogado outra vez lhe permitiu oferecer aos frequentadores desse segmento do saber humano obra harmoniosa, rica, fundamentada em bibliografia opulenta, sem dispensar adequada contribuição jurisprudencial; tem o timbre da editora forense. Nota-se ter sido escrita sem pressa, isto é, para durar.


Jurista, ministro aposentado do STF

Dinheiro ao Mar - REVISTA VEJA


Dinheiro ao Mar
REVISTA VEJA 

O primeiro petroleiro nacional encalhou. É no que dá trocar as leis do mercado pela ideologia

A foto acima, de 7 de maio de 2010, retrata uma cena explorada à exaustão na campanha de Dilma Rousseff. Com pompa e circunstância. O então presidente Lula, com Dilma no palanque, exibia no Porto de Suape, em Pernambuco. O primeiro navio petroleiro construído no Brasil em catorze anos. Tudo teatro eleitoral. Tão logo a platéia se foi a embarcação voltou ao estaleiro e de lá nunca mais saiu. O que poucos sabiam até agora é que o vistoso casco do João Cândido - um portento planejado para transportar 1 milhão de barris de petróleo através dos continentes e que custou à Petrobras 336 milhões de reais (o dobro do valor de mercado) - escondia soldas defeituosas e tubulações que mal se encaixavam. Corria o risco de desfazer-se em alto-mar. Concebido para ser o primeiro de uma série de 41 navios. Símbolo do renascimento da indústria naval, o petroleiro precisou ser parcialmente refeito. O término da reforma está prometido para as próximas semanas, mas técnicos ouvidos por VEJA afirmam que, dado o histórico de trapalhadas, o calendário pode atrasar.

O João Cândido é o epítome da estratégia petista de privilegiar a todo custo mão de obra e fornecedores brasileiros como forma de fomentar os setores petrolífero e naval - a tal política do conteúdo nacional. De acordo com ela, no caso da construção de um navio, pelo menos 65% do valor final deve ser gasto no país. Trata-se de uma regra que despreza a inteligência e o bom uso do dinheiro público, como bem ilustra o episódio do João Cândido. Foi o governo que patrocinou, por meio do BNDES, a criação do Estaleiro Atlântico Sul, encarregado de erguer esse e mais 21 petroleiros. Seus principais sócios são as empreiteiras Camargo Corrêa e Queiroz Galvão, que já fizeram todo tipo de obra, mas nunca montaram nem sequer uma lancha. Dada a magnitude do projeto, seria preciso que contratassem mão de obra altamente especializada. Mas quase todos os 2000 operários recrutados - incluídos aí canavieiros, donas de casa e sacoleiros da região estavam montando um navio pela primeira vez. "Com um contingente tão inexperiente, seria impossível não haver erros", diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura.

Todos os países que têm uma indústria naval forte tiveram um dia de destinar subsídios ao setor. Foi assim com o Japão e a Coréia do Sul, hoje os maiores produtores de navios do planeta. Só que lá, ao contrário daqui, estabeleceram-se exigências técnicas e prazos que obrigaram a indústria a ganhar eficiência e a se tornar independente do governo. Na primeira tentativa feita no Brasil de alavancar o setor, nos anos 60 e 70, foram todos à bancarrota assim que a fonte estatal secou. Agora, mais uma vez, é o governo, via Petrobras, que anuncia um investimento de nada menos que 9,6 bilhões de reais na área. Enquanto isso, o João Cândido continua emperrado - um monumento à incompetência a lembrar com que facilidade se pode lançar ao mar o dinheiro dos contribuintes.

JAGDISH BHAGWATI - O bicho-papão da terceirização


O bicho-papão da terceirização
JAGDISH BHAGWATI
Valor Econômico - 29/08/2011

Estratégia tem sido causa de pânico e persistente protecionismo

A terceirização de serviços tem sido causa de pânico e persistente protecionismo nos últimos anos, especialmente nos Estados Unidos e notadamente a partir da eleição presidencial de 2004. Naquela época, o candidato democrata, senador John Kerry, ao saber que os raios-X digitais haviam sido terceirizados pelo Massachusetts General Hospital em Boston, para serem examinados por radiologistas na Índia, denunciou as empresas terceirizadas comparando-as a Benedict Arnolds, o traidor mais famoso na história dos EUA.

Esse equívoco de Kerry foi seguido por um grande alvoroço em torno da terceirização em todo o Ocidente. Para que o livre comércio recupere o apoio de estadistas que neste momento hesitam em liberalizar o comércio com países em desenvolvimento, os mitos que transformam a terceirização em algo negativo precisam ser combatidos.

Mito 1: A terceirização será como um tsunami. Embora até mesmo um economista arguto como Alan Blinder, ex-membro do Conselho do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) tenha pensado isso, o fenômeno não é provável por várias razões, tanto "naturais" como artificiais. Consideremos apenas duas.

Primeiro, simplesmente não é possível terceirizar tudo. Por exemplo, o fato de que posso telefonar para alguém em Bangalore para orientar-me sobre como resolver um problema no computador pressupõe que eu possa entender suas instruções. Tentei isso no caso de um computador Dell e desisti após repetidas tentativas. Eu estava tão desesperado que pedi a Michael Dell, que conheci no Fórum Econômico Mundial em Davos, que providenciasse um substituto.

Esse é um recurso não disponível a outras pessoas, é claro. Por isso, a Dell agora desistiu de usar call centers. Além disso, surgiram muitos "encanadores eletrônicos", que podem ir até seu computador e corrigir o problema, enquanto você passa as horas trabalhando em coisas nas quais você é competente.

Em segundo lugar, há restrições artificialmente criadas à terceirização de determinados tipos de especializações: organizações profissionais frequentemente interveem para impossibilitar a terceirização simplesmente mediante a exigência de credenciais que apenas elas podem fornecer. Assim, radiologistas estrangeiros necessitam ser certificados nos EUA antes de serem autorizados a interpretar os raios-x enviados dos EUA. Até recentemente, apenas duas empresas estrangeiras preenchiam os requisitos.

Mito 2: A terceirização será apenas dos ricos para os pobres. Existe muito comércio bilateral de manufaturados, mesmo em um mesmo setor. Os economistas denominam isso comércio "intrassetorial". Mas quando se trata de serviços, o medo generalizado é de que a terceirização flua apenas numa só direção. Esse medo é infundado.

De fato, houve um crescimento substancial de "terceirização reversa" ("insourcing", em inglês, em oposição a "outsourcing"). Empresas indianas como a Infosys e a Wipro, gigantes do setor de tecnologia da informação, estão agora em busca de serviços e talentos de ponta, ao competir em mercados locais, como os EUA. A IQor, de Vikas Kapoor, o super bem-sucedido empresário do setor de terceirização, tem agora 12 operações nos EUA que respondem por metade dos seus 11 mil funcionários.

Mito 3: A terceirização elimina empregos. Um argumento padrão usado pelos democratas nos EUA contra CEOs republicanos que estavam concorrendo ao Congresso no ano passado foi que eles tinham exportado empregos dos EUA. A senadora Barbara Boxer criticou continuamente Carly Fiorina, afirmando que a ex-CEO da Hewlett-Packard tinha exportado 35 mil postos de trabalho. A resposta óbvia deveria ter sido: "Sim, terceirizei 30 mil empregos. Mas, se não o fizesse, a HP teria se tornado não competitiva em mercados extremamente competitivos, e eu teria perdido 100 mil empregos".

Outra falácia empregatícia é que quando um posto de trabalho desaparece num país ocidental e ressurge na Índia, deve ter sido exportado por empresários nefastos. Mas, em muitos casos, aquela atividade tornou-se simplesmente economicamente inviável no Ocidente, independentemente de a alternativa indiana existir ou não.

Se custa US$ 2 por telefonema para que uma casa de repouso americana consiga alguém para lembrar um paciente a hora de tomar seu remédio, a tarefa de assegurar tais lembretes irá desaparecer. Mas se indianos podem fazer as chamadas por US 0,25, é bom que a casa de repouso firme um contrato (para assegurar o serviço). Assim, seus pacientes ficam saudáveis, os fabricantes de medicamentos mais lucrativos e a Índia em melhor situação, porque o emprego cresce.

Concluindo: todos ganham com a terceirização dos serviços. Mas, infelizmente, poucas pessoas entendem isso.

