Derivativos cambiais, quem nada sabe nada teme
NATHAN BLANCHE
O ESTADÃO - 29/08/11
O governo tem lançado mão de um verdadeiro arsenal de medidas para conter o influxo de moeda estrangeira. Além das ferramentas comuns, foi usada a Medida Provisória n.º 539 de 26/7/2011, que autoriza o Conselho Monetário Nacional (CMN) a taxar contratos de derivativos cambiais com alíquota de até 25% do valor nocional do contrato. Ou seja, tal medida dá poderes para acabar com este mercado.
Não há dúvida de que medidas para evitar o carry trade e arbitragens de taxas de juros são legítimas, mas generalizações, como a declaração do ministro da Fazenda, "primeiro atiro, depois pergunto", podem representar um tiro no pé. Vale, nessas horas, o alerta de Mario H. Simonsen: "O câmbio mata".
Rotular os mercados futuros como "pura especulação" e, com isso, pôr em risco sua existência na prática significa tolher o próprio Banco Central (BC) do uso de um instrumento decisivo em momentos de crise, como também prejudicar os exportadores, aumentando custos de financiamento. Sem o instrumento do mercado futuro, ou seja, sem liquidez no mercado local, as operações migrarão para outras bolsas, como a de Chicago ou a de Nova York, que já têm contratos futuros de real. Ao não fazer hedge é que se corre o risco e se especula.
É oportuno lembrar que o Plano Real só sobreviveu à crise da Rússia, em 1998, pela oferta de doses maciças de dólar futuro através do BBDTVM. Nesse período, as reservas foram reduzidas de US$ 74,7 bilhões para US$ 33,9 bilhões. Em 2008, com a paralisação dos mercados na crise de liquidez, o BC ofertou, incluindo rolagem, cerca de US$ 80 bilhões em derivativos, e a maioria de swaps cambiais, enquanto a oferta no mercado spot não foi além de US$ 14,5 bilhões. No início de 2008, o volume nos contratos em aberto na BM&F e Cetip subiu de US$ 190 bilhões para cerca de US$ 280 bilhões, até antes do estouro da crise. Em janeiro de 2008, as reservas internacionais somavam US$ 187,5 bilhões, mas, já em dezembro, no auge da crise, elas haviam chegado a US$ 206,8 bilhões.
Não é preciso muita imaginação para projetar qual seria o cenário da economia brasileira em 2009 sem o mercado de derivativos. A teoria econômica não é capaz de prever um double dip nos países desenvolvidos. A maioria dos analistas atribui um cenário com maior probabilidade para um longo período de baixo crescimento dos EUA e da zona do euro. Isso significa juros baixos e farta oferta de liquidez para os países em desenvolvimento, e o Brasil não será exceção. Mesmo com baixa probabilidade, não se descarta um cenário de ruptura, que afetaria os EUA e a zona do euro e, consequentemente, o mundo. Nesses momentos é que se precisa de um mercado de derivativos líquido.
Caso não se confirme o cenário pessimista, o Brasil continuará recebendo dólares. Inclusive, no contexto de baixo crescimento e farta liquidez, deve-se obter até um ganho relativo. Em primeiro lugar, a disponibilidade de poupança externa com baixas taxas de juros deve se prolongar, fator preponderante para o nosso crescimento, dada a nossa baixa capacidade de poupança e investimento.
Em segundo, nossos termos de troca devem continuar favoráveis. A Índia e, principalmente, a China devem perder mercado externo. Com isso, dado um crescimento um pouco menor, é provável que esses países direcionem seus esforços produtivos para o mercado interno, promovendo apreciação de suas moedas, o que resultará em aumento da renda e maior demanda por commodities. Neste cenário, mesmo permanecendo estáveis os preços internacionais das commodities, tudo indica que os preços dos produtos industrializados devem permanecer relativamente baixos.
Neste contexto, a declarada guerra cambial continuará sendo inglória, apesar do volume de medidas tomadas pela Fazenda e pelo Banco Central.
Só para citar alguns números: em 12 meses, o saldo do balanço de pagamentos até julho foi de US$ 80,9 bilhões, ante US$ 49,1 bilhões no mesmo período do ano anterior. A valorização do real nos 12 meses foi de 10,61%, menor que a de outros países denominados commodity-currencies, como Austrália e Nova Zelândia, cujas moedas avançaram, respectivamente, 19% e 18,3% em relação ao dólar.
Em 2011 o BC comprou US$ 47 bilhões em reservas, que já passam de US$ 350 bilhões a um custo fiscal de mais de R$ 50 bilhões/ano. Até quando e quanto as autoridades estão dispostas a utilizar a compra de reservas como ferramenta de intervenção no câmbio? A relação custo/benefício de elevar reservas, refletido no prêmio de risco, após atingir-se o nível de US$ 220 bilhões, é decrescente na margem.
Uma maneira estrutural de lidar com esta abundante liquidez internacional seria, em parte, reduzir o diferencial de juros. No entanto, para que os juros domésticos caiam seria preciso ampla reforma fiscal que resultasse na redução da demanda. Como esse cenário parece pouco provável, resta criar uma agenda positiva para transformar poupança externa em investimento e crescimento sustentável. E não uma agenda negativa, que acaba destruindo mecanismos de autodefesa, como é o caso do mercado de derivativos.
É SÓCIO-DIRETOR DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA INTEGRADA
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