GAZETA DO POVO - PR - 07/02
Demonizar os shoppings e aqueles que não concordam com os rolezinhos é mero oportunismo ideológico que serve apenas para criar mais tensão
Depois do susto inicial causado pela onda de rolezinhos por todo o país, as coisas começam a entrar nos eixos. Em São Paulo, por exemplo, um acordo firmado entre prefeitura, Ministério Público e a Abrasce, associação que reúne mais de 250 donos de shoppings no Brasil, estabeleceu regras para os eventos, incluindo a destinação de espaços específicos como estacionamentos para os jovens se reunirem com mais segurança. O número de eventos do gênero também tem diminuído, o que pode significar que os eventos “saíram de moda” entre os jovens. De qualquer maneira, é necessário refletir sobre o real significado desses encontros de jovens.
O fenômeno dos rolezinhos se dividiu em dois. O primeiro é o rolezinho original, convocado por jovens da periferia para ocorrer em shoppings também em áreas periféricas das metrópoles. Como os próprios organizadores e participantes admitiam, não se tratava de nenhum tipo de protesto político, mas apenas de reunir um grande grupo de jovens e adolescentes, a maioria fãs do chamado “funk ostentação”, caracterizado pelo elogio ao consumo de marcas caras ou consideradas de elite. Diversão e paquera eram os motivos mais citados pelos participantes para ir a um rolezinho.
No entanto, tais aglomerações foram recebidas com oposição por lojistas e pelos demais frequentadores de shoppings, e essa foi a deixa para o sequestro político do rolezinho. Especialistas das mais diversas áreas passaram a falar em “apartheid social”, discriminação contra pobres e até mesmo racismo, como na declaração irresponsável da ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, para quem o medo dos rolezinhos era “reação de branco”. Pouco importava o fato de os shoppings nunca terem barrado frequentadores negros, ou de os rolezinhos serem uma atividade sem nenhum componente racial, com participantes brancos, pardos e negros.
Surgiram, então, os rolezinhos “de protesto”, convocados por movimentos sociais para ocorrer não mais em shoppings de periferia, mas naqueles associados à elite, para protestar seja contra o racismo, seja contra a sociedade de consumo, ou contra qualquer outra coisa. Frequentemente se mostraram um fracasso de público, às vezes atraindo mais jornalistas que “rolezeiros”.
Em 20 de janeiro, o colunista da Gazeta Friedmann Wendpap mostrou o que realmente estava por trás da reação aos rolezinhos: o instinto de preservação, e não o preconceito racial ou contra os pobres. “Somos equipados pela natureza com o medo da multidão: um boi não assusta, uma boiada espalha pânico. Sabemos, instintivamente, que o comportamento multitudinário difere do individual e, de regra, para pior”, afirma o colunista. “O medo que os de fora da multidão sentem é natural, e não produto de cultura discriminatória contra pobres, jovens, mal vestidos, de outra cor, raça, religião, opinião política. Confundir medo com discriminação e desconhecer a potencialidade explosiva de multidão sem organização é negar a natureza humana”, acrescenta. No entanto, para quem só consegue enxergar o mundo pelo prisma da luta de classes, a natureza humana vale muito pouco.
Isso significa que, se a intenção for apenas a de se divertir, os shoppings têm a obrigação de abrir as portas aos rolezinhos sem questionamentos? Não nos parece que seja assim. Shoppings são espaços com finalidade essencialmente comercial. Ao concentrar milhares de pessoas em uma área limitada como é a desses estabelecimentos, o rolezinho acaba prejudicando a finalidade para qual aquele espaço existe. Assim, torna-se um abuso do direito de ir e vir, cerceando os direitos de todos os demais frequentadores e dos proprietários e funcionários de lojas, que têm no comércio o seu ganha-pão. Tanto a população percebe esse aspecto da questão que uma recente pesquisa Datafolha feita entre paulistanos mostrou oposição de 82% aos rolezinhos. Mesmo entre os mais pobres e os mais jovens há rejeição: 80% dos entrevistados com renda familiar de até dois salários mínimos e 70% dos entrevistados de 16 a 24 anos são contrários. Apenas 25% dos pardos e 32% dos negros veem preconceito racial na ação de shoppings que recorrem à Justiça para impedir rolezinhos.
Um shopping center não pode negar a ninguém o direito de adquirir e consumir qualquer produto em suas lojas; isso, sim, seria discriminação. Mas procurar se resguardar judicialmente contra manifestações ou eventos que provocam uma clara ruptura no cotidiano dos shoppings é um direito que lhes cabe – recordemos, trata-se de estabelecimentos privados, e não de espaços públicos como as ruas. Demonizar os shoppings e aqueles que não concordam com os rolezinhos é mero oportunismo ideológico que serve apenas para criar mais tensão e não para compreender adequadamente esse fenômeno.
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