Jagdish Bhagwati, professor de Economia e Direito na Universidade de Columbia e membro sênior em Economia Internacional do Conselho de Relações Exteriores, foi copresidente do Grupo de Especialistas de Alto Nível em Comércio, nomeado pelos governos britânico, alemão, indonésio e turco. Copyright: Project Syndicate, 2011

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO - A ciência do fisiologismo


A ciência do fisiologismo
JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
O Estado de S. Paulo - 29/08/2011 

Reais, dólares, euros ou rúpias. 

Não importa a moeda, o casamento do dinheiro com a política é universal.

Seja no Brasil, nos EUA, na Espanha ou na Índia, há correlação entre o volume de verbas federais transferido para governos locais e a posição política dos governantes. Prefeitos aliados recebem bônus. Adversários, o que manda a lei.

Estudo apresentado no encontro da Sociedade Europeia de Econometria, esta semana na Noruega, calcula o quanto o governo federal brasileiro privilegiou os prefeitos de partidos aliados no reparte de verbas entre 1997 e 2008: até 46% a mais por habitante do que para os não aliados (o valor depende de como se distinguem amigos de inimigos).

As conclusões valem para os governos FHC e Lula, sem distinção.

Assinam o trabalho professores dos departamentos de economia de duas instituições europeias: a brasileira Fernanda Brollo, da Universidade de Alicante (Espanha), e o italiano Tommaso Nannicini, da Universidade Bocconi (Itália). Econometria à parte, o que importa aos eleitores são as constatações.

A seguir, as dez principais: 1) Os bônus para os aliados se concentram nos últimos dois anos de mandato do prefeito, aqueles que antecedem a eleição municipal. Nos dois primeiros anos não há diferença significativa no reparte dos recursos; 2) Prefeitos de partidos da coalizão do presidente têm mais chances de serem beneficiados com verbas se forem candidatos à reeleição. O privilégio míngua no segundo mandato consecutivo; 3) As verbas adicionais são mais polpudas quando o prefeito aliado venceu a eleição por uma margem folgada; 4) De maneira oposta, os prefeitos de partidos de oposição ao presidente que se elegeram por poucos votos de diferença são os que menos recebem verbas discricionárias,ficam limitados às transferências obrigatórias; 5) Prefeitos aliados do presidente que não estão alinhados com o governador dos seus Estados recebem mais dinheiro extra do governo federal; 6) Os repasses federais extras para aliados são proporcionalmente maiores nas cidades pequenas; 7) Os repasses também são proporcionalmente maiores para cidades sem uma rádio local; 8) Não há diferença significativa de renda e desenvolvimento social entre as cidades governadas por prefeitos aliados do presidente e as governadas pelos adversários; 9) Prefeitos do mesmo partido do presidente não recebem mais verbas discricionárias do que os prefeitos de outros partidos aliados; 10) A chance de um prefeito se reeleger aumenta se ele estiver alinhado com o governo federal, especialmente se for do mesmo partido do presidente.

E o que isso tudo significa? Deputados dependem de apoio dos prefeitos para se elegerem. Sua moeda de troca são as emendas parlamentares ao orçamento da União.

Os deputados incluem no orçamento verbas para diferentes municípios comprarem ambulâncias, construírem quadras esportivas, escolas, pontes, e asfaltarem estradas.Mas o pagamento não é automático. Depende do Executivo. Liberar ou não as verbas das emendas dos deputados é a moeda de troca do presidente. É assim que o governo federal - qualquer governo - monta sua base no Congresso.Literalmente compra o apoio daqueles partidos que orbitam o poder sem se importarem com a cor, sexo ou ideologia do inquilino do Palácio do Planalto.Como o partido presidencial sozinho nunca dispõe de mais do que 20% dos votos na Câmara,o presidente é ao mesmo tempore fémep a trono das bancadas fisiológicas O que o estudo de Brollo e Nannicini mostra é que há uma ciência no fisiologismo.

Ela funciona melhor nos municípios menores porque eles são mais dependentes de repasses federais (o esquema é menos eficiente nas cidades que têm fontes de recursos próprios, como capitais). O privilégio para os prefeitos candidatos à reeleição se explica por que eles oferecem menos risco de serem concorrentes dos deputados.

Prefeitos do mesmo partido do presidente não têm tratamento especial porque os deputados do partido devem obediência automática ao governo (em tese).

O que o estudo não mostra (nem era seu objetivo)é que além da fisiologia, esse sistema favorece a corrupção.

Como o escândalo dos sanguessugas e tantos outros já comprovaram, muitas emendas parlamentares pagam "pedágio" que ajuda a bancar as campanhas de deputados. Como só se elegem para a Câmara os que gastam mais na campanha,quem consegue liberar mais verbas de emendas ao orçamento da União tem, teoricamente, mais chances de se reeleger.

Outra contribuição do estudo é ajudar a compreender a força da rebelião dos partidos aliados de Dilma Rousseff quando ela ameaçou não pagar as emendas.O timingestava errado:a presidente tentou fechar a torneira justamente no período mais crítico para o ciclo fisiológico-eleitoral, o ano anterior à eleição municipal. A reação dos deputados foi pela sob revivência do sistema.

Tão grande que Dilma recuou.

P.S.: A INDICAÇÃO DO ESTUDO ACIMA É DE MAURÍCIO MOURA, PESQUISADOR DA GEORGE WASHINGTON UNIVERSITY (EUA)

RUY CASTRO - Gente influente

Gente influente
RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 29/08/11 

RIO DE JANEIRO - Todo ano, a revista americana "Forbes" elege as mulheres mais influentes do mundo. O critério é difuso. Varia do número de pessoas que uma mulher lidera ao tamanho do dinheiro que outra controla, até a capacidade de ainda outra de "definir as questões de nosso tempo". Assim, não admira que a chanceler alemã Angela Merkel e a secretária de Estado americana Hillary Clinton garantam a ponta -um espirro delas pode provocar um tufão na economia ou abalar um ditador.
Da mesma forma, a espetacular escalada da presidente Dilma, do 95º lugar na lista de 2010 para o terceiro lugar neste ano, se explica por ela ter assumido um país com tanta gente e, incrível, tão próspero. Dizer que tal influência é circunstancial e não advém dos méritos pessoais de Dilma não vale -porque, sem a Alemanha ou os EUA, Angela e Hillary, com todo o seu valor, também estariam pilotando uma mesa ou em casa, fritando bolinhos.
Surpreendente na lista da "Forbes" é a cantora Lady Gaga em 11º lugar. Sim, ela é famosa, mas sua influência só pode estar na produção mundial de organdi ou na compra e venda de artigos de cabeleireiro. Assim como a estrela Angelina Jolie, em 29º. Dizem que, por sua causa, cresceu o uso de botox.Milhões de mulheres estariam se injetando para ganhar uma boca como a dela -embora, em muitos casos, o resultado lembre mais a boca dos bonecos de "Muppets".
O que me espanta é a rainha Elizabeth em 49º, à beira do rebaixamento. Desde que me entendo, nenhuma mulher parecia tão incontornável. Sob seu chapéu, estendia-se o gigantesco Império Britânico. Mas, à medida que esse império encolheu, também diminuiu a sombra de seu chapéu -que, hoje, mal deve lhe proteger as orelhas.
Essa relatividade é cruel e atinge também os homens. Lula, por exemplo, é hoje muito menos Lula do que há um ano. Ou se faz disso.

GOSTOSA


PAULO GUEDES - Por que tanta timidez?



Por que tanta timidez?
PAULO GUEDES
O GLOBO - 29/08/11

A economia mundial parou para conserto. As modernas democracias liberais vergaram sob o peso de seus próprios excessos. Para o Ocidente em transe, serão anos de ajuste e reformas ou décadas de declínio. A desaceleração econômica e a persistência de elevadas taxas de desemprego nos países avançados revelam os efeitos pífios de instrumentos monetários e fiscais para reverter o fim de um longo ciclo de crescimento. As pressões de custo e a ameaça inflacionária, apesar da capacidade ociosa, indicam limites à prática de dinheiro barato e crédito fácil por parte dos bancos centrais.

