A mera suspeita de pressão política sobre o BC é danosa
Por meios oblíquos a presidente Dilma Rousseff conseguiu colocar a autonomia do Banco Central no centro do debate da política econômica do próximo governo. O tema é árido, dificilmente compreendido pelo grande público, mas guarda uma relação direta com a carestia.
Diante da inflação alta, os dois candidatos da oposição - Aécio Neves, do PSDB, e Eduardo Campos, do PSB - se comprometeram, nos últimos dias, com a ideia de formalizar em lei a "autonomia operacional" do BC. Por esse conceito, o governo eleito define a meta de inflação que deve ser perseguida pelo BC que, com sua diretoria aprovada pelo Senado e mandato em geral não coincidente, teria como missão primordial perseguir a meta usando como instrumento a taxa de juros.
Se fracassar na sua função, a diretoria do BC poderia ser substituída, mediante aprovação do Senado, a pedido do Executivo. "Esse é um sistema bem testado e requer um Banco Central transparente", advogou o ex-presidente do BC Armínio Fraga, que é o coordenador econômico da campanha de Aécio Neves, em entrevista recente em que defendeu a autonomia operacional legal como reforço institucional da política monetária.
Eduardo Campos também apoia a aprovação de lei para que o BC, munido de autonomia operacional, possa manter a inflação na meta, conforme disse à colunista Rosângela Bittar, do Valor .
Embora o regime de metas para a inflação tenha sido instaurado em 1999 e pressuponha autonomia do BC para domar os índices de preços e preservar o valor da moeda, a instituição atua com maior ou menor grau de liberdade por "c o n c e s s ã o" do presidente da República. Tem sido assim desde o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.
Na gestão Dilma, porém, o Banco Central viu erodir a sua reputação ao ser submetido a manifestações danosas que produziram a suposição de que há interferência política na administração da taxa de juros.
Como o regime de metas tem no seu cerne a coordenação das expectativas e, para isso, exige inquestionável credibilidade do BC, a simples suspeita de que a política está acima do compromisso com a meta de inflação se traduz em piora das expectativas, tornando mais cara a desinflação.
O marco da influência de Dilma nos rumos da Selic ocorreu em março de 2013. Em entrevista concedida durante viagem a Durban, na África, ela declarou: " Eu não concordo com políticas de combate à inflação que olhem a questão da redução do crescimento econômico (...). Não tem nada que nós possamos fazer internamente, a não ser expandir a nossa produção (...)". O recado da presidente foi traduzido pelos mercados como a prova de que ela limita a ação do BC. Alexandre Tombini, presidente do BC, teve que esclarecer e consertar a notícia a pedido da própria Dilma.
A ideia de que o governo é leniente com a inflação, porém, foi se consolidando, até porque a presidente e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, sempre alegaram que cumprem a meta com a inflação ao redor de 6%. O que era teto dado pelo intervalo de tolerância - para acomodar choques de oferta - tornou-se meta. A meta de 4,5% virou miragem. Inventou-se a expressão "centro da meta" para referir-se a ela.
Por outro lado, o governo praticou uma política fiscal expansionista. Ao mesmo tempo que o BC elevava os juros, os gastos públicos se ampliavam. Era o ar-condicionado e a calefação ligados na mesma sala.
Logo depois da entrevista de Durban, o BC iniciou um novo ciclo de aperto monetário para enfrentar o repique da inflação, que começou em abril de 2013 e já elevou a Selic em 375 pontos. O choque dos alimentos, contudo, elevou o IPCA para 6,15% até março.
É comum ouvir nos gabinetes do governo que Dilma não quer mais aumentos de juros. Por isso o BC estaria dando sinais de que vai parar, apesar de a variação do IPCA prevista para 2014 já estar em 6,59%, acima do teto de 6,5%, segundo o último Focus, do BC. A pesquisa informa que a média da expectativa dos Top 5 (as cinco instituições que mais acertam as projeções) para os próximos anos é de 6,35% em 2015, 5,47% em 2016, 5,11% em 2017 e 4,88% em 2018.
