A classe média global não quer mais pagar a conta
PAULO RABELLO DE CASTRO
Revista Época
A quebra das amarras do centralismo em economias de países emergentes, como Índia, China e Brasil, traz mais oportunidades a centenas de milhões de indivíduos. O avanço social formidável seria a prova irrefutável de que o capitalismo, cínico e pragmático, entrega às sociedades um resultado distributivo mais profundo do que qualquer fantasia igualitária. Mas o que acontece quando a elite financeira e seus despachantes políticos convocam sempre a classe média a bancar a conta dos excessos?
A crescente afluência das chamadas "classes médias" nos Brics e em nações semelhantes não permite dúvidas quanto ao êxito da fórmula capitalista de desenvolvimento social espontâneo, pelo anônimo poder de arranque do empreendedorismo, em vez do mando autoritário e burocrático de algum poder central. A crise financeira de 2008 arranhou a reputação de bancos e governos, mas não conseguiu quebrar a esperança na liberdade econômica. Ninguém teria coragem de afirmar que o socialismo é a saída para a crise mundial. Apesar disso, difunde-se mundo afora uma tendência de socializar os prejuízos financeiros da crise, o que piora a imagem do livre mercado.
Os governos tentam empurrar a conta para os cidadãos, inflando a dívida pública de países dos dois lados do Atlântico e estendendo o prazo do ajuste efetivo. A maneira de cobrir tais prejuízos bilionários é pelo aumento da carga de impostos. E, quando a conta tributária vem mal repartida, a sensação de opressão social e financeira aumenta explosivamente, gerando a instabilidade política que se pressente nas políticas americana e europeia.
Quando um megarrico, como Warren Buffett, vai corajosamente aos jornais, como fez na última semana, para admitir, num artigo do New York Times, que paga uma alíquota de Imposto de Renda pessoal de apenas metade daquela imposta pelo governo americano aos empregados dele e que, até agora, não sentiu a cota de sacrifício que seria distribuída a todos os americanos, ele denuncia que o sistema político passou a manipular abertamente as leis em favor dos grupos de ricos privilegiados que financiam as campanhas eleitorais dos que querem ficar no poder para sempre.
A taxação menor dos ricos será tema de campanha nos EUA em 2012. No Brasil, há razões de sobra para revolta
O que isso tem a ver com as manifestações de apoio a um líder anti-corrupção, como Anna Hazare, na Índia, que vem ganhando milhões de novos adeptos todos os dias? E por que crescem as insurgências populares no interior da China, reprimidas com violência pelas autoridades locais? Tais manifestações de insatisfação social parecem ir muito além da mera revolta difusa contra a corrupção dos donos do poder nesses países de crescimento recente. Denotam também uma emergente percepção, pelas classes médias, de que a vantagem capitalista pode acabar concentrada nas mãos de poucos. Nos Estados Unidos, a revolta contra a taxação privilegiada dos mais ricos vai se tornar tema central na futura campanha presidencial de 2012. Essa nova hostilidade das classes médias, eternas pagantes das malandragens dos ricos, representa o fim do pacto tácito que vinha garantindo a evolução vitoriosa das chamadas economias de mercado.
No Brasil, a classe média tem motivos de sobra para iniciar uma revolta contra o imposto injusto, servido com cobertura de corrupção explícita. Além de prender o brasileiro num manicômio tributário, o governo reserva o direito ao sistema de pagamento de impostos chamado "Simples" apenas para quem é pequeno e quer ficar pequeno. Para os demais, que têm o saudável e necessário desejo de crescer, vale o sistema de tributação tradicional – o "Complicado". Essa cretinice oficial confessada é agravada por um sistema de taxação que faz pagar mais quem pode menos, ou seja, o pobre paga o dobro embutido no preço das mercadorias, além de pagar impostos em cascata, duplicados e triplicados. Por que o brasileiro aceita isso sem rebelião é tema para a sociologia do comodismo. É uma letargia social que pode não durar para sempre. Ainda haverá muita pancadaria, aqui e no resto do mundo conflagrado.
A crescente afluência das chamadas "classes médias" nos Brics e em nações semelhantes não permite dúvidas quanto ao êxito da fórmula capitalista de desenvolvimento social espontâneo, pelo anônimo poder de arranque do empreendedorismo, em vez do mando autoritário e burocrático de algum poder central. A crise financeira de 2008 arranhou a reputação de bancos e governos, mas não conseguiu quebrar a esperança na liberdade econômica. Ninguém teria coragem de afirmar que o socialismo é a saída para a crise mundial. Apesar disso, difunde-se mundo afora uma tendência de socializar os prejuízos financeiros da crise, o que piora a imagem do livre mercado.
Os governos tentam empurrar a conta para os cidadãos, inflando a dívida pública de países dos dois lados do Atlântico e estendendo o prazo do ajuste efetivo. A maneira de cobrir tais prejuízos bilionários é pelo aumento da carga de impostos. E, quando a conta tributária vem mal repartida, a sensação de opressão social e financeira aumenta explosivamente, gerando a instabilidade política que se pressente nas políticas americana e europeia.
Quando um megarrico, como Warren Buffett, vai corajosamente aos jornais, como fez na última semana, para admitir, num artigo do New York Times, que paga uma alíquota de Imposto de Renda pessoal de apenas metade daquela imposta pelo governo americano aos empregados dele e que, até agora, não sentiu a cota de sacrifício que seria distribuída a todos os americanos, ele denuncia que o sistema político passou a manipular abertamente as leis em favor dos grupos de ricos privilegiados que financiam as campanhas eleitorais dos que querem ficar no poder para sempre.
A taxação menor dos ricos será tema de campanha nos EUA em 2012. No Brasil, há razões de sobra para revolta
O que isso tem a ver com as manifestações de apoio a um líder anti-corrupção, como Anna Hazare, na Índia, que vem ganhando milhões de novos adeptos todos os dias? E por que crescem as insurgências populares no interior da China, reprimidas com violência pelas autoridades locais? Tais manifestações de insatisfação social parecem ir muito além da mera revolta difusa contra a corrupção dos donos do poder nesses países de crescimento recente. Denotam também uma emergente percepção, pelas classes médias, de que a vantagem capitalista pode acabar concentrada nas mãos de poucos. Nos Estados Unidos, a revolta contra a taxação privilegiada dos mais ricos vai se tornar tema central na futura campanha presidencial de 2012. Essa nova hostilidade das classes médias, eternas pagantes das malandragens dos ricos, representa o fim do pacto tácito que vinha garantindo a evolução vitoriosa das chamadas economias de mercado.
No Brasil, a classe média tem motivos de sobra para iniciar uma revolta contra o imposto injusto, servido com cobertura de corrupção explícita. Além de prender o brasileiro num manicômio tributário, o governo reserva o direito ao sistema de pagamento de impostos chamado "Simples" apenas para quem é pequeno e quer ficar pequeno. Para os demais, que têm o saudável e necessário desejo de crescer, vale o sistema de tributação tradicional – o "Complicado". Essa cretinice oficial confessada é agravada por um sistema de taxação que faz pagar mais quem pode menos, ou seja, o pobre paga o dobro embutido no preço das mercadorias, além de pagar impostos em cascata, duplicados e triplicados. Por que o brasileiro aceita isso sem rebelião é tema para a sociologia do comodismo. É uma letargia social que pode não durar para sempre. Ainda haverá muita pancadaria, aqui e no resto do mundo conflagrado.