A crise fiscal dos países ricos impede, por sua vez, o recurso à expansão dos gastos públicos na tentativa de criar empregos. E a manipulação cambial chinesa reforça os ventos gelados de um longo inverno sobre a produção e o emprego, uma verdadeira Idade do Gelo nos dois lados do Atlântico Norte. Mas, ao contrário do que possa parecer, o Brasil não é apenas uma folha ao vento da globalização. A dimensão de nosso mercado interno nos permitiria uma dinâmica própria de crescimento. O esfriamento das economias centrais - após longo ciclo de inovações tecnológicas, expansão acelerada de crédito e ampliação do comércio global - significa também uma extraordinária oportunidade para as economias emergentes. Haverá por bom tempo disponibilidade de recursos financeiros e tecnológicos para novos polos de crescimento da economia mundial. Além de financistas em excesso para a próxima década, há nos mercados globais mão de obra barata, crédito fácil e novas tecnologias disponíveis, com relativa escassez de recursos críticos na base e no topo das cadeias produtivas: recursos naturais e empreendedores. Se por um lado temos recursos naturais, por outro faltam-nos empreendedores. Graças ao mais longo programa de estabilização da História universal, o Brasil tem sido o paraíso dos rentistas e o inferno dos empreendedores. Às taxas de juros atuais, disponíveis para aplicações financeiras de liquidez imediata, um rentista americano tem de esperar meio século para ganhar o que um rentista brasileiro recebe em um ano.

E a inflação em alta é uma denúncia de que o Banco Central ainda não fez o bastante. Por que, então, tanta timidez no anúncio de uma iniciativa acertada como o maior controle de gastos públicos pelo Ministério da Fazenda?

GUSTAVO CERBASI - Não sabemos comprar

Não sabemos comprar
GUSTAVO CERBASI
FOLHA DE SP - 29/08/11 

Adote a estratégia de não fechar o negócio até chegar na proposta final do gerente da loja; chame o gerente!


Definitivamente, não existem compras parceladas sem juros ou juros baixos em compras parceladas. O que existe são consumidores desavisados, ávidos por consumo, dispostos a acreditar no mais modesto discurso de venda proposto até mesmo por vendedores pouco treinados.
Comprar mal faz parte de nossa cultura, é fácil constatar. Quem faz compras frequentemente em supermercados, ao menos a cada semana, conhece melhor os preços e sabe que palavras como "oferta", "promoção" e "aproveite" não significam necessariamente que o preço esteja melhor do que em outras lojas.
Mas poucos vão ao supermercado semanalmente. Herdamos o mau hábito das compras mensais da época de inflação elevada, quando fazê-las era questão de preservação do patrimônio.
Hoje, quantas famílias não terminam o mês com dívida de R$ 100 no cheque especial e R$ 300 estocados em produtos na despensa? Não faz sentido estocar nada em tempos de inflação controlada.
Negociar preços, por sua vez, é um ato constrangedor para muitos. Num Brasil em que o desperdício e a esnobação são referência de consumo, o hábito de pechinchar acaba sendo entendido como atitude avarenta, mesquinha e desconfortável.
Uma negociação de compra e venda parece-se mais com uma relação social entre compradores e vendedores do que com um desafio entre partes com interesses opostos.
Outro problema ocorre no mau hábito -tipicamente brasileiro- das compras parceladas.
Tal vício deveria ser permitido somente àqueles que provassem possuir um controle rigoroso dos gastos mensais. Há quem argumente que é melhor aceitar o parcelamento naquelas situações em que não há juros embutidos. Pura ilusão. Sempre há juros embutidos em compras parceladas.
Cabe a cada um de nós esforçar-se para, após franca negociação, obter o melhor preço à vista. Obviamente, há lojas que são irredutíveis em sua política comercial, não abrindo mão dos juros -isto é, insistindo em que o preço é o mesmo tanto na opção à vista quanto na parcelada.
A solução, nesses casos, é pechinchar na loja concorrente. Há alguns meses, circulei por um shopping de São Paulo em busca de uma geladeira nova para minha casa.
O modelo que escolhi, um lançamento, tinha exatamente os mesmos preços e condições expostos nas vitrines de seis lojas diferentes: R$ 2.200 à vista ou dez parcelas de R$ 220. Após sentar para negociar, fechei por R$ 1.750 à vista em uma dessas lojas.
Surpreendente? Apenas adotei a simples estratégia de não fechar o negócio até chegar na proposta final do gerente da loja. Chame o gerente!
Há aqueles que se iludem com o truque dos juros baixos. Recentemente, vi no jornal a propaganda de uma concessionária que anunciava, para um carro que pensava comprar, juro de 0,99% ao mês -uma taxa baixa e sedutora.
Como não queria estender muito o financiamento -para não dar mais meio carro em juros embutidos nas várias parcelas-, pedi uma proposta de financiamento de parte do valor do carro em seis prestações.
No momento em que surgiu uma tal "taxa de abertura de crédito" (omitida até então, como se fosse apenas um detalhe), o custo total da operação -o chamado custo efetivo total, de divulgação obrigatória, mas sempre discreta- mostrou juros embutidos de cerca de 2,2% ao mês. Mais do que o dobro da taxa anunciada! Não existe mágica.
Por isso, esteja atento. A pressa, o aumento da renda e uma certa indulgência levam-nos a ignorar a importância da pesquisa de preços e da boa negociação.
Não se deixe iludir. Toda vez em que houver um vendedor à sua frente, se lembre de negociar, de valorizar seu dinheiro.
Não se iluda com as falsas promoções, ofertas e generosidades do comércio. Boas compras!

VINICIUS MOTA - A miséria da sociologia

A miséria da sociologia
VINICIUS MOTA
FOLHA DE SP - 29/08/11 

SÃO PAULO - Foi majoritária, como apontou a ombudsman Suzana Singer, a manifestação de leitores da Folha no papel e na internet de apoio à polícia, por conta de reportagens que traziam indícios de abuso de violência de PMs paulistas.
O teor de muitas mensagens tocava no lugar-comum de que bandidos não merecem salvaguardas legais. Estariam justificadas ações como a emboscada e a morte de assaltantes de caixas eletrônicos.
Ondas de manifestações de leitores, sobretudo na internet, podem induzir ao engano. O meio facilita a mobilização de pequenas correntes de opinião, que acabam ganhando visibilidade desproporcional.
Mas há reiteradas provas de que a opinião pública, mesmo em fatia mais instruída representada pelo leitorado deste jornal, não mais engole acriticamente a cantilena dos direitos humanos. Talvez porque defensores dos direitos humanos se mantenham atados a preconceitos teóricos descolados da realidade.
O primeiro deles encara o crime como um fenômeno preponderantemente social, e não individual. Se alguém delinquiu, em especial se for pobre, é porque um feixe de determinações sociais, econômicas e culturais o levou a esse ato. Antes de tornar-se algoz, foi vítima.
A responsabilidade individual deve ser relativizada, de acordo com esse esquema ideológico. Já se o autor do crime pertence à chamada "elite branca", como no caso de atropelamentos recentes, perdeu o direito ao atenuante "social". Responsabilização nele.
O segundo preconceito estabelece que cadeia, polícia e Justiça criminal compõem a trinca do demônio da opressão estatal. São os operadores de um dispositivo perverso cujo objetivo é padronizar o comportamento da sociedade e reprimir revoltas latentes. Evitar a revolução social, enfim.
Se o pensamento acadêmico-ongueiro dos direitos humanos não revir seus pressupostos, vai pregar, cada vez mais, para o deserto.

CABEÇA? O QUE É ISSO?


DENISE ROTHENBURG - Acabou a pressa


Acabou a pressa
DENISE ROTHENBURG
Correio Braziliense - 29/08/2011

A discussão de projetos polêmicos no Congresso é salutar. Mas quando se prolonga demais, o governo costuma dar um basta e partir para a votação. Desde que a crise política atingiu a estabilidade da maioria governista no parlamento, isso não foi feito

Sem muito clima para votar projetos de seu interesse no Congresso Nacional, o governo tirou o pé do acelerador. O primeiro deles foi o Código Florestal. No fim de junho, o Senado bateu o pé para ter mais prazo e a presidente Dilma Rousseff foi obrigada a se curvar ao justo pedido de sua base aliada. Passaram-se quase dois meses e lá se foi para esse mesmo balaio a lei de acesso à informação. E, para completar, as medidas provisórias em pauta caminham em câmera lenta nos plenários das duas Casas.

Geralmente, os primeiros três meses de um governo são mesmo de ajustes e, depois, as votações engrenam. O governo Dilma tem se mostrado em rotação inversa: começou aprovando propostas polêmicas, caso do reajuste do salário mínimo. Agora, vai devagarinho. Isso ocorre por vários fatores. Alguns dirão que pesa o fato de os dois projetos citados — o Código Florestal e a lei de acesso à informação — têm hoje relatores em comissões que não costumam se curvar aos desejos do Planalto.

Quanto ao Código Florestal, o relator, o ex-governador de Santa Catarina Luiz Henrique da Silveira, do PMDB, distribuirá seu parecer hoje com uma série de mudanças no projeto da Câmara, um texto que, aliás, o governo também não gostou muito. Ocorre que, diferentemente do que aconteceu com o relatório da lei de acesso, o texto de Luiz Henrique deve se distanciar ainda mais da proposta defendida pelo Planalto. E a perspectiva é a de que os debates se prolonguem a perder de vista.