Por mais que o BC negue a existência de ingerência política, o prejuízo da incerteza está sobre a mesa do governo.
A autonomia dos bancos centrais surgiu da constatação de que os políticos, não importa o país, em geral buscam a reeleição e, para isso, tendem a preferir políticas fiscais e monetárias frouxas (juro baixo e gasto público elevado), no curto prazo, mesmo que às custas de mais inflação. Para evitar a tentação de atender às pressões políticas - cuja soma das partes é sempre maior que o todo - e transferir a conta para a sociedade em forma de aumento geral dos preços, os governos começaram a delegar ao BC a tarefa de impor limites.
Ou seja, de "retirar o chope da festa" antes que todos fiquem bêbados.
Muito se questiona sobre que legitimidade política tem a diretoria do BC para ser o guardião do valor da moeda, se lá ninguém foi eleito pelo voto popular.
A autonomia operacional, garantida em lei, é apenas uma delegação de poderes ao BC, conferida pelo presidente da República e pelo Senado, representantes do voto popular, para entregar ao país uma taxa de inflação baixa, previamente definida pela Presidência da República e aprovada pelo Conselho Monetário Nacional. Poder que, se não estiver sendo exercido a contento, pode ser subtraído.
É fato que a independência do BC da Argentina não foi suficiente para segurar Martin Redrado no cargo, mas isso não invalida a ideia.
Cabe ao BC, por seu turno, cumprir a missão com bom senso e com o mínimo possível de perda de Produto Interno Bruto.
Se uma lição ficou para o governo foi a de que juros baixos não geram crescimento, mas se artificialmente baixos podem estimular a inflação, que corrói os salários, empobrece o país e compromete o futuro.
Nesse aspecto, é de pouca valia argumentar que a inflação já foi de 80% ao mês, como fez Lula na entrevista aos blogueiros. Ainda bem que isso é passado!
Por meios oblíquos a presidente Dilma Rousseff conseguiu colocar a autonomia do Banco Central no centro do debate da política econômica do próximo governo. O tema é árido, dificilmente compreendido pelo grande público, mas guarda uma relação direta com a carestia.
Diante da inflação alta, os dois candidatos da oposição - Aécio Neves, do PSDB, e Eduardo Campos, do PSB - se comprometeram, nos últimos dias, com a ideia de formalizar em lei a "autonomia operacional" do BC. Por esse conceito, o governo eleito define a meta de inflação que deve ser perseguida pelo BC que, com sua diretoria aprovada pelo Senado e mandato em geral não coincidente, teria como missão primordial perseguir a meta usando como instrumento a taxa de juros.
Se fracassar na sua função, a diretoria do BC poderia ser substituída, mediante aprovação do Senado, a pedido do Executivo. "Esse é um sistema bem testado e requer um Banco Central transparente", advogou o ex-presidente do BC Armínio Fraga, que é o coordenador econômico da campanha de Aécio Neves, em entrevista recente em que defendeu a autonomia operacional legal como reforço institucional da política monetária.
Eduardo Campos também apoia a aprovação de lei para que o BC, munido de autonomia operacional, possa manter a inflação na meta, conforme disse à colunista Rosângela Bittar, do Valor .
Embora o regime de metas para a inflação tenha sido instaurado em 1999 e pressuponha autonomia do BC para domar os índices de preços e preservar o valor da moeda, a instituição atua com maior ou menor grau de liberdade por "c o n c e s s ã o" do presidente da República. Tem sido assim desde o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.
Na gestão Dilma, porém, o Banco Central viu erodir a sua reputação ao ser submetido a manifestações danosas que produziram a suposição de que há interferência política na administração da taxa de juros.
Como o regime de metas tem no seu cerne a coordenação das expectativas e, para isso, exige inquestionável credibilidade do BC, a simples suspeita de que a política está acima do compromisso com a meta de inflação se traduz em piora das expectativas, tornando mais cara a desinflação.
