ZERO HORA - 05/02
Quase todas as novelas acabam virando o samba do crioulo doido da metade para o final. Os autores precisam esticar a trama e aí personagens que no início eram interessantes tornam-se patéticos e a história que fazia sentido passa a não fazer mais sentido algum, a lógica vai para o espaço. Salva-se quem tiver talento acima da média, caso de Mateus Solano, que defendeu seu Félix com bravura e humor, virando o grande destaque de Amor à Vida.
Coube a ele e a Thiago Fragoso a cena histórica da tevê brasileira: o primeiro beijo de amor entre dois homens. Quem vinha acompanhando o desenrolar do relacionamento dos personagens Félix e Niko certamente não se chocou. Se houvesse uma palavra para traduzir aquela relação, seria ternura. O oposto de depravação.
Eu não esperava que o beijo ocorresse. Pega de surpresa, meu senso crítico (bem crítico!) em relação à novela desapareceu e me vi emocionada e feliz por todos os homens e mulheres que vivem um amor homossexual, e por seus pais, e por todos nós. Uma nova sociedade começava ali a sair do armário.
Não se pode desmerecer o alcance de uma novela das nove, ainda mais em seu capítulo final. Dezenas de milhões de pessoas assistiram dentro de suas casas a uma realidade que a cada dia se torna menos secreta. Ouvi de alguém uma comparação espantosa: que assim como os telejornais não mostraram as cenas de cabeças cortadas na penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, as novelas também deveriam se abster de mostrar o beijo gay, bastaria uma insinuação. Se entendi bem, o beijo estaria sendo considerado violento.
Os beijos podem ser românticos, eróticos, indecentes (os melhores), mas só são violentos quando acontecem contra a vontade. Afora isso, são detonadores de histórias de amor – ou de ilusões de amor, que seja. A partir deles, sempre começa alguma coisa (o.k., não nesta era de ficações banais, mas permita-me ser nostálgica). Assim como na vida real, os beijos do cinema, do teatro e da televisão ajudam a construir uma narrativa. E o que a história de Félix e Niko contou foi que homens enamoram-se entre si, sentem ciúme, ficam inseguros, reatam, tudo como ocorre entre héteros. Mesmo ainda não sendo considerados casais convencionais, podem ser tão amorosos quanto. Há alguma obscenidade no amor? Nenhuma. Não há obscenidade nem no sexo, não quando consentido e entre maiores de idade.
Obscenidade é quando a grosseria nos remete ao nosso estado mais primitivo, mais irracional. Não fazemos questão de ver cabeças cortadas na tevê porque nos dói admitir o quanto o ser humano é descontrolado e feroz. Em contrapartida, nunca haverá razão para cortar cenas de afeto que nos façam lembrar o quanto podemos ser doces, estejamos em cena ou simplesmente aplaudindo de fora.
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