Vejamos a lei de acesso à informação, que alguns chamam de lei do sigilo eterno, porque o texto original, do Poder Executivo, deixava alguns documentos longe da lupa. O texto passou por três comissões e agora está entre as matérias ditas urgentes para votação no plenário da Casa diante da pressa do Executivo — que, ao longo das discussões, acabou aceitando o que havia saído da Câmara.

O projeto urgente empacou na semana passada na Comissão de Relações Exteriores. Lá, o relator, senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), cansou de dizer que discordava do projeto aprovado pelos deputados, com prazo de 25 anos para o sigilo de documentos, renovável por mais 25. Seu parecer retoma o sigilo eterno em alguns casos. O líder do governo na Casa, Romero Jucá (PMDB-RR), disse-me que o Poder Executivo vai deixar debater o projeto sem cobrar a votação imediata.

A discussão de textos polêmicos no Congresso sempre é salutar. Mas, quando se prolonga demais, o governo costuma dar um basta. Não é raro ver um líder governista defendendo um pedido de urgência para matérias como a proposta da lei de acesso à informação. É a forma de dar um basta e partir logo para a votação. Desde que a crise política atingiu a estabilidade da maioria governista, isso não foi feito com propostas polêmicas.

Os sem ministério
A decisão de debater a lei de acesso à informação, por exemplo, foi tomada para ver ser o clima político melhora antes dessa proposta ser colocada em votação no plenário do Senado. Ocorre que, em princípio, ninguém consegue perceber um clima positivo para votar assuntos espinhosos. Os grupos paralelos estão proliferando nos partidos todas as semanas. Os líderes não têm mais controle das bancadas, nem na Câmara nem no Senado. No PP, no PR e no PMDB, há o grupo dos sem ministério e dos com ministério em choque constante. E esses grupos — hoje o mais visível é o do PP — aproveitam-se daqueles que já discordavam dos projetos do governo para ver se, balançando a árvore dos líderes de seus respectivos partidos, conseguem alguma benesse do governo.

Para completar, o Executivo não consegue fôlego para acalmar as bancadas. A maioria dos ministros políticos está tão ocupada em responder diariamente as denúncias publicadas nos jornais e nas revistas que diz não ter tempo para fazer a social básica, recebendo parlamentares. A turma técnica da Esplanada, por sua vez, não está nem aí para o Congresso. Se nem o presidente da Câmara, Marco Maia, do PT, consegue uma audiência com a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, imagine o resto do Congresso.

A sorte é que...
O mundo real, entretanto, não está nem aí para essas confusões e é nele que o governo Dilma Rousseff se sustenta. No fim de semana, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, aproveitou a famosa festa do peão de Barretos (SP) para fazer a propaganda do governo a um público que beirava a casa dos 100 mil. No palco da arena principal, ainda vacinou peões contra hepatite. "Peão vacinado é peão que dura muito", disse ele. É em palcos como esse que o governo Dilma tem exercido a sua fé.

JOSÉ SERRA - Não em nome do Brasil


Não em nome do Brasil
JOSÉ SERRA
O Globo - 29/08/2011

As últimas semanas mostram o atual governo às voltas com múltiplos aspectos da herança maldita recebida do período Lula-Dilma. Não são coisas novas, mas tudo foi obscurecido na campanha eleitoral do ano passado. Fechadas as urnas e computados os votos, a verdade pôde aparecer.

Para os grupos que estão no poder, o risco maior na tentativa de superação do passado é os exércitos da varrição atolarem, perderem velocidade diante das circunstâncias políticas, eventualmente batalhando entre si. Nenhum governo rompe impunemente com a estrutura econômica e política que o fez nascer.

Um exemplo do atoleiro é o front externo. O governo anterior, como foi tantas vezes assinalado, cultivou a opção preferencial pelas ditaduras e ditadores alinhados com os interesses do PT. Os críticos foram acusados de querer empurrar o Brasil para uma posição subalterna, como se soberania fosse sinônimo de fechar os olhos às violações aos direitos humanos.

Antes mesmo de tomar posse, a nova presidente anunciou uma guinada de 180 graus: a defesa dos direitos humanos seria prioridade nas relações externas - os direitos humanos passariam a ser inegociáveis. Rompendo a tradição instituída por Lula, o Itamaraty chegou a votar contra o governo do Irã na ONU.

A largada comoveu, mas foi tudo. No Conselho de Segurança, onde ocupamos no momento uma cadeira, o governo brasileiro tem sistematicamente contribuído para a blindagem política do ditador da Síria, Bashar Al Assad. Como noticiou este jornal (19/8/11), o Itamaraty não se une àqueles que defendem a saída de Assad - EUA e Europa -, opõe-se a sanções e nem sequer aceita repreendê-lo. Ao contrário, trabalha ativamente para encontrar uma solução que favoreça o ditador amigo.

Antes, a presidente Dilma já havia se recusado a receber a Nobel da Paz iraniana, Shirin Ebadi. Há espaço para fotos ao lado de pop-stars, mas não houve a generosidade de acolher em palácio essa batalhadora dos direitos das mulheres iranianas. Entre honrar a tradição diplomática brasileira e não contrariar o amigo ditador de Teerã, vingou a segunda opção.

Na Síria, os tanques e outros blindados vão às cidades rebeladas abrir fogo contra os que reivindicam banalidades democráticas, como liberdade de organização e expressão e eleições limpas. Há o temor de que a oposição política síria tenha, ela própria, raízes potencialmente autoritárias, mas esse é um assunto que diz respeito aos sírios, que não podem ter negado o seu direito à democracia.

O regime sírio e sua performance repressiva parecem, de fato, não incomodar o governo do PT. Pesará o fato de o partido ter firmado, em 2007, um espantoso acordo de "cooperação" com o Partido Baath, de Assad? Há palavras que dizem tudo. Neste caso, "cooperação" é um termo preciso para qualificar esse acordo, celebrado numa viagem a Damasco do então presidente do PT, Ricardo Berzoini. O texto é suficientemente anódino para parecer defensável aos incautos. Limita-se a listar irrelevâncias. Mas efeito simbólico foi e é um só: oferecer legitimidade a uma facção ditatorial que monopoliza o poder em seu país e impede a livre manifestação de quem se opõe. Foi também uma cooperação entre partidos que levou o Brasil a ser indulgente com Kadafi?

Já passou da hora de o Itamaraty virar essa página. O Brasil não tem por que continuar como avalista de Bashar Al Assad e do Partido Baath. Se o PT deseja apoiá-los, que o faça, mas não em nome do povo brasileiro.

Os defensores de um certo pragmatismo afirmam ser inviável uma política que, a um só tempo, defenda os direitos humanos, respeite a soberania das demais nações e proteja os nossos interesses comerciais. Mas é possível, sim. Nossos diplomatas são capazes de encontrar um caminho soberano, de defesa do Brasil, e, ao mesmo tempo, fortemente vinculado às conquistas da civilização. Até porque a Síria é também um pedaço do Brasil.

Aqui, muitos imigrantes eram chamados de "turcos", dado o passaporte que carregavam à época do Império Otomano. As raízes familiares dos descendentes, raízes sentimentais e culturais, essas são legitimamente sírias - sírias e protegidas pelos valores universais da democracia.

RICARDO ANTUNES - Tela quente

Tela quente
RICARDO ANTUNES
FOLHA DE SP - 29/08/11

A percepção de que os de cima saqueiam o Estado, fazendo minguar recursos para saúde e educação, chegou à periferia: a tela está ficando quente


O ano de 2011 começou com a temperatura social alta: na Grécia, várias manifestações se sucederam, repudiando o receituário da constrição de tudo que é público em benefício das grandes corporações. E a pólis moderna presenciou uma nova rebelião do coro.

Depois, veio a revolta no mundo árabe: cansados do binômio ditadura e pauperismo, riqueza petrolífera e fruição diamantífera dos clãs dominantes, a Tunísia deu o pontapé inicial. A forte revolta popular, com boa organização sindical, derrubou a ditadura de Ben Ali.

Os ventos rapidamente sopraram para o Egito: manifestações plebiscitárias diuturnas na praça Tahrir, conectadas pelas redes sociais, exigiam dignidade, liberdade e o fim da ditadura de Mubarak.

Seguiram-se manifestações na Argélia, na Jordânia, na Síria e na Líbia, dentre tantas outras partes que ardem no mundo do combustível fóssil. E Gaddafi viu seu poder desmoronar.

