terça-feira, fevereiro 04, 2014

O dilema do peronismo: quem se anima com Cristina? - JOAQUÍN MORALES SOLÁ

O GLOBO - 04/02

Partido da presidente teme ser contaminado por sua impopularidade e desencanto dos argentinos com a velha legenda



Ebulição e preocupação são as palavras que usa um governador argentino para descrever a situação interna do Partido Justicialista. O peronismo nada em águas desconhecidas. Há um governo peronista que não o representa. Há uma crise que aborrece a sociedade com o governo e o partido. Há uma presidente que não aprecia o diálogo com governadores e prefeitos peronistas.

Governadores cristinistas, ou que posam como tais, estão sendo arrastados pela impopularidade dela. Os que não são tâo cristinistas suspeitam que a sociedade poderia não distingur entre peronistas, kirchneristas e cristinistas. Para o eleitor comum, todos são peronistas, dizem eles. A preocupação está se transformando em risco palpável em várias províncias. O governador de Entre Ríos, o cristinista Sergio Urribarri, descobriu que dois importantes prefeitos de sua província poderiam aderir logo ao peronismo dissidente.

Contudo, nada parece chegar, intacto e direto, ao conhecimento da presidente. A informação sobre o que sucede no partido flui rápida entre seus dirigentes, que não podem dizer nada de transcendente. Ninguém sabe como nem quando a informação chega a Cristina, se é que chega. Todos creem que o “núcleo duro” que a rodeia só lhe dá interpretações parciais da realidade.

Dois governadores avançaram nas últimas horas definições públicas significativas. Um foi o da província de Buenos Aires, Daniel Scioli: admitiu que se vivem “momentos delicados” e recordou que governa “um país dentro do país”. “Momentos delicados” poderia se traduzir na palavra crise, segundo o estilo sempre prudente de Scioli. A recordação de sua experiência como funcionário é mais impressionante, porque significa que não cessou, apesar do questionamento de setores cristinistas, sua insistente oferta como candidato a suceder a presidente. Crise e sucessão na boca de Scioli são os sintomas mais cabais de que o governador está falando a um peronismo desesperado para encontrar uma porta de saída.

Outro governador foi o cordobês José Manuel de la Sota, que pediu ao peronismo que não termine afundando o peronismo (quer dizer, Cristina), mas reclamou energicamente uma mudança do atual estado de coisas. De la Sota tem fama de conhecedor obsessivo da estrutura partidária e é o que mais fala com governadores e prefeitos, incluídos Scioli e Sergio Massa. De la Sota, que nunca militou no kirchnerismo, aspira a participar de uma solução eleitoral para o partido, mas sabe que as sociedades também se cansam das marcas. A marca PJ é a que está agora em perigo.

O conflito não resolvido de todos eles é encontrar uma forma de chegar diretamente à presidente. A princípio, confiaram em Jorge Capitanich, mas este se passou ao fanatismo dos convertidos. O político aberto e pragmático se converteu num cruzado do cristinismo mais paranóico. Dois governadores peronistas dizem que nunca confiaram em Capitanich como um representante do partido na Casa de Governo. “Só sabe dizer sim. Foi assim com Cavallo, Duhalde, Kirchner e Cristina”, resumem.

O interlocutor ideal para todos eles seria Scioli, por sua envergadura como governador da província mais importante do país e como um dos poucos políticos peronistas que conservam respeitáveis índices de popularidade. O problema é que Scioli não nasceu para dar ultimato a alguém. E o que os peronistas querem é que alguém diga a Cristina que o partido não se suicidará pelas bagunças que arma Axel Kicillof. O ministro da Economia é quase uma mania para eles. “O peronismo não praticou jamais a prova de tentativa e erro no poder”, disse um governador com notável desprezo pelo ministro da Economia.

Só há um prefeito na província de Buenos Aires, o de La Matanza, Fernando Espinoza, com um trato amável e assíduo com a presidente. Espinoza, que é agora também o presidente do PJ de Buenos Aires, costuma levar pedidos concretos a Cristina para a gestão dos prefeitos. Não obstante, ninguém está certo de que seria possível convencê-lo a ser o mensageiro do ultimato.

Ultimato é uma palavra muito usada estes dias no justicialismo. O que significa? “Que Cristina deixe de lado La Cámpora e se apoie no peronismo, ou o peronismo não a apoiará”, responde um governador. Está vindo à tona no partido um velho rancor escondido, que se dissimulava desde o início do segundo mandato da presidente. Provocou-o a opção de Cristina pelos jovens camporistas.

“Ela nos deu as costas”, diz um prefeito. “Como explicar à sociedade que o kirchnerismo não é peronista?”, pergunta, retoricamente, um de seus mais conhecidos dirigentes. O fantasma de uma sociedade argentina cansada do PJ e optando por outras variantes eleitorais surge com insistência nessas conversas entre peronistas.

Os peronistas observam com certa admiração a capacidade de decisão dos dirigentes sindicais, que foram sempre a vanguarda do movimento. Já não há diferenças substanciais entre Hugo Moyano e Antonio Caló, o velho opositor e o recente oficialista. Os dois falam mal de Kicillof, se queixam da inflação e impõem duras condições em público. “No final, Moyano tinha razão: Cristina será um fardo para o PJ”, resignou-se um dirigente da CGT oficialista.

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