O GLOBO - 04/02
Lula vê em Campos ameaça à hegemonia do PT. Para desidratá-lo, constrói a candidatura local de um herdeiro da aristocracia nordestina que confrontou nos últimos 25 anos
Começou a temporada de caça a votos.
Hoje, em Brasília, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e a provável vice, Marina Silva (Rede), dão impulso à sua campanha com um esboço de ideias para “fazer mais, com menos e em menos tempo” na educação básica, na política ambiental, na forma de organização do governo e de intervenção estatal na economia.
Na próxima segunda-feira (10) o Partido dos Trabalhadores festeja 34 anos de existência, dos quais 12 no centro do poder. Será vez de o ex-presidente Lula apresentar as razões pelas quais, ele acha, a presidente Dilma Rousseff deveria ser premiada com um novo mandato.
Na sequência, ainda sem data, o ex-governador de Minas Gerais e senador Aécio Neves (PSDB) desfila suas propostas de mudanças.
Essa disputa contém um inédito tempero pernambucano — o duelo entre Lula e Campos.
Aos 68 anos, o ex-presidente resolveu dar um tom pessoal ao embate naquela ponta geográfica do país. “Vou morar em Pernambuco”, tem repetido, em tom típico de quem se sente ofendido ou lesado pelo governador, figurante do seu ministério por 18 meses (2004 a 2005).
Nascido em Caetés, a 250 quilômetros do Recife, Lula escolheu seu estado como vitrine do reformismo social e econômico do Nordeste. Ali, programas de Previdência e Bolsa Família praticamente aniquilaram a intermediação do coronelismo na assistência aos pobres.
Numa etapa de bonança econômica, uniu-se a Campos e retomaram o projeto portuário-industrial de Suape, iniciado pelos liberais pernambucanos em meados dos anos 70. Programaram investimentos de US$ 30 bilhões em refinaria e estaleiro ao longo de duas décadas, confirmando uma constatação do economista Alberto Hirschman: o Nordeste só ganhou relevo no mapa do poder republicano depois de grande seca ou quando um nativo ocupou área-chave do governo central.
Com pouco menos de um terço do eleitorado nacional, a região se tornou vital à hegemonia do PT. Garantiu a Lula a reeleição (76,6% dos votos) e o favoreceu na sucessão, com Dilma (70,5%). Pernambuco deu votação recorde ao lulismo tanto em 2006 (78,5%) quanto em 2010 (75,6%).
Campos, nascido no Recife, se elegeu com votação menor (65,3%). Surpreendido pelas urnas, recrutou equipe no Tribunal de Contas e se dedicou à consolidação do partido herdado do avô, Miguel Arraes, sertanejo casmurro e habilidoso na pregação da justiça social. Tornou-se líder entre governadores em aprovação na base local.
Lula vê em Campos mais do que ameaça à chance de reeleição de Dilma, esteja na liderança ou em aliança com o PSDB. Enxerga uma rebelião no território onde o PT definiu sua hegemonia. Com agravante: a candidatura do governador pernambucano se tornou estuário para os potes de mágoas dos derrotados nas lutas fraticidas do petismo nordestino, como constatou o presidente do PT, Rui Falcão, nos últimos 15 dias.
Para desidratá-lo, Lula constrói algo até então inimaginável para muitos: a candidatura ao governo estadual de Armando Queiroz Monteiro Neto, de 62 anos, senador, ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria, herdeiro de fortuna assentada na banca e em usinas de açúcar — síntese da aristocracia nordestina que Lula transformou em alvo constante nas campanhas pelo sertão nos últimos 25 anos.
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