Em março, explodiu o descontentamento da "geração à rasca" em Portugal. Mais de 200 mil em Lisboa, jovens e imigrantes, precarizad@s, sem trabalho e tratados como coisas. É emblemático o manifesto do movimento Precári@s Inflexíveis, que dá a sintomatologia desse quadro: "Somos precári@s no emprego e na vida. Trabalhamos sem contrato ou com contratos a prazos muito curtos. (...) Somos operadores de call-center, estagiários, desempregados, (...) imigrantes, intermitentes, estudantes-trabalhadores (...) Não temos férias, não podemos engravidar nem ficar doentes. Direito à greve, nem por sombras. Flexissegurança? O "flexi" é para nós. A "segurança" é só para os patrões.

(...) Estamos na sombra, mas não calados. (...) Com a mesma força com que nos atacam os patrões, respondemos e reinventamos a luta. Afinal, nós somos muito mais do que eles. Precári@s, sim, mas inflexíveis".

Seguiram-se os indignados da Espanha: o que dizer quando a taxa de desemprego para os jovens de 18 a 24 anos, segundo a Eurostat, é de 47%? A única certeza que eles têm é que, estudando ou não, são sérios candidatos ao desemprego, perambulando atrás de trabalho precário.

Enquanto isso, no Chile, as famílias se endividam, vendem suas casas para manter seus filhos nas universidades, quase todas privatizadas. É por isso que há no país um explosivo e maciço levante estudantil, com apoio dos pais, dos professores e da opinião pública, exigindo mudanças profundas. Depois foi a vez de a Inglaterra ferver. Começou na cordata Londres. Mais um trabalhador negro assassinado pela polícia, e os jovens pobres, negros, imigrantes e desempregados de Tottenham e de Brixton se rebelaram, sabendo que a polícia britânica é áspera quando a cor da pele é diversa.

Em poucos dias, atingiram Manchester e Liverpool. A percepção de que os de cima saqueiam o Estado, minguando os recursos para saúde, educação e previdência, chegou à periferia.

E é bom recordar, com Tariq Ali, que a polícia nunca foi responsabilizada pela morte de mais de mil pessoas sob sua custódia, desde 1990, sendo os negros e imigrantes presença recorrente.

Também é bom recordar que as revoltas contra o "pool tax" geraram grande descontentamento social e político contra o neoliberalismo, ajudando a selar o fim do governo de Thatcher.

Essa miríade de exemplos, que aflora tantas transversalidades entre classe, geração, gênero e etnia, é o sinal dos novos tempos.

A tela está ficando quente.

RICARDO ANTUNES, é professor titular de sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Seu novo livro, "O Continente do Labor" (Boitempo), está no prelo.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO - Nova liderança no etanol


Nova liderança no etanol
EDITORIAL
 O ESTADO DE SÃO PAULO - 29/08/11

Se dependesse apenas dos planos do governo do PT e dos discursos do ex-presidente Lula, o Brasil deveria ser há muito tempo o principal fornecedor de etanol para os Estados Unidos. Na realidade, porém, o Brasil passou a grande importador do produto americano. E, justamente por causa do aumento das importações brasileiras, os EUA devem tornar-se, neste ano, o maior exportador mundial de etanol.

Dois relatórios divulgados nos últimos dias por instituições dos EUA - uma associação de produtores de combustível de fontes renováveis e o Departamento de Energia - mostram que, neste ano, as exportações de etanol americano poderão alcançar de 1,9 bilhão a 2 bilhões de litros, superando pela primeira vez as vendas externas do produto brasileiro, que devem totalizar de 1,2 bilhão a 1,6 bilhão de litros. Embora tenham problemas para abastecer o mercado doméstico, os produtores brasileiros precisam manter as exportações para cumprir contratos firmados com seus clientes.

Há uma ironia nessa mudança no comércio mundial de etanol. Ela ocorre no momento em que o mercado que mais arduamente o ex-presidente Lula tentou conquistar para o produto brasileiro começa a se abrir para o etanol estrangeiro - mas o Brasil não pode aproveitar essa oportunidade, pois não produz o suficiente nem para abastecer o mercado interno, daí a necessidade de importação. Neste ano, o Brasil deve importar 1,6 bilhão de litros de etanol, mais do que a importação recorde de 1995 (1,4 bilhão de litros).

O governo não parece preocupado com essas mudanças. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, minimizou o impacto da quebra da safra de cana-de-açúcar da Região Centro-Sul, cuja produção foi afetada pelas chuvas intensas de 2009, pela seca de 2010 e pelas geadas de 2011. "Houve uma pequena quebra de safra, conjuntural, episódica, e que acontece sazonalmente com todos os produtos do mundo", disse o ministro na sexta-feira passada, durante a inauguração de uma destilaria em Colina, no interior de São Paulo.

O descompasso entre a demanda e a produção, que tem forçado a importação de etanol em volumes crescentes, também é visto como uma situação natural pelo governo. "Importamos etanol suficiente para manter o mercado abastecido, e a garantia que o governo pode dar é que não haverá falta do produto nas bombas", completou Lobão.

Considerados pelo governo brasileiro como ineficazes - por utilizarem o milho subsidiado como matéria-prima para a produção do álcool, de qualidade inferior do ponto de vista ambiental ao etanol produzido a partir da cana -, os produtores americanos ficarão muito satisfeitos com a disposição das autoridades de assegurar a normalidade do abastecimento interno por meio da importação.

Para o governo, o aumento da importação é uma questão passageira. O ministro citou medidas já anunciadas para o aumento da produção em ritmo suficiente para assegurar o abastecimento interno e o crescimento das exportações, considerando-as suficientes para afastar o risco de crise futura. Uma dessas medidas é a imposição, à Petrobrás, do aumento de sua participação na produção de etanol. Se os planos do governo e da estatal forem executados de acordo com o cronograma, em 2015 a fatia da Petrobrás na produção doméstica poderá alcançar 12% (atualmente, é de 5%).

Lobão citou também a existência de linhas de financiamento disponíveis no BNDES e no Banco do Brasil para investimentos em canaviais. Não deixou de citar também a criação de um estoque regulador do combustível, medida citada por produtores e economistas do setor como indispensável para evitar a escassez e os movimentos bruscos do preço do etanol para o consumidor. Mas é preciso que esse estoque deixe de ser apenas um plano.

O que a sucessão de problemas de abastecimento doméstico e, agora, as mudanças no comércio de etanol deixam claro é que de nada adianta promover o produto brasileiro se não estiverem asseguradas as condições necessárias para o crescimento contínuo da produção.

LUIZ FELIPE PONDÉ - Cadastro Thanatos

Cadastro Thanatos
LUIZ FELIPE PONDÉ 
FOLHA DE SP - 29/08/11

Você é do tipo que pensa no que come todos os dias? Parabéns, porque ganhará desconto no seguro saúde