O marco da influência de Dilma nos rumos da Selic ocorreu em março de 2013. Em entrevista concedida durante viagem a Durban, na África, ela declarou: " Eu não concordo com políticas de combate à inflação que olhem a questão da redução do crescimento econômico (...). Não tem nada que nós possamos fazer internamente, a não ser expandir a nossa produção (...)". O recado da presidente foi traduzido pelos mercados como a prova de que ela limita a ação do BC. Alexandre Tombini, presidente do BC, teve que esclarecer e consertar a notícia a pedido da própria Dilma.
A ideia de que o governo é leniente com a inflação, porém, foi se consolidando, até porque a presidente e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, sempre alegaram que cumprem a meta com a inflação ao redor de 6%. O que era teto dado pelo intervalo de tolerância - para acomodar choques de oferta - tornou-se meta. A meta de 4,5% virou miragem. Inventou-se a expressão "centro da meta" para referir-se a ela.
Por outro lado, o governo praticou uma política fiscal expansionista. Ao mesmo tempo que o BC elevava os juros, os gastos públicos se ampliavam. Era o ar-condicionado e a calefação ligados na mesma sala.
Logo depois da entrevista de Durban, o BC iniciou um novo ciclo de aperto monetário para enfrentar o repique da inflação, que começou em abril de 2013 e já elevou a Selic em 375 pontos. O choque dos alimentos, contudo, elevou o IPCA para 6,15% até março.
É comum ouvir nos gabinetes do governo que Dilma não quer mais aumentos de juros. Por isso o BC estaria dando sinais de que vai parar, apesar de a variação do IPCA prevista para 2014 já estar em 6,59%, acima do teto de 6,5%, segundo o último Focus, do BC. A pesquisa informa que a média da expectativa dos Top 5 (as cinco instituições que mais acertam as projeções) para os próximos anos é de 6,35% em 2015, 5,47% em 2016, 5,11% em 2017 e 4,88% em 2018.
Por mais que o BC negue a existência de ingerência política, o prejuízo da incerteza está sobre a mesa do governo.
A autonomia dos bancos centrais surgiu da constatação de que os políticos, não importa o país, em geral buscam a reeleição e, para isso, tendem a preferir políticas fiscais e monetárias frouxas (juro baixo e gasto público elevado), no curto prazo, mesmo que às custas de mais inflação. Para evitar a tentação de atender às pressões políticas - cuja soma das partes é sempre maior que o todo - e transferir a conta para a sociedade em forma de aumento geral dos preços, os governos começaram a delegar ao BC a tarefa de impor limites.
Ou seja, de "retirar o chope da festa" antes que todos fiquem bêbados.
Muito se questiona sobre que legitimidade política tem a diretoria do BC para ser o guardião do valor da moeda, se lá ninguém foi eleito pelo voto popular.
A autonomia operacional, garantida em lei, é apenas uma delegação de poderes ao BC, conferida pelo presidente da República e pelo Senado, representantes do voto popular, para entregar ao país uma taxa de inflação baixa, previamente definida pela Presidência da República e aprovada pelo Conselho Monetário Nacional. Poder que, se não estiver sendo exercido a contento, pode ser subtraído.
É fato que a independência do BC da Argentina não foi suficiente para segurar Martin Redrado no cargo, mas isso não invalida a ideia.
Cabe ao BC, por seu turno, cumprir a missão com bom senso e com o mínimo possível de perda de Produto Interno Bruto.
Se uma lição ficou para o governo foi a de que juros baixos não geram crescimento, mas se artificialmente baixos podem estimular a inflação, que corrói os salários, empobrece o país e compromete o futuro.
Nesse aspecto, é de pouca valia argumentar que a inflação já foi de 80% ao mês, como fez Lula na entrevista aos blogueiros. Ainda bem que isso é passado!
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