O GLOBO - 07/02
Na CBN, ouvintes perguntaram se o Brasil está seguindo o caminho da Argentina. A resposta é um “não”; categórico e aliviado. Sim, temos problemas: de outra dimensão, de outra natureza, e alguns podem até lembrar erros argentinos, mas a situação é totalmente outra. A Argentina está em crise cambial, manipula seu índice de preços e revisita os perigos das décadas de 80 e 90.
As nossas virtudes nos distanciam completamente da conjuntura econômica do país vizinho: o Brasil, a sociedade, os institutos, as organizações jamais deixariam que o governo cometesse os erros da Argentina.
O primeiro e mais perigoso dos equívocos ocorreu quando o então presidente Nestor Kirchner decidiu intervir no Indec para manipular o índice de preços. Em vez de combater a inflação, perseguiu quem calculava o número. Aqui, não há qualquer demonstração de que se pretenda isso; nem o IBGE e o país permitiriam.
O governo brasileiro tem segurado preços públicos, mas os dados são transparentes. Eles mostram a inflação de preços administrados e a dos preços livres. Não é um bom sinal e isso terá que ser corrigido mais adiante, mas não é parecido com o que houve na Argentina. A “Economist” parou de publicar os dados do país, e o FMI determinou que se divulgue outro índice de preços. A data foi marcada para 13 de fevereiro.
O Brasil tem a vantagem de ter um instituto oficial com credibilidade, porque o maior risco é navegar nesses mares de inflação sem bússola. Os institutos privados, lá, chegaram a ser proibidos de divulgar seus levantamentos de preços e aí ficou mais estranho ainda: todo mundo sabe que a inflação está em torno de 30%, todos sentem que ela está acelerando, mas o governo permanece com o indicador oficial em 10% ao ano.
Nas últimas semanas, com a forte desvalorização do peso, já se fala em inflação de 6% só em janeiro. Nós estamos incomodados — com toda a razão — com uma inflação de 6% ao ano.
Brasil e Argentina viveram a tragédia da hiperinflação, mas o compromisso brasileiro em manter a estabilidade é mais forte do que eles demonstraram ter nos últimos anos. O país foi leniente demais com os erros dos governos Kirchner e agora está em crise cambial, com um volume de reservas absolutamente insuficiente para cobrir as necessidades da economia.
Ninguém está seguro num momento de turbulência internacional; mas aqui o Banco Central tem US$ 376 bi e instrumentos para enfrentar esse momento de transição da economia internacional. Aliás, os sacolejos de agora não têm a dimensão da crise de 2008, quando a rápida elevação do dólar pegou muitas empresas brasileiras com uma forte exposição cambial.
Naquela época, as reservas foram providenciais. Agora, também são importantes para evitar o excesso de volatilidade do dólar, ainda que não seja objetivo do BC brasileiro segurar qualquer cotação.
A Argentina vive uma clássica crise cambial. Está agora limitando o acesso dos importadores ao dólar. O país, no ano passado, importou US$ 74 bilhões e tem US$ 27 bilhões de reservas e compromissos da dívida externa para cumprir (veja o gráfico abaixo). Esse número das reservas, segundo uma recente análise da Bloomberg, pode estar superestimado. O que, se for verdade, aumentará a desconfiança em relação ao país.
Aqui, há dúvidas sobre a forma de calcular o superávit primário e críticas à política de se endividar para passar dinheiro a bancos públicos. Há vários problemas sobre os quais os analistas criticam o governo. São erros. Mas o que a Argentina tem feito é a volta a um caminho com o qual o Brasil rompeu há 20 anos.
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