CERTA VEZ, como nos conta Gustav Janouch, em seu livro "Conversações com Kafka", ele reclamou que não estava entendendo nada que Kafka falava (os dois tinham o hábito de conversar caminhando por Praga).
Kafka teria respondido algo assim: "Hoje estou tão pessimista que deve ser a misericórdia de Deus que está protegendo você. Pois, se me entendesse, sendo você ainda muito jovem, o que estou dizendo lhe destruiria".
Será que Deus vai protegê-lo hoje, caro leitor?
Você é daquele tipo de pessoa que pensa no que come todos os dias? Conta calorias? Parabéns se você for, porque ganhará desconto no seguro saúde.
Muita gente acha que Aldous Huxley, em seu livro "Admirável Mundo Novo", se enganou, porque o mundo não marchou em direção a regimes totalitários.
Eu acho que ele acertou em tudo, inclusive na possibilidade de governos totalitários. Veja o caso da China. Se as pessoas tiverem comida e iPads elas estarão dispostas a abrir mão de tudo, mesmo dessa bobagem chamada democracia. Pisarão em qualquer cabeça por um iPad, como antes pisavam por qualquer outra bobagem.
É isso que as "cheerleaders" dos saques em Londres (essa farra das redes sociais) não entendem. Além do problema do governo centralizador, o equívoco em achar que Huxley errou está em não perceber que a chave do controle das vidas não está em formas centralizadoras de governo, mas em não percebermos que somos nós mesmos que pedimos controle sobre nossas vidas em troca de formas variadas de felicidade e segurança.
O que Huxley entendeu, e nós, não, é que a ganância pela felicidade (a saúde total é apenas uma de suas formas mais bregas) nos levaria ao admirável mundo novo.
Meu Deus, por que temos de ser uma espécie assim tão infeliz? Por um lado, a vida é dura o bastante para querermos (com razão) ser felizes, mas, por outro lado, a busca pela felicidade nos faz de gado alegre. Escolha maldita: ser infeliz, morrer jovem ou virar gado e ter uma dieta balanceada. E para tal, estaremos dispostos a ter fiscais de nossos hábitos cotidianos de saúde em nossas cozinhas.
Nessas horas, sinto o pessimismo tomar conta de mim como um líquido negro e viscoso a entrar pela minha boca e pelo meu nariz, fazendo-me engasgar. Vejo o mundo como um parque zoológico de pessoas sorridentes e saudáveis, todas felizes em ter um "retorno" financeiro em troca de abrir suas casas e suas vidas para profissionais de "qualidade de vida" avaliarem suas refeições diárias.
Você ouve o interfone tocar? É ela, a avaliadora de sua qualidade de vida. Sorria e acima de tudo tenha em mãos as provas de que colabora com a sua própria saúde. Não seja um inimigo de sua própria felicidade fisiológica. Seja pró-ativo.
Imagino alguém bonito, simpático, espiritualizado, provavelmente um budista light, checando os nutrientes na alimentação da sua família. Talvez você possa agendar a visita via internet -afinal hoje em dia ninguém tem tempo pra nada, não é?
Imagine o número de empregos para as novas xamãs do mundo, as nutricionistas...
Se, desde cedo, você tomar as decisões alimentícias corretas para seus filhos, provavelmente a apólice de seguro saúde deles sairá bem mais em conta. Meus olhos se enchem de lágrimas ao perceber como o mundo melhora a cada passo.
A lógica de fundo é que ninguém racional quer morrer cedo, logo, só uma pessoa irracional, contraproducente, antissocial e, por fim, passível de alguma forma de punição, seria capaz de não ver isso tudo como um passo justo para "agregar valor" a nossa vida.
Aliás, uma pessoa assim, intratável, talvez, devesse num futuro próximo ser multada, porque ela não só onera os custos de seguro saúde da família como os da empresa de seguro saúde e, por fim, os do próprio Estado. Quem sabe devêssemos "evoluir" para a proibição de contas bancárias, crédito ao consumidor ou mesmo passaporte?
Quem sabe o Ministério da Saúde poderia criar um cadastro de pessoas inadimplentes em cuidados com a própria qualidade de vida. O nome poderia ser CTH (Cadastro Thanatos).

GEORGE VIDOR - Mar de burocracia


Mar de burocracia
GEORGE VIDOR
O GLOBO - 29/08/11

O sistema portuário brasileiro voltou a receber investimentos (Santos deve triplicar seu movimento até 2025, enquanto se espera que o Rio salte dos atuais 400 mil para dois milhões de contêineres anuais nesta década) e agora está tentando vencer a burocracia. Os usuários podem levar mais de cinco dias desembaraçando a papelada. O objetivo é reduzir o prazo para 1,7 dia.

E o aliado dos portos em tal batalha é a tecnologia da informação. Santos, Rio de Janeiro e Vitória já estão conectados ao chamado "porto sem papel", pelo qual as informações são fornecidas, antes mesmo de os navios atracarem, para um banco de dados, gerenciado pelo Serpro, disponível em tempo real apenas para alguns órgãos oficiais (Receita, Polícia Federal, Vigilância Sanitária, Capitania dos Portos, Ministério da Agricultura, por exemplo), e somente no que diz respeito à alçada de cada um deles. Além de informações repetitivas e rotineiras, a papelada para desembaraço de mercadorias movimentadas nos portos geralmente envolvia o preenchimento manual de 975 dados diferentes. Pelo computador, o processo se agiliza.

A ideia é que até o fim deste ano, o sistema portuário brasileiro esteja quase todo conectado ao "porto sem papel".

Não só no Brasil, em todo o mundo os portos herdaram estruturas antigas, com leis, normas e convenções que ainda refletem uma realidade de 150 anos atrás.

O governo estadual, a prefeitura do Rio e o Exército estão em entendimento para remanejar algumas unidades militares, abrindo espaço para instalação de centros de pesquisa e de empresas nessas áreas. Na Ilha do Bom Jesus, hoje integrada à Ilha do Fundão, o Exército pretendia construir uma vila para oficiais. A Prefeitura cederá outro local mais apropriado, e para a Ilha do Bom Jesus devem ir centros de pesquisa atraídos para o desenvolvimento da exploração e produção de petróleo no pré-sal, como é o caso da GE.

Alvo também de interesse é a unidade do Exército no Caju. Para lá poderá ir o Moinho Fluminense (Bunge), que hoje funciona na região do Porto Maravilha. O moinho recebe trigo direto do porto por meio de um duto, e o transforma em farinha que serve de matéria-prima para indústrias de alimentos e padarias no Rio.

A ideia é que no lugar do atual moinho se construa um shopping center, que serviria como mais um atrativo para os turistas que desembarcam no Porto do Rio, em centenas de cruzeiros marítimos. No passado, essa era uma área de armazéns e até de indústria e tende a se transformar em zona comercial. Em troca do espaço do Caju - vizinho dos terminais de carga do porto - o Exército receberia terrenos para a construção de casas e edifícios para abrigar oficiais. O valor dos aluguéis no Rio tem desmotivado oficiais de outros estados a se transferirem com a família para a cidade.

Nesses tempos de dificuldades para indústrias de calçados, a Di Santinni resolveu montar uma fábrica de sapatos, em Xerém, Duque de Caxias (Baixada Fluminense), além de um centro de distribuição. Caxias já congrega um razoável número de pequenas indústrias calçadistas.

A nova fábrica atenderá essencialmente às próprias lojas da Di Santinni no Rio e mais as vendas por internet e telefone.

A arquiteta Denise Portella Rosa trabalhou anos em Brasília, no governo, como pesquisadora do antigo Ministério do Desenvolvimento Urbano e do Ipea. Especializou-se na Itália na recuperação de monumentos e centros históricos, e depois fez doutorado em engenharia de transportes. Como resultado dessa miscelânea enveredou, em 2005, para o ramo de projetos e consultoria, focados especialmente em áreas portuárias. A empresa de Denise foi uma das que concorreram ao concurso internacional do futuro Pólo Olímpico, que ficará no lugar do atual Autódromo do Rio. Mas é o pré-sal que agora concentra suas atenções. A arquiteta e urbanista diz que Macaé conseguiu atender satisfatoriamente à demanda da indústria do petróleo na Bacia de Campos, mas está no limite de sua capacidade. Para o pré-sal da Bacia de Santos, na opinião de Denise, um outro corredor logístico terá de surgir. Onde? Por enquanto ela guarda segredo...

Junto com o Comperj, em Itaboraí/São Gonçalo, Denise acredita que o pré-sal terá como impacto direto um aumento populacional de um milhão de pessoas.

Por meio de sua fábrica em Jacarepaguá, a Nestlé vai treinar cem pessoas da Cidade de Deus para que eles possam se tornar pequenos distribuidores de sorvetes. Vários já vendem sacolés, sorvetes de fundo de quintal, de preço baixo mas qualidade duvidosa. A intenção é que possam se tornar distribuidores formais de fabricantes convencionais, ganhando mais dinheiro com isso. É uma iniciativa que possivelmente será estendida a outras comunidades pacificadas.

Uma parte da retroárea do porto do Açu (Eike Batista) que foi adquirida pela Codin (órgão estadual) está sendo avaliada por um novo fabricante de equipamentos para usinas de energia eólica. As pás dos moinhos de vento estão cada vez maiores e fica mais rápido transportar esses equipamentos por via marítima, pois quase sempre as usinas eólicas se instalam junto ao litoral. No último leilão de energia, algumas dessas surpreenderam com as tarifas que ofereceram, bem abaixo das médias anteriores. Sinal de que o setor está conseguindo reduzir custos. Pela primeira vez, a tarifa saiu na faixa de US$60.

A Carvalho Hosken, uma das maiores incorporadoras de imóveis do Rio, completou 60 anos. Desde que foi criada é comandada por Carlos Fernando de Carvalho, cujo ritmo de trabalho continua difícil de ser acompanhado, "queixam-se" seus colaboradores mais próximos (Carlos costuma "descansar" visitando obras). Nos anos 70, ele vislumbrou o enorme potencial de crescimento na região da Barra da Tijuca e adquiriu uma companhia que possuía áreas totalizando 10 milhões de metros quadrados. Desde então, não parou de criar minibairros e condomínios na Barra. Agora, ele será o empreendedor responsável pela futura vila olímpica, que ficará, obviamente, na Barra.

