segunda-feira, agosto 29, 2011

JAGDISH BHAGWATI - O bicho-papão da terceirização


O bicho-papão da terceirização
JAGDISH BHAGWATI
Valor Econômico - 29/08/2011

Estratégia tem sido causa de pânico e persistente protecionismo

A terceirização de serviços tem sido causa de pânico e persistente protecionismo nos últimos anos, especialmente nos Estados Unidos e notadamente a partir da eleição presidencial de 2004. Naquela época, o candidato democrata, senador John Kerry, ao saber que os raios-X digitais haviam sido terceirizados pelo Massachusetts General Hospital em Boston, para serem examinados por radiologistas na Índia, denunciou as empresas terceirizadas comparando-as a Benedict Arnolds, o traidor mais famoso na história dos EUA.

Esse equívoco de Kerry foi seguido por um grande alvoroço em torno da terceirização em todo o Ocidente. Para que o livre comércio recupere o apoio de estadistas que neste momento hesitam em liberalizar o comércio com países em desenvolvimento, os mitos que transformam a terceirização em algo negativo precisam ser combatidos.

Mito 1: A terceirização será como um tsunami. Embora até mesmo um economista arguto como Alan Blinder, ex-membro do Conselho do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) tenha pensado isso, o fenômeno não é provável por várias razões, tanto "naturais" como artificiais. Consideremos apenas duas.

Primeiro, simplesmente não é possível terceirizar tudo. Por exemplo, o fato de que posso telefonar para alguém em Bangalore para orientar-me sobre como resolver um problema no computador pressupõe que eu possa entender suas instruções. Tentei isso no caso de um computador Dell e desisti após repetidas tentativas. Eu estava tão desesperado que pedi a Michael Dell, que conheci no Fórum Econômico Mundial em Davos, que providenciasse um substituto.

Esse é um recurso não disponível a outras pessoas, é claro. Por isso, a Dell agora desistiu de usar call centers. Além disso, surgiram muitos "encanadores eletrônicos", que podem ir até seu computador e corrigir o problema, enquanto você passa as horas trabalhando em coisas nas quais você é competente.

Em segundo lugar, há restrições artificialmente criadas à terceirização de determinados tipos de especializações: organizações profissionais frequentemente interveem para impossibilitar a terceirização simplesmente mediante a exigência de credenciais que apenas elas podem fornecer. Assim, radiologistas estrangeiros necessitam ser certificados nos EUA antes de serem autorizados a interpretar os raios-x enviados dos EUA. Até recentemente, apenas duas empresas estrangeiras preenchiam os requisitos.

Mito 2: A terceirização será apenas dos ricos para os pobres. Existe muito comércio bilateral de manufaturados, mesmo em um mesmo setor. Os economistas denominam isso comércio "intrassetorial". Mas quando se trata de serviços, o medo generalizado é de que a terceirização flua apenas numa só direção. Esse medo é infundado.

De fato, houve um crescimento substancial de "terceirização reversa" ("insourcing", em inglês, em oposição a "outsourcing"). Empresas indianas como a Infosys e a Wipro, gigantes do setor de tecnologia da informação, estão agora em busca de serviços e talentos de ponta, ao competir em mercados locais, como os EUA. A IQor, de Vikas Kapoor, o super bem-sucedido empresário do setor de terceirização, tem agora 12 operações nos EUA que respondem por metade dos seus 11 mil funcionários.

Mito 3: A terceirização elimina empregos. Um argumento padrão usado pelos democratas nos EUA contra CEOs republicanos que estavam concorrendo ao Congresso no ano passado foi que eles tinham exportado empregos dos EUA. A senadora Barbara Boxer criticou continuamente Carly Fiorina, afirmando que a ex-CEO da Hewlett-Packard tinha exportado 35 mil postos de trabalho. A resposta óbvia deveria ter sido: "Sim, terceirizei 30 mil empregos. Mas, se não o fizesse, a HP teria se tornado não competitiva em mercados extremamente competitivos, e eu teria perdido 100 mil empregos".

Outra falácia empregatícia é que quando um posto de trabalho desaparece num país ocidental e ressurge na Índia, deve ter sido exportado por empresários nefastos. Mas, em muitos casos, aquela atividade tornou-se simplesmente economicamente inviável no Ocidente, independentemente de a alternativa indiana existir ou não.

Se custa US$ 2 por telefonema para que uma casa de repouso americana consiga alguém para lembrar um paciente a hora de tomar seu remédio, a tarefa de assegurar tais lembretes irá desaparecer. Mas se indianos podem fazer as chamadas por US 0,25, é bom que a casa de repouso firme um contrato (para assegurar o serviço). Assim, seus pacientes ficam saudáveis, os fabricantes de medicamentos mais lucrativos e a Índia em melhor situação, porque o emprego cresce.

Concluindo: todos ganham com a terceirização dos serviços. Mas, infelizmente, poucas pessoas entendem isso.

Jagdish Bhagwati, professor de Economia e Direito na Universidade de Columbia e membro sênior em Economia Internacional do Conselho de Relações Exteriores, foi copresidente do Grupo de Especialistas de Alto Nível em Comércio, nomeado pelos governos britânico, alemão, indonésio e turco. Copyright: Project Syndicate, 2011

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