domingo, fevereiro 16, 2014

A disputa pelo tributo - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 16/02

Os pontos-chave
1 Para o economista José Roberto Afonso, a incapacidade de se aprovar uma reforma tributária no Brasil se dá pelo seguinte: os governos do PT sempre tiveram maioria parlamentar e apoio popular. Não se avança porque o governo não quer.

2 Segundo ele, o tema também não é de interesse da sociedade.

3 As resistências à promoção de uma reforma tributária se encontram no próprio governo, nas suas três esferas: federal, estadual e municipal, por receio de que uma reforma leve a uma redução da arrecadação.
O economista José Roberto Afonso, um dos maiores especialistas em finanças públicas, acaba de publicar um artigo num livro que está sendo lançado no Chile com uma tese simples, mas polêmica, sobre a incapacidade de se aprovar uma reforma tributária no Brasil: para ele, os governos do PT sempre tiveram maioria parlamentar e apoio popular, e não se avança na reforma porque o governo nacional efetivamente não quer, não se interessa.
E não se interessa também porque este é um tema que não mexe com a sociedade brasileira, que ainda não é capaz de ligar causa e efeito.

Ele dá como exemplo os recentes movimentos de contestação, iniciados em junho do ano passado, com demonstrações contra o aumento do preço das passagens de ônibus em vários pontos do país, mas que persistem até hoje, com uma pauta difusa: "Muito se reclamou das políticas públicas para o transporte coletivo, mas nada foi dito, nem pela imprensa, nem pelos formadores de opinião, sobre os milionários incentivos tributários que beneficiam e estimulam o transporte individual", comenta José Roberto Afonso, ressaltando que a principal ação do governo federal para combater a crise financeira foi retirar imposto da produção de veículos e reajustar com defasagem o preço da gasolina para conter a inflação, incentivando assim o uso de automóveis.

Ele adverte que se esses movimentos populares caírem na tentação populista de que é possível subsidiar o preço das passagens de ônibus e aumentar os gastos sociais se aumentar a necessidade de financiamento, resultarão daí pressões para aumentar ainda mais a carga tributária e, pior ainda, não realizar a reforma tributária mesmo que seja para melhorar a equidade da distribuição de encargos.

Para o economista, está em aberto o desafio de captar os recursos de uma maneira mais equitativa e menos danosa para a competitividade da economia.

A reforma tributária, sendo uma mudança estrutural, não pode ser confundida com modificações pontuais de caráter cíclico ou conjuntural, adverte José Roberto Afonso.

No entanto, o governo central segue apostando em mudanças pontuais no sistema tributário, reduzindo os impostos federais e mudando os impostos provinciais.

Nem o governo federal nem os movimentos organizados da sociedade se interessam por essa mudança, acusa José Roberto Afonso, para quem é preciso superar a ideia tão simples e querida da esquerda brasileira: só importa como se gasta, e não como, quanto e de quem se cobra.

As resistências à promoção de uma reforma tributária se encontram no próprio governo, nas suas três esferas: federal, estadual e municipal, por receio de que uma reforma leve a uma redução da arrecadação.

Nenhum deles quer correr o risco de ter de gastar menos e diminuir o tamanho de seu respectivo governo.

"Se a visão predominante é de quem comanda a arrecadação e se a carga tributária cresce e quebra recordes todos os anos, por que correr o risco de mudar a estrutura da legislação e perder tal desempenho, pergunta José |Roberto Afonso, de maneira irônica.

De forma indireta e sem uma atuação política organizada, os contribuintes de maior poder econômico e político também não querem mudanças, ressalta José Roberto Afonso. A principal tese para explicar o desinteresse por uma reforma tributária seria a objeção dos governos subnacionais, que foram os mais beneficiados pela reforma promovida pela Constituição de 1988. Essa resistência se refletiria no Congresso Nacional mais vulnerável à pressão dos governadores e prefeitos do que a do presidente da República.

Para José Roberto Afonso, essa é uma desculpa que não corresponde aos fatos, pois o governo central vem recuperando ao longo do tempo sua capacidade de arrecadação, e dependeria dele um movimento político mais forte para reverter essa situação.

Dos candidatos à presidência da República este ano, o governador Eduardo Campos e o senador Aécio Neves têm uma pauta em comum: o fortalecimento da Federação, alegando que o governo federal centraliza muito a arrecadação e os estados e municípios ficam na dependência da boa vontade do Executivo. De qualquer maneira, uma coisa é certa: a reforma tributária ganhará um espaço nunca antes visto nos debates eleitorais este ano.


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