MÔNICA BERGAMO - CHEF MULTIMÍDIA


CHEF MULTIMÍDIA
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP - 29/08/11

O argentino Chakall, 39, radicado em Lisboa, é dono de restaurantes em Portugal e na Alemanha. O chef, que já cruzou a América do Sul de moto, também comanda um programa gastronômico nas TVs portuguesa, alemã e chinesa, ao lado de sua cadela Pulga. Neste ano, ele deve fincar raízes em SP com um restaurante nos Jardins. "Será uma cadeia de fast food gourmet", diz.

CHAVE NA PORTA

Um acordo firmado pelo Ministério Público de SP diz que as incorporadoras não podem exigir que os consumidores que compram casas e apartamentos paguem a comissão dos corretores que negociam esses imóveis. O precedente foi aberto em compromisso firmado entre a Promotoria e a Abyara que começa a valer em setembro.

COMISSIONADO 2
A Abyara foi acionada pela Promotoria depois de perder, em primeira instância, um processo de uma cliente. Ela comprou um apartamento por R$ 834 mil e teve que pagar R$ 49.320 de comissão e "assessoria técnico-imobiliária". Seu advogado, Vagner Cosenza, conseguiu que fosse determinada a devolução do dinheiro. A empresa recorre contra a decisão no Superior Tribunal de Justiça.

PONTO FINAL
Dois anos depois do acidente do voo 447 da Air France, parentes de vítimas da tragédia começam a fazer acordo com a seguradora Axa, responsável pelas indenizações. De um grupo de 16 famílias representadas pelo advogado João Tancredo, no Rio, 11 já aceitaram os valores propostos. E devem retirar os processos que movem contra a companhia.

BALANÇA
A Air France já sofreu condenações em primeira e segunda instâncias, de valores variados. No Brasil, algumas alcançam milhões. Na França, a mais recente delas foi de 126 mil euros por passageiro morto.

PREMATURO
Convidado por Ricardo Teixeira, presidente da CBF, para ser diretor-executivo da Copa de 2014, o ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não comenta as denúncias de corrupção que envolvem o cartola. Questionado se elas o deixariam com receio de aceitar o cargo, diz: "Prefiro não comentar nesse momento".

BATE-PAPO
Meirelles afirma também que, na verdade, não tem ideia do que Teixeira quer dele. "Não sei exatamente do que se trata o convite. Ainda não conversamos."

CONVIDADO ESPECIAL
Chico Buarque participará da série "+ Vezes Favela", que estreia em outubro no Multishow e conta a história de três adolescentes que moram numa comunidade. O cantor aparecerá em uma cena convidando Marco, um jogador de futebol, para uma partida contra seu time, o Polytheama.

A atração é um desdobramento do filme "5x Favela - Agora por Nós Mesmos" e tem direção de cineastas da periferia, supervisionados por Cacá Diegues.

PASSAPORTE
O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, embarcou para o Haiti no sábado, a convite do Exército Brasileiro. Foi conhecer a missão brasileira naquele país. E participar da passagem de comando do Batalhão Brasileiro 1, quando acontece a substituição de uma tropa de cerca de 800 homens que atuam para a manutenção da paz.

SALTO NA MODA
A ginasta Jade Barbosa pretende lançar uma linha de pijamas e roupas infantis ilustradas com a personagem Jadinha, mascote de seu instituto.

Ela já tem uma grife de roupas de ginástica.

CORPO SÃO
Alexandre Accioly, João Paulo Diniz, Bernardinho e Luiz Urquiza inauguraram a nova sede da academia Bodytech no shopping Eldorado, no fim da semana. O senador Aécio Neves foi ao coquetel com a namorada, Leticia Weber. Ana Garcia, mulher de Diniz, e Renata Padilha, grávida de oito meses de Accioly, acompanharam os maridos.

CURTO-CIRCUITO

A secretária-adjunta de Direitos Civis dos Estados Unidos, Russlyn H. Ali, falará hoje, às 19h, na Faculdade Zumbi dos Palmares.

Humberto Werneck lança "Esse Inferno Vai Acabar" amanhã, às 18h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.

Luiza Eluf entra na Academia Paulista de Direito.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

RICARDO NOBLAT - Adeus à faxineira


Adeus à faxineira
RICARDO NOBLAT
O GLOBO - 29/08/11
 
Uma vez que Dilma se elegeu na base do “votem em mim que Lula não pode ser candidato de novo”, era preciso em seguida — e para seu próprio bem — conferir-lhe atributos e pretensões de modo a distingui- la do seu padrinho político. Afinal, governo de continuidade não deve ser necessariamente igual a governo que passou. Mais imaginação, senhores!

Diferenças de método, de estilo e de temperamento foram então exaltadas para beneficiar a primeira mulher eleita presidente da República do Brasil. Nada mais justo.

Lula falava demais. Dilma, de menos. Silêncio é ouro. Palavra é prata. Quem fala pouco costuma
refletir melhor sobre o que diz. Ponto para Dilma. Lula viajava além do necessário. E não tinha paciência para estudar com atenção os principais gargalos do governo. Sóbria, contida, Dilma preferia governar para dentro. O governo espetáculo não lhe fazia a cabeça. Ai de quem despachasse com ela sem estar devidamente preparado. Novos pontos para Dilma.

Tudo corria mais frouxo no governo anterior. Foi assim até que Dilma substituiu José Dirceu na Casa Civil. No governo ora em curso, a mão pesada de Dilma evitava a anarquia. Quem não se enquadrasse por bem acabaria enquadrado de qualquer jeito. Ponto para a presidente. Nada como ter no comando uma boa executiva.

O discurso de posse de Dilma levara os mais entusiasmados a concluírem que muita coisa mudaria de fato. A política externa, por
exemplo. Celso Amorim deixara o Itamaraty. Doravante, o respeito aos direitos humanos seria cobrado com rigor. Ditaduras antes consideradas amigas passariam a sofrer um bocado. Ave, Dilma!

Quanto
 ao destempero da presidente... Como negá-lo? O general empalideceu ao ser despejado do elevador privativo do Palácio do Planalto. Os olhos aflitos do então ministro Antonio Palocci temeram a aproximação ameaçadora dos dedos indicadores de Dilma. Sem tempo de chegar ao banheiro, uma assessora dela fez pipi na roupa.

O destempero virou coragem. Histórias de uma presidente
que não teme ninguém e que todos temem acabaram turbinando a imagem da zeladora intransigente com o erro e a roubalheira. Foi aí
que as circunstâncias e o marketing pariram a “faxineira ética”. Muitos pontos para Dilma. Até que... 

Até que
 a faxineira se aposentou sob a pressão de aliados enfurecidos. Constatou- se que a política externa permanece a mesma.
E que a executiva centralizadora serve antes de tudo para frear a iniciativa de sua equipe. Que Dilma queira ser um Lula com autoridade redobrada, nada a opor. Que tente ser Lula e Dilma ao mesmo tempo...

Menos! Dilma lembra a presidente executiva de uma grande empresa recém-promovida a presidente. Não tem mais de meter a mão na
massa como antigamente. Não deve meter. Cabe-lhe tomar as decisões mais importantes e desenhar o futuro da empresa. Ninguém
poderá substituí-la nessa tarefa. Nas outras há candidatos à beça.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO - O Ideb na porta das escolas


O Ideb na porta das escolas
EDITORIAL 
O ESTADO DE SÃO PAULO - 29/08/11

Desde junho, tramita no Congresso projeto de lei que obriga as escolas da rede pública a afixar, na porta de entrada e em local visível, uma placa de um metro quadrado comunicando sua colocação no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A ideia é exibir para os pais dos alunos a qualidade do estabelecimento em que seus filhos estão matriculados e estimular as famílias a cobrar melhoria do ensino.

A medida já foi adotada no Estado de Goiás e em algumas capitais, como Rio de Janeiro e Teresina. Mas em várias regiões, entre elas São Paulo, a ideia não tem avançado por causa da oposição corporativa e política de entidades de professores. Segundo essas entidades, as avaliações escolares são técnicas e os pais de alunos não saberiam o que significam, exatamente, as notas do Ideb. Para essas entidades, as notas das escolas refletem o nível econômico dos alunos e o nível de escolaridade de suas famílias - por isso, a exibição da classificação do Ideb na porta dos estabelecimentos de ensino dos bairros pobres seria uma forma de discriminação social.

