O Estado de S.Paulo - 18/12
As grandes transformações, para melhor, na vida política e econômica dos países que lograram alcançar altos patamares de prosperidade material e de bem-estar social sempre resultaram de revoltas das elites contra uma situação de opressão por parte de soberanos despóticos, que exageraram na extração da riqueza criada pelas classes produtoras: agricultores, industriais e simples trabalhadores. Assim foi a revolta dos barões ingleses da qual resultou a Magna Carta, limitando a criação de tributos sobre os súditos, o que foi confirmado pela Revolução Gloriosa de 1688; assim foi, também, com a revolução dos colonos da Nova Inglaterra contra os novos impostos criados pelo rei inglês. Episódios semelhantes ocorreram em diversas fases da vida política da França, como quando as elites, ou o "Terceiro Estado", resolveram enfrentar o rei numa "fronda aristocrática", por pretender ele arrancar parte da riqueza e do patrimônio de nobres e altos funcionários para financiar suas guerras; em situações mais agudas, o próprio povo tomou a frente dos levantes.
Todas essas revoltas convergiram para o estabelecimento de sistemas políticos responsáveis, criando aquilo que em inglês se chama accountability, a responsabilização dos dirigentes no tocante aos recursos provenientes da comunidade. O poder do Estado é limitado pela representação popular, havendo prestação de contas das receitas obtidas a partir das riquezas criadas pelas classes produtoras. Esse foi o caminho seguido - por meio de reformas pacíficas ou, eventualmente, em processos revolucionários, com algumas cabeças rolando junto - por todos aqueles países que, finalmente, se tornaram prósperos, com sistemas políticos estáveis e responsáveis perante a cidadania.
O que podemos dizer da situação das classes produtoras no Brasil atual? A vida de um empresário no País, hoje em dia, é uma verdadeira câmara de horrores. Primeiro, ele tem de arcar com o que possivelmente seja a carga tributária mais alta do mundo. Somados todos os tributos que recaem sobre a pessoa jurídica, a carga é, em média, de 68% sobre o rendimento, ante, por exemplo, 52% na Suécia, modelo de Estado de bem-estar. Esses números não refletem toda a realidade. No Brasil, ao contrário da Suécia, o empresário - como a população, de modo geral - tem ainda de comprar no mercado todos os serviços que o Estado, por incompetência, não consegue prover-lhe, como segurança, saúde, educação e transporte. Se essa cobrança duplicada for levada em conta, a carga tributária no Brasil atinge níveis criminais.
Além disso, o empresário opera num ambiente regulatório francamente hostil. Apenas com a burocracia fiscal o empresário brasileiro gasta 2.600 horas por ano, ante 175 horas nos países da OCDE e 380 na média da América Latina. Isso equivale a aproximadamente três meses e meio, 24 horas por dia. Ou seja, é impossível para o empresário lidar sozinho com isso, obrigando-o a ter contadores e advogados em tempo integral somente para lidar com o Fisco. Tente-se vislumbrar, então, o custo para cada um deles ao lidar com a burocracia estatal como um todo: na prática, incomensurável.
Como se tudo isso não bastasse, o empresário brasileiro encontra-se alijado das cadeias internacionais de comercialização, com acesso restrito à tecnologia e ao capital humano, que são as chaves para a inovação. A decadência do ensino no Brasil está levando a um sucateamento do setor privado, que só poderá ser revertido com investimento em educação e abertura ao exterior. Exatamente o oposto do caminho seguido pelo atual governo. País fechado é país condenado ao atraso absoluto e relativo nos circuitos cada vez mais integrados da produção global.
Todos os empresários, mesmo os que circunstancialmente se beneficiam de favores, subsídios ou proteção dados pelo Estado, sabem que o Brasil está gradualmente condenado à perda de competitividade internacional. O País já foi levado a uma situação de isolamento das cadeias produtivas mundiais e está sendo arrastado para longe do grupo de economias mais dinâmicas do mundo, com políticas macroeconômicas e setoriais que o levam de volta ao passado, em lugar de apontar para o futuro. Como nos exemplos históricos precedentes, perspectivas de melhoria só se concretizarão quando as classes produtoras se unirem no objetivo comum de conter a voracidade do Estado e de lutar por um regime político e um sistema de organização econômica que beneficiem realmente as classes produtoras, as únicas que criam as riquezas que vêm sendo dilapidadas pelo ogro famélico em que se converteu o Estado brasileiro.
Está na hora de o Brasil também ter a sua revolta dos "barões", uma fronda empresarial que corrija os aspectos mais deletérios do atual modelo de desenvolvimento e crie um ambiente saudável para o crescimento econômico e a prosperidade de todos os cidadãos. Ninguém mais aceita ser um súdito espoliado por um Estado perdulário. Como sabem os próprios empresários, são eles mesmos que financiam o Estado e o atual sistema político, seja pela via direta dos impostos, seja pela via indireta, nem sempre transparente, das contribuições partidárias.
Que tal começar restringindo essa via àqueles comprometidos com a melhoria do ambiente de negócios? Que tal denegar aos estatizantes os recursos que eles buscam pela pressão pouco discreta ou até pela ameaça? Parafraseando um velho enunciado, os empresários não têm nada a perder, a não ser seus grilhões.
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