O GLOBO - 16/02
Santiago era cauteloso e não se expunha a riscos desnecessários, relatam os amigos deles, mas trabalhava com amor à profissão de informar com as imagens. Mais de 100 jornalistas tinham sido feridos antes dele, mostrando que os profissionais de imprensa viraram alvo dos dois lados. A maioria dos ataques veio da polícia, mas manifestantes também os hostilizaram. Além dos que foram feridos, muitos voltaram para as redações contando as ameaças e agressões verbais que receberam. Veículos de reportagens foram atacados.
A imprensa livre e atuante é parte fundamental da democracia; a preferência por um ou outro veículo de informação é normal, e cada um exerce sua liberdade de escolher que canal ligar, que noticiário ler, ouvir, assistir. Mas rejeição a um órgão não justifica hostilizar o jornalista. O ataque a alguém carregando uma câmera que o leva à morte é crime a ser punido.
Mesmo com a dor que atingiu toda a categoria expressa na frase “Poderia ter sido qualquer um de nós", os jornalistas sabem que não basta prender e condenar dois rapazes e aprovar uma lei com penas que podem inibir manifestações. O assassinato de Santiago clama por justiça, mas é preciso investigar bem para esclarecer todos os pontos ainda nebulosos do crime.
O direito de manifestação é fundamental numa democracia; a liberdade da imprensa, também. Os dois precisam ser igualmente preservados. Jornalistas devem ter mais formas de proteção, mas terão que continuar informando o que está acontecendo em cada evento. E descontentes devem ter o direito de ir
para as ruas mostrar os seus sonhos, reivindicações e raivas, dentro do limite que qualquer democracia estabelece.
Precisamos preservar os dois direitos.Não basta uma lei draconiana contra manifestantes. Mas quando eles passarem dos limites, como o MST fez derrubando grades que protegiam o Planalto e enfrentando policiais, não podem ser simplesmente acariciados. A presidente quando os recebeu deu uma ndicação de que eles podem passar dos limites porque, afinal, são governistas e as eleições se aproximam.
O PT tem reagido de forma errática e em geral equivocada ao processo que colocou na prisão políticos condenados pelo Supremo Tribunal Federal. Ora acusando suposto golpe da mídia e do judiciário, ora criticando diretamente o presidente do STF. As condenações e penas foram decisões colegiadas de juízes indicados majoritariamente pelo PT. Agora se passará ao julgamento do processo que atinge o PSDB. E o Tribunal terá de usar a mesma régua e compasso. Infelizmente já há réus que se beneficiam da insólita regra de que aos 70 anos a prescrição se apressa.
A democracia precisa avançar, amadurecer e superar os difíceis desafios atuais. Como disse acima, ela nos deu muito. Esta semana fiz um programa com o jornalista Ricardo Carvalho e o desembargador Fernando Foch sobre Dom Paulo Evaristo Arns. Ele é hoje o mais antigo cardeal do mundo e teve papel heróico na luta pela redemocratização brasileira. No livro “Cardeal da Resistência", Ricardo Carvalho conta, com textos e muitas fotos, pedaços dessa luta contra a ditadura. O Instituto Vladimir Herzog inaugurou esta semana no Rio a exposição “Resistir é preciso", no CCBB.
Nesses livros e exposições se pode vislumbrar um pouco como foi difícil chegarmos ao fim do período autoritário e quão valioso é o que conseguimos. O fim da ditadura foi o começo de várias lutas, inclusive na economia. Quem acompanha a economia com um olhar mais amplo sabe que a vitória sobre a hiperinflação foi obra da democracia.
Ela é a estrada principal na construção do projeto nacional. Mas, neste momento, o país precisa aperfeiçoá-la. As soluções não são triviais. Temos que avançar preservando direitos conquistados. O voto aberto levou o Congresso a mudar a decisão e tirar o mandato de Natan Donadon. Isso mostrou que os políticos têm medo do eleitor. Ótimo. Numa democracia, o eleitor é soberano.
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