O projeto é de autoria do deputado Edmar Arruda (PSC-PT). Mas a ideia partiu do economista Gustavo Ioschpe, fundador do Compromisso Todos pela Educação e membro dos conselhos do Instituto Ayrton Senna, da Fundação Iochpe, do Instituto Ecofuturo (Grupo Suzano) e da Fundação Padre Anchieta.

Criado em 2007 e divulgado a cada dois anos, o Ideb tem por objetivo aferir a qualidade das escolas públicas. O próximo Ideb vai avaliá-las ainda este ano e será divulgado em 2012. O índice é calculado a partir de dados sobre aprovação obtidos no Censo Escolar e das médias de desempenho na Prova Brasil e no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb). A Prova Brasil é um exame nacional de português e matemática aplicado às 4.ª e 8.ª séries de escolas públicas de ensino fundamental duas vezes por ano. Tem por finalidade avaliar comparativamente o rendimento dos alunos e a capacidade das escolas de ensinar no início e no final de cada período letivo. Já o Saeb avalia, por amostragem, alunos da 4.ª série e da 8.ª série do ensino fundamental e do 3.º ano do ensino médio, em matemática (com foco na resolução de problemas) e em português (com foco em leitura), de escolas públicas e particulares. Com base nas informações do Saeb e da Prova Brasil, os municípios, os Estados e a União podem definir ações para melhorar a qualidade do ensino, promovendo a correção de distorções e dirigindo recursos técnicos e financeiros para áreas consideradas prioritárias.

Os resultados do Ideb são divulgados pelo site do Ministério da Educação e podem ser acessados por qualquer pessoa. A meta do Plano de Desenvolvimento da Educação para o período de 2011 a 2020, que também tramita no Congresso, é que o Ideb atinja o nível 6 (numa escala de zero a 10) até o final da década. Esse é o índice mínimo considerado aceitável pelos 34 países da OCDE. Atualmente, o índice médio das escolas brasileiras, no último ano do ensino fundamental, é 4.

Para muitos especialistas, a oposição de determinados setores docentes ao projeto não se justifica. Em primeiro lugar, se as avaliações do MEC são públicas, não faz sentido impedir a maior divulgação de seus resultados, por meio de placas nas escolas. Em segundo lugar, mesmo que pais e mães não consigam entender as classificações do Ideb, eles irão comparar a avaliação da escola de seus filhos com as de outras escolas na mesma região. Há mesmo, entre os defensores do projeto, quem proponha que os municípios passem a mandar cartas para as famílias, informando os índices de todas as escolas do município.

A colocação de uma placa com a nota do Ideb na porta das escolas não resolverá, por si só, o problema do baixo aproveitamento dos alunos da rede pública. Mas a iniciativa é importante, uma vez que estimula os pais a refletirem sobre a qualidade das escolas de seus filhos e a se mobilizar para pressionar as autoridades educacionais a tomar providências para melhorar o ensino.

GOSTOSA


CARLOS ALBERTO SARDENBERG - Não tem nada de mais


Não tem nada de mais
CARLOS ALBERTO SARDENBERG 
O ESTADÃO - 29/08/11

O título acima inaugura uma série que é, na origem, patrocinada pelos políticos, especialmente pelos governantes que, apanhados em situações no mínimo embaraçosas, saem com esta: qual o problema? Não tem nada de mais.

Reparem no caso da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que levou uma boa indenização ao ser demitida da Itaipu Binacional, em março de 2006. Parece uma história simples, mas convém reparar um pouco mais.

Gleisi Hoffmann foi nomeada diretora financeira da Itaipu no início do governo Lula, em 2003, por indicação obviamente política. Não se está discutindo sua competência, mas está claro que a empresa, uma estatal, não a selecionou como grandes companhias privadas selecionam seus principais executivos (com agências especializadas em recursos humanos, entrevistas, discussão no conselho e na diretoria, etc.). Se ela não fosse política militante no partido do presidente da República, não teria sido recrutada para o cargo.

Pela mesma razão política, Gleisi Hoffmann decidiu sair candidata a senadora em 2006, pelo que precisaria deixar a diretoria de Itaipu. O que deveria fazer? Demitir-se, certo?

Errado.

Ela foi demitida, para que pudesse embolsar as indenizações devidas em casos de demissão sem justa causa. Foi um acerto com o presidente da estatal, Jorge Samek, que confirmou a história em entrevista à CBN. Contou o que disse a Gleisi: "Eu vou exonerar você. Você sai, levanta teu fundo de garantia e vai, vai para tua campanha".

Só com a multa de 40% do FGTS, a ministra levou pouco mais de R$ 41 mil.

No mundo privado, é costume premiar com gordas indenizações os executivos que deixam suas companhias numa boa. Mas reparem: são executivos selecionados no mercado e remunerados com dinheiro privado. Já Gleisi Hoffmann estava exercendo uma função política antes de técnica e numa empresa do governo.

Perguntada a respeito, a ministra mandou resposta pela assessoria de imprensa. Disse que, sim, foi "exonerada" e indenizada nos termos da lei, tudo publicado no Diário Oficial.

Que quer dizer isso? Que saindo no Diário Oficial não tem nada de mais? Há uma óbvia questão política e ética: por que concordou com uma demissão arranjada? Pois está claro que ela não foi mandada embora por vontade da empresa. Ela quis sair para disputar uma eleição. Faz sentido receber uma indenização assim providenciada de uma empresa pública?

Nem uma palavra. Qual é o problema?

Negromonte. O ministro das Cidades, Mário Negromonte, também trouxe preciosa contribuição à série. Conforme reportagem levantada por este jornal, na campanha para deputado federal no ano passado, ele pagou despesas de aluguel de táxi aéreo com "verba indenizatória" da Câmara dos Deputados. Perguntado, caprichou na resposta. Disse que era tudo "legal, moral e constitucional".

Verba indenizatória é uma mamata que a Câmara dos Deputados inventou para aumentar indiretamente os vencimentos dos parlamentares e driblar o teto constitucional. Bem vista a coisa, é uma maracutaia. Mas precisava ter um mínimo de, digamos, decência e lógica. Assim, a verba paga despesas do parlamentar em atividades para o exercício do mandato. Ou seja, uma ação pública.

Logo, não pode ser usada numa campanha eleitoral, que é uma empreitada pessoal. Ou seja, o uso da verba para pagar táxi aéreo só é legal e moral se tiver sido usada para atividade parlamentar. Negromonte diz que foi esse o caso.

Mas e a circunstância, digamos assim, dessa empresa de táxi aéreo ter sido a mesma utilizada pelo deputado durante a campanha?

Foi nesse momento que, perguntado, se saiu com sua versão do "qual é o problema?". E ainda ficou bravo.

O ministro também enriqueceu a série com outro episódio. Acusado de patrocinar um tipo de mensalão, respondeu com outra acusação. Disse, em entrevista, que os membros do seu partido estavam numa guerra sangrenta e que muitos deles têm "ficha corrida".

Quem tem ficha corrida é bandido condenado. Logo, se o ministro sabe que há esse tipo de gente no partido e no Congresso, não deveria apresentar uma denúncia formal?

Nada disso. Preocupado com a repercussão da entrevista, Negromonte disse que havia tropeçado nas palavras, não na ética. E, se não estivesse tudo o.k. com ele, ele não estaria ali, na vida pública e ministro.

Mas ele não havia dito que tem muita ficha corrida no seu próprio partido?

Campeão. Mas o campeão da série até aqui é o senador José Sarney. Flagrado num helicóptero da Polícia Militar (PM) do Maranhão, aparelho comprado para transporte de doentes, e na companhia de um empreiteiro que tem negócios com o governo maranhense, fazendo um voo de São Luís para sua ilha particular, em fim de semana, Sarney reagiu bravo: por ser chefe de poder, tem direito à segurança e ao transporte de representação em todo o território nacional, em qualquer circunstância, mesmo a lazer.

Na mesma semana passada, apareceu outra história envolvendo o senador, a questão dos supersalários, acima do teto constitucional. Parece que o chefe do poder está nesse caso. O site Congresso em Foco perguntou diretamente a ele. Sarney respondeu que não diria - "resguardado pelo direito constitucional à privacidade sobre os meus vencimentos, que tenho como qualquer cidadão brasileiro".

Repararam? Para voar no helicóptero da PM é autoridade, uma pessoa não comum. Para esconder quanto ganha dos cofres públicos é cidadão qualquer.

Nota: na sexta-feira, a ministra Gleisi Hoffmann entregou carta ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em que se diz disposta a devolver o dinheiro da indenização, caso o Ministério Público entenda que o pagamento foi lesivo ao erário.