CORREIO BRAZILIENSE - 18/12
Como estrila o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), segundo a Constituição (artigo 22, I), o Congresso tem "competência privativa" - indelegável, portanto - para legislar sobre direito eleitoral
Desde o restabelecimento das eleições diretas para a Presidência da República, o caixa dois de campanha eleitoral é um fantasma que assombra a política nacional, pois sempre foi uma prática dos nossos políticos, cuja honestidade era medida pelo fato ou não de destinarem o dinheiro exclusivamente para a campanha e se aproveitarem dele para aumentar o patrimônio familiar. A origem do dinheiro muitas vezes era o superfaturamento de contratos ou o desvio de verbas públicas, num conluio entre agentes públicos e empresários. Não por acaso, nossos empreiteiros se tornaram os maiores financiadores de campanha do país.
Era a tradição, mas não havia vala comum entre políticos honestos e desonestos. Ulysses Guimarães, por exemplo, o líder da oposição, era um homem honesto. Dependia dos amigos para ter algumas mordomias, como viajar de helicóptero. Morreu num voo para Angra dos Reis, em companhia do amigo Severo Gomes, o político e empresário que mais o ajudava nas campanhas. Já o governador paulista Ademar de Barros notabilizou-se por meter a mão no dinheiro público com a maior cara de pau, a ponto de adotar o slogan “Rouba, mas faz!”. Durante o regime militar, militantes da Var-Palmares, organização à qual pertenceu a presidente Dilma Rousseff, assaltaram a casa da amante de Ademar, em 18 de julho de 1969, e roubaram US$ 2,5 milhões para financiar a luta armada.
Com a volta das eleições diretas, as campanhas presidenciais se tornaram um negócio milionário. A campanha de Fernando Collor de Mello, em 1989 — no segundo turno, principalmente —, arrecadou milhões de empresários assustados com a possibilidade de o ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ser eleito. Foi nesse ambiente que o pequeno empresário alagoano Paulo Cesar Farias emergiu da campanha como o todo-poderoso dos negócios envolvendo o governo. Até que um irmão enciumado, Pedro Collor de Mello, pôs a boca no trombone. O resultado foi a CPI mista do PC Farias e a campanha de impeachment de Collor de Mello.
Assim, partiu do Congresso, e não de outra instituição, a iniciativa de pôr ordem nas campanhas eleitorais. O relatório da CPI mista dizia: “Abandonemos a hipocrisia, não contudo para permitir o domínio indiscriminado do poder econômico na formação da vontade política. Devemos impor parâmetros realistas, porém controle severo, para os que infringirem a lei. Assim estaremos não acabando a corrupção eleitoral, mas contribuindo para que a sociedade e a Justiça possam combatê-la”. A inspiração veio do ex-presidente socialista francês François Mitterrand, autor do projeto de lei que regulamentou, na França, em 1988, o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais.
É que a Lei Eleitoral herdada do regime militar proibia a doação de empresas às campanhas eleitorais. O Congresso, porém, mudou as regras e tornou obrigatória a “publicização” das doações. A Lei Eleitoral de 1997 estabeleceu também limites para as doações de pessoas físicas (10% da renda no ano anterior) e de pessoa jurídica (2% do faturamento no ano anterior). Não se chegou a uma situação perfeita, mas a legislação atual tornou mais transparentes as relações entre os candidatos e os principais doadores: bancos, empreiteiras, siderúrgicas, empresas do setor elétrico, etc.
A celeuma sobre a Ação Penal 470, o chamado processo do mensalão, levou à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) apresentada pela OAB que questiona as doações feitas por pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. A tese vai ao encontro dos advogados de defesa dos réus, que negam a existência de desvios de recursos públicos no escândalo e atribuem a origem do dinheiro a empréstimos privados. Ou seja, o crime seria a existência de caixa dois, uma prática que seria ainda corriqueira. A tese foi rejeitada pela maioria dos ministros do STF, mas permanece no ar.
Eis que o presidente do STF, Joaquim Barbosa, decide pôr o assunto em pauta e a Corte ameaça jogar a criança fora com a água da bacia. O julgamento já está 4 a 0 a favor de acabar com doações de pessoas jurídicas, quiçá até de pessoas físicas, com adoção do financiamento público exclusivo, velha bandeira do PT. O problema, porém, não é apenas de mérito. Como estrila o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), segundo a Constituição (artigo 22, I), o Congresso tem “competência privativa” — indelegável, portanto — para legislar sobre direito eleitoral. Essa competência obedece ao princípio da anualidade, pelo qual a lei que alterar a regra do jogo da eleição deve estar em vigor um ano antes do pleito. Isso se aplicaria também ao Judiciário quando “invade” a competência legislativa do Congresso? Segundo o ex-presidente do STF Sepúlveda Pertence, “o princípio da anualidade deve proteger o sistema eleitoral — os partidos, os candidatos e principalmente o cidadão, eleitor — de ‘viradas jurisprudenciais’, que alteram a regra do jogo da eleição a menos de um ano do pleito.”
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