O Estado de S.Paulo - 04/02
Mesmo com a perspectiva de um resultado negativo avantajado na balança comercial, logo no primeiro mês do ano - o que acabou confirmado ontem com a divulgação de um déficit de US$ 4,1 bilhões, em janeiro, o maior saldo negativo mensal da série iniciada em 1994 -, os analistas de mercado, de acordo com o boletim "Focus" de sexta-feira, voltaram a elevar suas projeções para o saldo comercial em 2014. Já é a terceira semana de ajustes para cima desde fins de 2013, com a mediana das previsões apontando agora para um excedente de US$ 8,25 bilhões, no fim de 2014 - um avanço próximo de US$ 1 bilhão em relação às estimativas iniciais.
É possível interpretar de muitas maneiras o aparente descompasso na combinação de um déficit comercial elevado no começo do ano com projeções crescentemente positivas para o saldo 12 meses à frente. Uma delas é a de que, em períodos de acentuadas incertezas, como é o atual, impaciências analíticas podem levar a conclusões apressadas - e equivocadas. Daí a sugestão de evitar impaciências e não "comprar" o resultado de um mês para períodos mais longos.
No caso específico da balança comercial, a diferença entre um saldo, no fim do ano, só um pouco menos raquítico do que o de 2013 ou bem mais encorpado, nos níveis, quem sabe, de 2012, depende de uma sequência de variáveis incertas. Muito difícil encontrar uma resposta convincente, neste momento, sem saber qual será o grau de recuperação da economia na Europa e nos Estados Unidos - com todos os efeitos e consequências da reversão dos estímulos monetários -, a intensidade da perda de ritmo da atividade na China e até mesmo os impactos da crise cambial na Argentina sobre as vendas brasileiras ao exterior.
Ainda que se possam formular hipóteses heroicas para essas questões, restarão dúvidas relevantes a respeito da marcha das valorizações e desvalorizações do real, a variável mais crítica no conjunto de elementos que definem a trajetória dos saldos comerciais. É algo que envolve não só captar a direção correta dos movimentos na economia global, mas tanto ou mais do que isso os rumos da política econômica doméstica.
Até que ponto, por exemplo, o previsível anúncio de austeridade fiscal, agora insistentemente prometido pelo governo Dilma, será considerado suficiente para tirar a pressão das contas públicas sobre a demanda e terá condições efetivas de ser cumprido? O traçado da curva sobre a qual as cotações do dólar vão se equilibrar - e, portanto, a reação de exportações e importações - também depende da resposta a esse quesito.
Se essa resposta for positiva, é de se esperar um alívio na pressão da demanda, abrindo espaço para alguma moderação na política monetária. No lado cambial, um cenário com esse desenho conduziria a uma menor valorização da moeda e isso, em conjunto com o desaquecimento da demanda, acabaria promovendo incentivo às exportações e, principalmente, desestímulo às importações.
Com base nessa hipótese de arrefecimento da demanda e consequente redução relativa das importações, já circulam projeções de um saldo comercial em 2014 nas vizinhanças dos quase US$ 20 bilhões de 2012 e de um déficit em transações correntes de US$ 65 bilhões - 20% abaixo do de 2013. Ainda em zona de risco, mas em menor grau, o déficit externo recuaria de 3,7% do PIB, no ano passado, para 3% este ano.
São projeções muito distantes das previsões medianas do "Focus", que apontam para um déficit em transações correntes de US$ 73 bilhões, e também das mais recentes estimativas do próprio Banco Central, que avançam a US$ 78 bilhões, equivalentes a 3,5% do PIB. Essa larga distância entre as previsões máximas e mínimas serve para lembrar que, se a impaciência é sempre má conselheira na análise econômica, é ainda mais quando se trata das contas externas e, em especial, no caso delas em 2014.
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